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ENTREVISTA | Entrevista com Michael Lowy(Parte 1): um papo histórico sobre Surrealismo e Marxismo

A entrevista abaixo realizada com o pensador marxista e militante surrealista Michael Lowy, ocorreu em 2008. Por ocasião das atividades do extinto Núcleo Surrealista da cidade de Campinas, no qual tomei parte, esta entrevista foi solicitada a Michael Lowy, que gentilmente atendeu ao meu pedido. O texto que assino foi originalmente publicado na edição 04 da extinta revista Literária O Vidente, na primavera de 2008. Perante o interesse da juventude pelo Surrealismo, sobretudo pelas suas relações históricas com a Revolução proletária, creio que esta entrevista possa ser fonte de reflexão e debate.

domingo 5 de julho de 2015 | 16:15

Qual é o papel do intelectual? Não hesitamos em responder que este consiste no ofício de um terrorista sensível, disposto a colocar uma bomba no centro do coração humano. Obviamente que não se disse tudo sobre o intelectual. Mas levando em conta o seu dever revolucionário, é preciso ouvir aqueles intelectuais que alçam a bandeira da utopia. Este é o caso de Michael Lowy. Marxista e surrealista, o autor redigiu importantes estudos sobre nomes da artilharia de frente do marxismo, como Rosa Luxemburgo e Walter Benjamin. A mesma importância verifica-se nos seus estudos sobre o surrealismo, cabendo destacar o clássico A Estrela da Manhã: Surrealismo e Marxismo (Rio de Janeiro, Civilização Brasileira, 2002).

O surrealismo é um elemento fundamental no pensamento e na biografia de Michael Lowy: “ Descobri o Surrealismo quando adolescente, na época em que vivia em São Paulo (por volta de 1965). Me fascinou tanto a pintura surrealista (Magritte, Dali, Ernst), quanto os escritos de André Breton, as revistas do grupo surrealista e em particular o Manifesto da FIARI (Federação Internacional da Arte Revolucionária Independente). O que me atraia era a fusão, especifica ao Surrealismo, entre o maravilhoso, o humor negro e a perspectiva revolucionária. O primeiro artigo que publiquei, numa pequena revista literária em 1959 chamada Espiral (editada pelo meu amigo Roberto Schwarz) foi dedicado à FIARI". O interesse do jovem autor pelo célebre manifesto redigido por Breton e Trotski em 1938 e pela arte dos surrealistas, o levariam a militar no movimento surrealista: “Vim a participar do movimento surrealista muito mais tarde, em 1975, quando Vincent Bounoureme convidou-me para as reuniões do grupo de Paris, do qual faço parte até hoje. Enfim, a partir dos anos oitenta, quando voltei a visitar o Brasil, tenho estado em contato com Sérgio Lima e os meus amigos surrealistas de São Paulo".

Em suas reflexões Michael Lowy estabelece conexões entre o romantismo e o surrealismo, entre o marxismo e o pensamento libertário. Sobre as relações entre romantismo e surrealismo Lowy explica: “Antes de tudo é necessário entender que o romantismo não é uma escola literária do século XIX, mas um vasto movimento cultural de protesto contra a civilização capitalista em nome de valores pré capitalistas; um movimento que teve formas regressivas (aspirando a volta ao passado), mas também formas revolucionárias, nas quais a volta pelo passado se dá em direção ao futuro utópico emancipador. Para mim o surrealismo é a manifestação mais importante do romantismo revolucionário no século XX. André Breton sempre teve presente esta relação do surrealismo com o romantismo: no Segundo Manifesto do Surrealismo (1930), ele define o surrealismo como “a cauda preênsil do cometa romântico", e insiste que o romantismo, longe de se esgotar no século XX, está apenas começando o seu caminho. E na conferência “Sobre o conceito de liberdade no surrealismo" (Haiti, 1945), ele observa que o romantismo não é uma escola literária, mas um estado de espírito e uma visão libertária." Considerando o surrealismo um movimento romântico revolucionário, o autor prossegue afirmando o caráter anticapitalista do mesmo: “No seu combate contra a civilização capitalista ocidental, com seu cortejo de crimes e horrores (guerras mundiais, nacionalismo, colonialismo, racismo) o surrealismo se inspirou nas culturas do passado pré-capitalista ou nas civilizações indígenas, “selvagens". A alquimia, o romance gótico inglês, a arte dos índios Hopi na América do Norte, são algumas destas fontes inesgotáveis do maravilhoso".

O histórico diálogo do surrealismo com o pensamento marxista é compreendido por Lowy em seu sentido libertário: “No curso de sua História o surrealismo se relacionou tanto com o marxismo revolucionário quanto com o anarquismo. A adesão ao marxismo e à dialética hegeliana são aspectos essenciais do surrealismo a partir do Segundo Manifesto. A ruptura com o comunismo stalinista e a aproximação de Trotski são testemunhos de uma visão marxista crítica. Mas ao mesmo tempo, sempre existiu uma simpatia pelo anarquismo. O pensamento de Breton é uma forma de marxismo libertário: sua adesão à dialética revolucionária não impedia o seu interesse pelo socialismo utópico de Fourier e sua aproximação com anarquistas franceses, no curso da década de 1950". Portanto para os surrealistas, existe uma conjugação entre revolta e revolução. A luta pela emancipação do espírito pressupõe a revolta, ao passo que o método marxista permite a destruição das cadeias econômicas e políticas que impedem a própria libertação do homem.

Na segunda parte desta entrevista, Michael Lowy irá comentar a presença do trotskismo e do anarquismo no movimento surrealista dos nossos dias. Aguardem.




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