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GREVE HISTÓRICA | Enfrentar os ajustes que virão com as lições da greve de Florianópolis

domingo 26 de fevereiro de 2017 | Edição do dia

Seguindo a média nacional nas últimas eleições, Gean Loureiro do PMDB assumiu a prefeitura de Florianópolis prometendo ser amigo dos servidores e que saúde e educação seriam suas prioridades. Em alguns dias de mandato enviou à Câmara Municipal um pacote com 40 medidas de ajustes que foram aprovadas a toque de caixa pelos vereadores. Em resposta, os servidores se levantaram numa greve histórica que durou 38 dias. Entenda esse início de ano turbulento e o que pode acontecer a partir de agora na capital catarinense.

O ano de 2016 foi marcado pelo golpe institucional que pôs Michel Temer na Presidência da República. Os partidos de direita como PSDB e PMDB venceram em grande parte dos municípios e varreram o PT do mapa. Em Florianópolis o ex-prefeito Dário Berger pavimentou o caminho que levou seu discípulo Gean Loureiro à prefeitura da cidade, acrescentando a capital na longa lista de municípios sob governo do PMDB. O discurso no período eleitoral foi aquele de praxe dos políticos tradicionais: Sou amigo dos trabalhadores e minha prioridade são os serviços públicos, disse Gean candidato. Estamos em crise, preciso cortar gastos e privatizar, disse Gean prefeito.

Segundo o novo prefeito, os rombos nos cofres do município somam R$ 1 bilhão, sendo que R$ 633 milhões têm vencimento em curto prazo. Para tirar Florianópolis do vermelho seria necessário agir, assim como Pezão estava agindo no Rio de Janeiro. No dia 11 de janeiro ele envia à Câmara de Vereadores um pacote para a recuperação das contas do município. Em 40 Projetos de Lei, Gean Loureiro facilita a emissão de alvarás para construção e abertura de empresas na cidade; institui parcerias público-privadas em setores chave; faz cortes profundos no funcionalismo público e ataca duramente a previdência dos trabalhadores.

Os servidores municipais, que já estavam em estado de greve desde o dia 5 por atraso dos salários, decretaram greve no dia 16 contra o pacote do prefeito. Este mexia diretamente com direitos dos trabalhadores em pelo menos 7 projetos, como a suspensão do Plano de Cargos, Carreira e Salário, unificação dos fundos de previdência, aumento da alíquota de contribuição, corte das gratificações e redução das horas extras para 50%.

Ainda no mesmo dia, Gean disse em nota que a paralisação era ilegal e prometeu que descontaria os dias parados. Essa foi apenas a primeira de uma série de ameaças por meio da justiça, que acabaram não tendo resultado em decorrência da expressividade do movimento e o apoio cada vez maior que este ganhava dos demais trabalhadores da cidade. Até o dia da votação do pacote na Câmara, que foi passado em regime de urgência, diversas manifestações contando com a presença de milhares de pessoas, não só grevistas mas também estudantes e solidários, mudaram o clima da cidade. De Ilha da Magia para os turistas estrangeiros, Florianópolis se tornou uma arena aberta da luta de classes. A sede por ajustes que mantivessem os lucros dos ricos entrou em choque com trabalhadores em defesa de seus direitos mais elementares.

O movimento que parava a cidade e já dava indícios de que entraria para a história tinha à sua frente dirigindo o processo, o Sindicado dos Trabalhadores no Serviço Público Municipal de Florianópolis (SINTRASEM). Já à frente do sindicato, se encontrava a ex-corrente do PT e atualmente do PSOL, Esquerda Marxista, que dirigiu o movimento nos moldes daquele sindicalismo básico economicista, ou seja, auxiliando os trabalhadores a lutarem por seus direitos salariais e de carreira. O que é muito importante mas longe do suficiente para uma organização que se reivindica revolucionária. Diante da disposição que a base dos servidores apresentou em ir até o final contra os ajustes de Gean Loureiro, marxistas na direção do sindicato poderiam - e deveriam - construir um salto de consciência na categoria. Mostrar que muito além de Gean e as contas do município, os interesses por trás do pacote de maldades são garantir os lucros dos grandes capitalistas. Além disso era preciso chamar os demais sindicatos da cidade a unificarem todos os trabalhadores contra os ajustes numa greve geral em Florianópolis, já que não só os servidores mas também o restante dos trabalhadores serão brutalmente afetados pelas medidas de Gean Loureiro.

Os interesses das classes em confronto foram chocados com mais intensidade que antes no dia 24 de janeiro, votação do pacote. Que até este dia fora reduzido de 40 para 29 projetos devido intervenção do Ministério Público alegando irregularidades. Apenas 20 servidores se manifestavam dentro do espaço que nos dizem ser a "Casa do Povo", pois centenas de trabalhadores aguardavam no lado de fora enquanto a Tropa de Choque guardava as entradas como cães raivosos. Em determinado momento, com nenhuma razão que precisam, os policiais começam a lançar bombas de gás e atirar com balas de borracha contra os trabalhadores, que revidam atingindo vidraças e arremessando cadeiras contra a polícia. O pacote é aprovado, Florianópolis fica mais próxima de vendida e os servidores perderam 30 anos de direitos.

A greve continua e Gean Loureiro mais uma vez recorre à parcialidade já conhecida do Judiciário. A desembargadora Vera Copetti decreta a total ilegalidade do movimento, exige retorno imediato às funções e estipula multa diária de R$ 30 mil ao SINTRASEM caso desobedeça. Apoiado na massividade da greve, a assessoria jurídica do sindicato reverte a medida que mais uma vez não surte efeito. Como última ação de desespero, o Procurador Geral da Prefeitura Diogo Pitsica, pede a prisão da diretoria do SINTRASEM sob alegação de crime de desobediência. Já o Diário Catarinense se posiciona: "Os sindicalistas e os servidores em greve foram longe de mais. Ou se cumpre as decisões judiciais ou estará implantada a anarquia em Santa Catarina".

A grande mídia, assim como o Judiciário, nunca se mostrou imparcial. Seu lado é o dos ajustes. Dessa forma os editoriais da RBS dia após dia caluniavam a luta dos trabalhadores, dizendo que os direitos deles deixavam as contas do município no vermelho, enquanto no Rio Grande do Sul está envolvida na Operação Zelotes, acusada de sonegar milhões em impostos. Cabe ressaltar aqui o importante papel que cumpre a imprensa não-hegemônica, divulgando a greve a partir do ponto de vista dos próprios trabalhadores. Jornais como Desacato, MARUIN, Catarinas e este próprio Esquerda Diário contribuíram para isto. Se é para ter lado, que seja o da nossa classe.

A maneira qual o SINTRASEM sob direção da Esquerda Marxista guiou o movimento desde o estado de greve até o trigésimo oitavo dia teve seus reflexos. Construir um movimento de forma vertical, não fortalecendo meios que tornem os trabalhadores sujeitos de seu próprio processo, acaba cortando pela raiz o potencial imenso que a classe organizada contém. Os desvios burocráticos surgem inevitavelmente num processo dessa dimensão, cabe àqueles que se reivindicam revolucionários intervirem em sentido contrário, sempre resgatando as formas máximas de democracia direta, como por exemplo criando comitês de organização da greve nas comunidades e locais de trabalho, atrelando a comunidade ao movimento, e também realizando assembleias por setores mais específicos de trabalhadores, que contém suas particularidades. Os trabalhadores precisam discutir livremente e então em conjunto pensar qual o passo seguinte e em qual direção ele deve ser dado. Resumir o poder da base ao "Sim ou "Não" sobre a continuidade da greve nas assembleias cimenta os trabalhadores numa hierarquia que para a vitória se consolidar não pode existir: Chamamos de burocracia um pequeno grupo definir tudo enquanto a maioria observa. Algum elemento de discordância por parte da base em relação à isso existiu quando o sindicato propôs o fim da greve e a base rechaçou essa proposta em votação, mas que não teve uma continuidade contundente. Mantendo uma certa relação de dependência, não de independência.

Com os meios judiciais e coercitivos esgotados, Gean Loureiro foi obrigado a sentar e negociar, o que representou uma primeira conquista para o movimento. No dia 22 de fevereiro sindicato e prefeitura assinam acordo durante uma audiência de conciliação no Tribunal de Justiça de SC, a assembleia que era para acontecer no mesmo dia foi remarcada para o dia seguinte. Ou seja, o sindicato assinou um acordo sem respaldo da categoria, para pedi-lo somente no dia seguinte. Na assembleia do dia 23 não houve debate sobre a proposta do prefeito, mas um longo discurso do SINTRASEM justificando este acordo e o defendendo como uma espécie de tudo ou nada. O prefeito prometia ali retirar os pontos que mexiam com os direitos dos servidores, mas os cortes e privatizações foram mantidos. A luta também deveria ter sido mantida, o pedido de negociação de Gean foi um recuo, e a hora era de avançar ainda mais, a disposição estava ali. Na greve mais massiva da história de Florianópolis e nos trabalhadores que a tornavam real.

No final, a adesão ainda alta mas menor que no início, e a recusa da COMCAP em aderir ao movimento, se mostraram resultado de um sindicato que falando de forma popular "não empolgou" o bastante para aqueles menos conscientes se manterem firmes. Os trabalhadores da COMCAP como os garis eram um setor chave para interromper a coleta de lixo na cidade e afetar a rede hoteleira em pleno veraneio, o SINTRASEM falhou seriamente em não dar a importância que esse setor do funcionalismo merecia. E aos que se mantiveram até o último dia, o necessário era tirar o véu que nos colocam e apresentar os verdadeiros inimigos: Os capitalistas. Aqueles que financiam campanhas milionárias para políticos que favorecerão seus interesses; os sonegadores de impostos que devem mais de R$ 1,5 bilhão à Prefeitura de Florianópolis. Mas isso não aconteceu. No dia 23 de fevereiro de 2017 os servidores votam pelo fim da greve. Quem pode garantir que os direitos trabalhistas serão mantidos em um município que foi vendido aos empresários? As privatizações de Gean não põem em risco o funcionalismo público? Por que então, não lutarmos pela revogação de todo o pacote de maldades e fazemos os capitalistas pagarem pela crise que eles mesmos criaram?

Apesar da condução burocrática da greve por parte da direção da esquerda marxista, os servidores impuseram um recuo parcial ao prefeito e a justiça. Encerraram a greve sem desconto dos dias e fazendo o prefeito voltar atrás em algumas medidas que já haviam sido aprovada. Para as próximas batalhas gean estará mais enfraquecido. Um exemplo que fica é que possível resistir e com direções revolucionárias e classistas no sindicato é possível ir além de vitórias parciais e derrotar o conjunto dos ataques.




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