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Entrevista com Priscilla e Ana Claudia, mãe e tia de Thiago Menezes: “Esses policiais covardes deram 3 tiros de fuzil no meu filho”

Redação

Entrevista com Priscilla e Ana Claudia, mãe e tia de Thiago Menezes: “Esses policiais covardes deram 3 tiros de fuzil no meu filho”

Redação

Esta foi uma entrevista realizada com Priscilla Menezes e Ana Cláudia, respectivamente mãe e tia do Thiago Menezes, jovem de 13 anos brutalmente assassinado durante operação policial na Cidade de Deus no Rio de Janeiro. Ambas estão se somando à luta de familiares que batalham cotidianamente por justiça pelas vítimas da violência do Estado.

IDE: Priscilla, você poderia nos contar a história de seu filho e como você se tornou mãe que luta por justiça contra a violência do Estado.

Priscilla: “Sou a mãe do Thiago Menezes Flausino, adolescente de 13 anos que foi morto covardemente por policiais na Cidade de Deus [Comunidade da Zona Oeste do Rio de Janeiro]. Eu falo que sempre quando tenho que falar do Thiago ou então da noite que aconteceu essa covardia com ele, digo que eu sempre estarei mexendo numa ferida, uma ferida que nunca cicatriza.

Ele era uma criança muito – eu me refiro como criança, porque é um modo carinhoso de chamar ele, minha filha de 18 anos, a outra, eu falo criança – carinhosa, educada, querida por todos na escola. Na escola ele era querido pelas professoras, pela diretoras, pelos amigos, ele era fácil de tirar uma risada das pessoas, fazia as pessoas rirem, sempre fazia uma graça.

Ele dentro de casa era muito brincalhão, com as dancinhas dele, gostava de cantar. Era uma criança que gostava de ir pra escola, tinha uma frequência boa de 90,95%. Ele gostava de treinar, era muito responsável com os treinos. Desde de pequeninho gostava de jogar futebol, ele sabia que o futebol futuramente traria coisas boas pra ele, porque ele se dedicava. Do mesmo jeito que ele se dedicava na escola, ele se dedicava no futebol, porque era o sonho dele ser jogador de futebol.

Então na noite do dia 7 de agosto minha vida mudou quando esses policiais agiram de uma forma covarde matando meu filho. Atiraram no meu filho. Deram 3 tiros de fuzil numa criança de 13 anos. Thiago era magrinho assim, mas tinha um portezinho de atleta.

Esses policiais covardes deram 3 tiros de fuzil no meu filho. A gente nunca imagina passar por isso. É uma coisa que eu não desejo para nenhuma família, isso que tô vivendo hoje, porque desde o dia 7 de agosto eu não acordo do mesmo jeito, nenhum dos meus dias são iguais. Todo momento eu penso no meu filho, todo momento eu lembro dele, eu imagino que ele poderia estar comigo, com minhas filhas. Tá sendo muito difícil, muito difícil mesmo, essa perda que a gente teve tão precoce…perder um filho de 13 anos e da forma que foi, a crueldade que foi”.

IDE: Priscilla, você sempre fala que ”não foi operação, foi execução”. Pode falar um pouco mais sobre isso?

P.: “A minha luta não é só pelo Thiago, a minha luta é para que outra família futuramente, hoje ou amanhã, não passe pelo o que eu tô passando, porque eu não desejo essa dor pra ninguém. Ninguém merece viver isso que tô vivendo. A minha luta vai ser eterna. Esses policiais têm que ser responsabilizados, porque não pode ser normal um policial atirar, matar e isso virar estatística como vem acontecendo, porque o Thiago não foi o primeiro. Antes do Thiago tiveram outras crianças que perderam a vida da mesma maneira que ele. E depois do Thiago tiveram outras.

Então, a gente tem que lutar para que a lei seja mais dura para esses policiais que cometem esse crime, de tirar a vida, principalmente de crianças inocentes, matando sonhos! Acabando com uma família, destruindo uma família. Eu não mereceria, nenhuma dessas crianças mereciam, ninguém merece passar por isso.

A minha luta é por justiça. Eu uso o termo execução, porque não foi 1 tiro, foram 3 tiros de fuzil no meu filho, uma criança de 13 anos. Eles não abordaram meu filho, não teve abordagem, eles não trabalharam da forma correta, porque se eles tivessem abordado meu filho, hoje ele estaria comigo. Eles não estavam com câmera, eles estavam totalmente errados. Eu só queria que a lei fosse mais dura para esses policiais que cometem esse tipo de erro, erros que tiram vidas, erros que destroem famílias.

Minha vida não vai ser a mesma, nunca mais vai ser a mesma. Eu vou continuar lutando, onde tiver voz eu vou lá e vou falar para honrar o meu filho”.

IDE: Você tem sido parte de impulsionar na UERJ a luta por justiça por Thiago e para todas as vítimas da violência do Estado. Qual a importância da unidade da juventude, da classe trabalhadora e dos setores oprimidos para levar adiante esta luta dentro e fora da universidade?

Ana Cláudia: “Eu acredito na força da união dos estudantes com a classe trabalhadora. E aonde que a gente encontra os setores mais oprimidos dessa sociedade? Na classe trabalhadora. Eu sou uma mulher negra e precarizada, trabalho de diarista, tenho 53 anos, sou estudante de Serviço Social na UERJ e sou militante do grupo de mulheres Pão e Rosas. Já passei por questões de racismo, preconceito, de silenciamento e etarismo. Já ouvi me disseram que talvez fosse melhor eu tentar depois minha graduação. Ouvir isso quando você tem 47 anos que foi quando eu passei no vestibular da UERJ e depois de tudo que eu lutei pra passar nesse vestibular após ter ficado 14 anos sem estudar, pra mim doeu, sabe? Foi como se me dissessem assim, aqui não é o seu lugar, mas eu consegui com muita força superar isso. Foi muito dolorido, mas eu tive muito apoio e consegui superar isso.

A gente a todo momento é atravessado pela violência do Estado de diversas maneiras. No transporte público você não tem as mínimas condições possíveis para chegar ao seu local de trabalho com um pouquinho de dignidade. Eu não falo nem conforto, falo dignidade. E na violação dos seus direitos. A gente não tem direitos de ir e vir dentro da favela.

Meu sobrinho estava exercendo o que seria um direito dele né, o direito de ir e vir. Só que esse direito não nos cabe. E quando eu decidi que ia fazer parte desse movimento de clamar por luta, de clamar por justiça pelas vítimas de violência do Estado foi porque além do que aconteceu, são outras coisas que vêm acontecendo ao longo das nossas vidas. E eu não suportava mais ficar apática. E eu senti necessidade de estar na luta, porque eu sempre apoiei, eu compartilho das ideias que as meninas me apresentam, as meninas do Pão e Rosas, o pessoal da Faísca e do MRT. Eu sempre dei apoio, só que no final da minha graduação, no décimo período, eu senti que tinha voz, que eu poderia fazer parte desse movimento, apesar de tudo apontar que não. De todos os apontamentos que eu tive dentro da faculdade .

Mas o que me motivou é acreditar nessa força, acreditar que a gente tem capacidade de mudar as coisas. E eu não falo só em questão da violência sofrida pelas pessoas da favela. Eu falo de todas as outras formas de violência que a gente precisa combater, transfobia, misoginia, sexismo, racismo, LGBTQIAP+fobia. Eu acho que a gente precisa ter isso como pauta mesmo pra lutar, a gente precisa unificar as forças, a gente precisa criar uma unidade estudantil para combater essa formas de violência. Independente das nossas convicções políticas, eu acredito que isso é necessário. E eu vejo que está tudo muito fragmentado não só dentro da universidade, mas fora também, no próprio meio político, eu vejo tudo muito fragmentado. Eu acho que é necessário ter uma união.

E estar nesse lugar nesse momento fez com que me fortalecesse, estar na UERJ fez com que eu me fortalecesse. Fez eu entender qual é meu lugar nessa sociedade, entender que nenhuma luta é em vão, entender que a gente tem que lutar pelos nossos direitos. Eu ouço sempre de uma professora minha que diz que por menor que seja, mas se é um direito, a gente tem que lutar por ele…nem um direito a menos!

Quando a juventude Faísca e o Pão e Rosas promoveram um ato dentro da universidade em homenagem ao Thiaguinho e às vítimas da Violência do Estado que reuniu mais de 300 pessoas dentro da universidade, pra mim ficou ainda mais claro a importância do movimento estudantil, a importância e a força desse movimento. Isso fez com que eu decidisse participar da chapa [1], fez com que eu acreditasse mais ainda né, na força da mobilização dos estudantes e da classe trabalhadora.

Para gente que é morador de favela os direitos são mínimos. Tá tudo muito bonitinho na Constituição. Lá você vê como seria lindo se fosse cumprido o que está escrito ali, mas isso na prática não acontece. Então foi por esse motivo que decidi entrar nessa luta por justiça, não justiça só as vítimas de violência, mas justiça por todas as pessoas que se sentem como eu oprimidas, excluídas, apagadas, ou melhor invisibilizadas”.

IDE: No estado do RJ nos últimos 7 anos, as ações e operações policiais foram o principal motivo para vitimar crianças e adolescentes. Sob o governo Castro ocorreram as 3 das chacinas mais letais do estado do RJ, e estados como Bahia, governado pelo PT, e Pernambuco, contabilizam juntos já 43 chacinas só esse ano. Como você acha que a luta por justiça deve se posicionar perante os governos e o Estado?

A.C.: “Eu acredito que a luta por justiça para as vítimas da violência de Estado, deve ser organizada de maneira independente dos governos e do Estado. Porque só desta maneira conseguiremos concretamente efetivar a luta e arrancar justiça. Porque você não tem como conciliar com um Estado que te oprime e é responsável pela nossa exploração junto com os governos para que os capitalistas sigam lucrando com o nosso suor e trabalho precário. Esse mesmo Estado que mantém a saúde, educação precárias e os governos junto com as empresas que fazem o transporte aqui no Rio ser esse preço absurdo e que não tem nem ar condicionado nesse calor. Eu acho que os estudantes têm muita força para organizar essa mobilização junto da classe trabalhadora e também que a classe trabalhadora é o principal alvo de quando acontecem estas incursões, essas operações. Então a classe trabalhadora precisa se posicionar frente a isso, e de maneira independente. Porque você está lutando contra o nosso principal inimigo, porque quando a polícia faz operações e incursões na favela, eles entram de maneira a nos abater. Fizeram isso com o meu sobrinho, e com várias crianças e jovens. Você estando numa favela, comunidade, sendo pobre e negro, você se torna alvo. Os governos são os que financiam a polícia que ataca as favelas. É só ver o que está acontecendo agora no RJ, a polícia do governador Cláudio Castro está fazendo operações constantemente na Maré e ainda conta com o apoio do governo federal que decretou a Garantia de Lei e Ordem para atuar nos portos e aeroportos com a justificativa de combater o crime organizado mas que a gente sabe que quem sofre com isso é o povo negro e trabalhador que vive em favela e que sofre as consequências de mais repressão. E maioria que morrem são os negros, que recebem os piores salários e tão nos piores postos de trabalhos. É igual ao que aconteceu na pandemia, quem estava na linha de frente, sem direito a poder ficar em casa, morrendo, era a classe trabalhadora, sobretudo os trabalhadores negros. A gente precisa fazer com que as pessoas compreendam que este Estado racista e assassino não vai resolver nossos problemas e levar pra frente essa mobilização de forma independente para que não haja mais impunidade e para arrancar nossos direitos”.


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FOOTNOTES

[1Ana Cláudia faz referência à chapa 2 – Sem Justiça, Sem Paz que foi parte de concorrer para as eleições do Centro Acadêmico de Serviço Social
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