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EECUN | Encontro de Estudantes e Coletivos Negros Universitários: uma outra proposta de princípios

Entre os dias 13 e 15 de maio será realizado o I Encontro de Estudantes e Coletivos Negros Universitários na cidade do Rio de Janeiro. Saudamos essa grande iniciativa e nesse artigo desenvolvemos algumas visões em relação à carta de princípios publicada pela comissão organizadora.

quarta-feira 11 de maio de 2016 | Edição do dia

Uma grande iniciativa em um momento de profunda necessidade

Estamos vivendo desde o final do ano passado uma nova onda de levante de juventude, que apesar de não superar Junho de 2013 em número, é uma clara decorrência da compreensão gerada ali de que é lutando que se conquistam nossas demandas, ao mesmo tempo que é uma expressão mais organizada e mais radicalizada, com a organização de comitês de mobilização das escolas ocupadas e com uma onda de ocupações que nossa geração nunca viu.

Quando olhamos as fotos das ocupações, fica claro que os protagonistas da luta são os jovens negros, que na trajetória de um país que não acabou com a escravidão, são os principais punidos pelo descaso com a educação, revelando um Estado que dedica aos negros condições miseráveis de apropriação do conhecimento.

Esse é o mesmo momento em que vemos uma série de manifestações de revolta a casos de assassinatos e chacinas de policiais contra jovens homens e mulheres negras, questionamento esse que levou a que todos conhecessem o nome de Amarildo, Cláudia Ferreira da Silva e de Luana dos Santos, que era inclusive lésbica.

Em meio a uma intensificação de nossa luta e a tentativa de seguir nos assassinando, vemos a consolidação do golpe institucional no governo federal orquestrada como medida de aprofundamento desses ataques, com uma série de deputados anunciando seus votos com justificativas racistas, machistas e LGBTfóbicas. Sabemos que o que vem no próximo período para a população negra no Brasil é um cenário de mais ataques da polícia, mais repressão aos lutadores como os secundaristas, mais precarização do trabalho e mais retirada de direitos sociais do que já víamos ocorrer com o próprio PT.

Para nós da Faísca, que atuamos nas universidades e escolas denunciando e combatendo o racismo institucional e que somos parte da juventude que se levantou em junho e agora ocupa escolas no RJ, SP e CE, acreditamos que uma das principais tarefas desse Encontro é refletir como faremos para intensificar nossas lutas e preenchê-las de conteúdo antiracista, fortalecendo a intervenção e o programa anticapitalista dos negros, ao passo que também decidimos que uma de nossas principais batalhas é ajudar a acordar o gigante que é a classe operária brasileira, em sua grande maioria negra. Quando falamos de combater o trabalho precário em cada local de estudo ou trabalho é porque sabemos que a precarização do trabalho escolhe a cor negra e, cada vez mais, se projeta de maneira maligna sobre nossos irmãos haitianos, senegaleses, angolanos e nigerianos.

Uma outra proposta de princípios

Na convocação do evento divulgada no site do EECUN é publicada uma Carta de Princípios que contém elementos que reivindicamos e elementos que criticamos por acreditar que nos afastam dos objetivos apontados acima.

Saudamos o fato dos companheiros se posicionarem contra a LGBTfobia, que atinge muitos de nossos companheirxs negrxs, servindo inclusive como mecanismo de dupla opressão contra as lésbicas negras, os gays negros, xs bissexuais negros e a população trans negra.

Saudamos o fato dos companheiros se posicionarem também contra toda forma de ataque racista, que infelizmente não faz parte do DNA de diversas organizações que lutam contra o racismo aliadas com partidos burgueses como o PSDB, PMDB, DEM, entre outros, ou ligadas a traidores da classe operária como o PT e o PcdoB. Consideramos que houve no Brasil uma trajetória de profundo afastamento entre a esquerda organizada em partidos e sindicatos – seja ela partidária ou anarquista – que causou um profundo fosso entre a organização dos negros e dos estudantes e trabalhadores, e levou a que hoje xs lutadorxs negrxs não se identifiquem com a organização partidária.

Esse desvio de tradição no Brasil não significa que a forma Partido deva ser rejeitada. Significa que é preciso que o anarquismo faça um balanço de que não organizou os trabalhadores para lutar contra os resquícios da escravidão no início do século XX, que o PCB precisa fazer um balanço de que para se ligar a burguesia nacional recusou a luta dos negros como parte de seu programa, que o PT precisa ser denunciado como partido que organizou os negros para imprimir sobre eles derrotas e ataques que levaram ao genocídio dos negros dentro e fora do país, como por exemplo com a entrada das tropas no Haiti durante o governo Lula.

Isso não significa que a forma partido, internacionalmente, não tenha servido como um mecanismo de organização importante dos negros, como foi o Socialist Workers Party, que durante os anos 30 nos EUA era o único meio de debate teórico e político que publicava sobre a questão negra, sendo inclusive responsável pela publicação do livro “Jacobinos Negros”, escrito por um militante chamado CLR James. No ano passado fizemos a publicação dos escritos desse grupo, que são de profundo combate ao racismo com uma estratégia marxista correta, que jamais poderia ser de fingir que o racismo não existe como fez o PCB.

Reivindicamos também cada uma das pequenas organizações partidárias que apesar dos erros cometidos, perderam vidas na luta contra o racismo nos países da África durante as décadas de 60, 70 e 80, assim como aqueles que na América Hispânica se dedicaram também a travar um combate contra a manutenção da escravidão. Se esses exemplos podem parecer pequenos, tem um que nos é caro e grande que é o Partido dos Panteras Negras, que além de defender uma estratégia marxista, defendia a forma Partido porque dizia que era importante para os negros que se vissem como possíveis dirigentes da nação.

Infelizmente, na trajetória do apagamento das lições que nos dá o Partido dos Panteras Negras, parte do que se fez é apagar a palavra “Partido”, como se ela fosse apenas um detalhe da organização política desses valorosos companheiros, quando na verdade era o que os definia como grupo político distinto dos outros vários que existiam no mesmo momento nos EUA.

Uma grande saudação internacionalista à luta dos negros

Além disso, no mesmo trecho de sua carta de princípios, a comissão organizadora afirma que os mecanismos de organização em sindicatos e entidades estudantis são eurocêntricos e por isso não os reivindicam. Para nós, os negros no mundo todo deram grandes exemplos do que são capazes quando se organizam em sindicatos e entidades estudantis, exemplos que queremos tomar como nossos e repetir incansavelmente nesse país de contornos tão racistas.

Na África do Sul, logo após o estouro da crise de 2008, os negros se organizaram contra o salário de miséria que recebiam da extratora de minério britânica Lonmin. Aqueles negros se utilizaram de métodos como assembléias, greve, piquete e ocupações para lutar pelo seu direito a um salário digno. 44 deles foram assassinados pelas mãos da polícia do Congresso Nacional Africano de Mandela, e esse artigo é em homenagem a eles. Os que sobreviveram, hoje organizam uma forte retomada dos sindicatos nas suas mãos, pois se não o fazem, sabem que seguirá a subserviência desses sindicatos às vontades do governo e da patronal. Saudamos fortemente essa conquista.

No mesmo país, desde o meio do ano passado, com métodos de organização de greves, atos e retomada das entidades estudantis, os estudantes negros das principais universidades da África do Sul saíram a lutar contra a estátua do racista Rhodes que inaugurava a entrada da Universidade de da Cidade do Cabo. Essa luta se tornou um questionamento das condições humilhantes a que eram submetidos os trabalhadores negros nas universidades, e após meses de atos, paralisações e greve, os estudantes conquistaram em aliança com os trabalhadores a efetivação de todos os terceirizados sem concurso público. A luta segue, dessa vez pela derrubada das mensalidades.

É por isso que defendemos não apenas o direito à sindicalização, que hoje é negado às massas negras terceirizadas em nosso país, mas também reivindicamos fortemente aqueles negros que, apesar das limitações impostas por esses estados racistas, tomam os sindicatos e entidades nas suas mãos e fazem deles mecanismos de combate ao racismo, impondo derrotas aos governos e aos patrões.

A não reivindicação desses aspectos na Carta de Princípios publicada pelos companheiros mostra, infelizmente, um lado em que não concordamos. Assumem, contra a organização em sindicatos e em partidos, que o Encontro poderia receber financiamento privado. Nos colocamos terminantemente contra essa concepção, pois “quem paga a banda escolhe a música”, e essa trajetória de financiamento empresarial é justamente a que fez com que, na trajetória da esquerda, a elite decidisse por vezes o que ela pautaria, deixando a questão negra de lado.

Defendemos a mais profunda autonomia financeira, política e organizativa dos patrões, sejam eles da cor que forem, pois entendemos que a batalha contra o racismo se encontra no mesmo lado da trincheira da luta contra o capitalismo, portanto, os interesses dos capitalistas jamais podem ser combinados com os interesses de emancipação dos negros.

Fazemos um convite a que os participantes do Encontro leiam essa nota e que possamos fazer um debate saudável durante esses três dias de conversa do qual participaremos com toda nossa disposição de construir uma alternativa à esquerda para os negros em meio a essa conjuntura convulsiva.


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Negr@s



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