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DITADURA NUNCA MAIS | Educação: heranças da Ditadura Militar e a cruzada ideológica de Bolsonaro e do regime do golpe

Neste 31 de março completa 57 anos do golpe militar no Brasil. Regime político autoritário que em base a censura, tortura e perseguição política dos movimentos operário e estudantil aprofundou a submissão do país ao imperialismo. Nesse breve ensaio resgataremos as heranças desse regime podre a fim de estabelecer as suas relações com o atual sistema educacional do país e a cruzada ideológica reacionária de Bolsonaro na educação.

quarta-feira 31 de março de 2021 | Edição do dia

Foto: Arquivo Nacional

“Ele puxou a perna, rasgando minha calça, acabando de rasgar a minha calça. Ele pega uma furadeira, e me furou daqui até aqui, com uma furadeira. Elétrica. Furadeira. Eu não vi mais nada. […] Aí ligaram [a furadeira], porque o choque elétrico, não estava funcionando. […] Nove meses sem caminhar. […] Furaram o osso. Furaram derme, epiderme, o osso”, relato de Cristina Moraes de Almeida à Comissão da Verdade. A estudante de enfermagem foi presa pela primeira vez aos 19 anos em 1969. Sofreu mutilações no tórax, seios e teve a perna, conforme evidencia o relato, estraçalhada por uma furadeira. Cristiane foi torturada pelo sádico coronel Ustra, figura execrável reivindicada, inúmeras vezes, pelo negacionista Jair Bolsonaro.

Neste 31 de março, dia que marca os 57 anos do golpe militar no Brasil, vivemos, desgraçadamente, o luto de mais de 318 mil mortes fruto do negacionismo de Bolsonaro, dos militares e de todo regime do golpe institucional (2016). Setores reacionários que não titubeiam em reivindicar figuras escatológicas como o coronel Brilhante Ustra e tantos outros militares que seguem com as mãos imersas em sangue da nossa classe. Não à toa, mesmo em meio ao cenário de tragédia com o sistema de saúde em colapso, Bolsonaro e os militares requisitaram junto ao judiciário, pilar fundamental do golpe institucional, a autorização para celebrar o abominável: o golpe militar.

O legado do regime militar reivindicado por diversos setores dessa democracia degradada se expressa, dentre tantas maneiras, na agenda econômica alinhada aos interesses imperialistas como no espaço aberto para a cruzada ideológica e reacionária do governo Bolsonaro na educação.

Educação no regime militar

“Na ditadura militar a educação era boa". Essa expressão, por vezes dita para além de setores conservadores que se encontram em simbiose com o período em questão, não possui qualquer correspondência no real e merece, portanto, a nossa investigação.

Ainda que no período tenha ocorrido um aumento significativo no número de estudantes matriculados na educação básica, foi durante o regime militar mediante a repressão e censura de estudantes e professores que houve um salto profundo na vinculação da educação pública aos interesses e necessidades do mercado. O próprio crescimento no número de matrículas esteve atrelado a esse elemento central: formação de mão de obra barata para as indústrias que se estabeleciam no país.

A dualidade na educação e as políticas privatistas encontraram morada certa na espinha dorsal da política educacional dos militares. Roberto Campos, ministro do Planejamento durante o governo de Castelo Branco, afirmou durante o Fórum “A educação que nos convém”, que a proposta do governo era formar os filhos da classe trabalhadora até o ensino médio, apenas para qualificá-los para o mercado de trabalho. Nada além disso! Enquanto a universidade deveria ser o espaço privilegiado dos filhos da elite com o objetivo explícito de promover a estes a formação qualificada e preparar os quadros dirigentes do país.

A própria expansão de escolas públicas, enraizada de uma concepção tecnicista e dissociada de investimentos minimamente necessários para tal - uma vez que a Constituição de 1967 desobrigou a União e os estados a investirem um mínimo, também foi fermento para a precarização da educação básica. Esse fato associado à abertura do país ao ensino privado fortaleceu a dualidade desde as etapas iniciais de ensino. A Constituição de 1967 sinalizou de forma direita para a iniciativa privada por meio do §2º do artigo 168 dizia “respeitadas as disposições legais, o ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos Poderes Públicos, inclusive bolsas de estudo”. Vale destacar também que o Conselho Federal de Educação foi sujeito ativo no processo de privatização da educação.

Portanto, longe de expressar um salto qualitativo no processo do ensino aprendizagem, a ditadura militar para além de representar um período nefasto da história de cerceamento das liberdades democráticas e repressão, impôs uma série de mudanças que vão no sentido oposto a uma educação pública, gratuita e de qualidade. Foi um período de ataques profundos à educação diante da perseguição ao movimento operário e estudantil e da subordinação desta aos interesses políticos e econômicos do regime.

Poderíamos aqui citar uma série de exemplos, tais como, a mordaça imposta pelo AI-5 que reprimiu, censurou e torturou brutalmente professores e estudantes. Além de prever a aposentadoria compulsória e a demissão sumária dos trabalhadores considerados subversivos. O ataque ideológico ao currículo com a exclusão das disciplinas de Sociologia e Filosofia do currículo básico, a inclusão da disciplina Educação Moral e Cívica, que buscou formatar os pensamentos dos estudantes pela submissão à lógica do regime, impondo a obediência, a adoração a pátria e a moral cristã; a alteração do objetivo da disciplina Organização Social e Política do Brasil. Ou mesmo os acordos entre o MEC e a USAID, uma cooperação no campo do ensino entre Brasil e Estados Unidos que edificou a concepção produtivista de educação institucionalizada nas políticas educacionais do país até os dias atuais. O imperialismo norteamericano não poupou esforços e recursos financeiros a fim de levar adiante o acordo que implicaria na Reforma Universitária (Lei n. 5.540, de 28 de novembro de 1968).

Conforme definiu Dermeval Saviani (2008, p. 297) a concepção produtivista, “adquiriu força impositiva ao ser incorporada à legislação do ensino no período militar, na forma dos princípios da racionalidade, eficiência e produtividade, com os corolários do “máximo resultado com o mínimo dispêndio” e “não duplicação de meios para fins idênticos”.”¹

Essa concepção somada a avenida aberta para o processo de privatização da educação e a submissão ao capital financeiro e imperialismo são legados perversos desse período nefasto da história do país. A transição democrática pactuada junto aos militares, coroada na constituição degradada de 88, preservou esse setor que hoje junto a Bolsonaro, ainda que em uma importante crise, assumiu localização superior no regime do golpe institucional (2016).

A marcha ideológica reacionária na educação no regime do golpe

Uma das primeiras obras do golpe institucional, impeachment de Dilma Rousseff (PT), em 2016 arquitetado pelo judiciário arbitrário com apoio de atores da democracia burguesa, tal como, a rede Globo e que teve como objetivo central aprofundar em escala superior os ataques de conjunto a classe trabalhadora e a juventude implementados pelos governos petistas, foi a Reforma do Ensino Médio.

Na canetada Michel Temer (MDB) decretou a Reforma do Ensino Médio que, posteriormente, junto a homologação da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) representou um ataque ideológico profundo a educação uma vez que promove a precarização da formação da juventude e do trabalho docente por meio do esvaziamento do currículo do seu sentido universal, alinhamento ao novo normal da reestruturação das relações de trabalho e amplia o caminho para a privatização da educação por meio, por exemplo, da normalização da EaD e da formalização de um novo tipo de ensino profissionalizante. O Novo Ensino Médio e o NOVOTEC, no Estado de São Paulo, implementado pelo Secretário da Educação do Doria (PSDB) e Ministro da Educação de Temer, Rossieli Soares, é um exemplo encarniçado disso.

Desde o golpe, uma série de reformas, medidas provisórias, emendas constitucionais e cortes orçamentários atingiram em cheio a educação. Ataques que já estavam em curso durante os governos de Lula e Dilma, conforme podemos ler aqui e aqui. O PT não somente pavimentou, em bases sólidas, o caminho para a privatização da educação para os golpistas como também, em nome de sua governabilidade, abriu enorme espaço para a bancada religiosa. Acatando, por exemplo, ao veto de distribuição do kit anti homofobia nas escolas e nomeando Marco Feliciano para a Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados.

No regime do golpe e com o governo Bolsonaro os ataques de conjunto e a ofensiva ideológica se aprofundaram. Uma resposta para a sua base e para o imperialismo que tem sede de lucro e não quer somente agarrar um nicho de mercado em potencial e inocular sua concepção empresarial/produtivista de educação, mas também e, principalmente, mirar a dívida pública, o principal mecanismo de saque da renda nacional pelo capital financeiro.

A cruzada ideológica reacionária na educação do filho indesejável do golpe está agarrada na pauta da moral e dos costumes e do véu obscurantista na ciência. O ódio aos estudantes e aos professores nunca foi velado pelo presidente e seus vários ministros da educação. O inverso também é, certamente, válido. Professores junto à juventude foram os primeiros a tomar as ruas do país contra os ataques à educação e a Reforma da Previdência.

Seus ministros da educação são a expressão do DNA bolsonarista. Primeiro com Ricardo Vélez, depois Abranham Weintraub, recordemos o episódio bizarro da explicação do contingenciamento de gastos na educação por meios de chocolates, e, agora o pastor Milton Ribeiro, para quem a os jovens LGBTs são resultado da ausência das mãos de ferro da família e a universidade é espaço de práticas subversivas e do “sexo sem limites”. É toda uma pasta recheada de conservadorismo. A própria professora Sandra Ramos, responsável pela Coordenação Geral de Materiais Didáticos, além de ser defensora assídua da pauta religiosa nas escolas, é do movimento Escola Sem Partido que não só persegue como busca criminalizar professores por uma suposta “doutrinação”. Ou seja, está nas mãos de uma reacionária o Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), a maior política de compra de material escolar do planeta.

Veja também: PNLD 2021 e Projeto de Vida: formação para o individualismo e precarização da vida

A ditadura militar deixou marcas profundas na história do país e, não poderia ser diferente na educação. Centenas de professores e estudantes perseguidos, torturados e mortos e uma política educacional alinha a lógica de mercado, baseada no produtivismo, na dualidade do ensino e com o caminho aberto para a privatização. Os fios de continuidade com o agora (com as devidas proporções), seja pelo apreço e marcha ideológica reacionária ou pela implementação de uma agenda econômica alinhada aos interesses imperialistas reforçam a importância das tarefas do agora.

As tarefas do agora

O cenário de tragédia diante da crise sanitária e do colapso do sistema de saúde escancaram da forma mais lamentável como Bolsonaro, Mourão, militares e os golpistas pouco se importam com a vida dos trabalhadores e da juventude. Em meio a uma situação cada vez mais dramática, o governo, para além de seguir com reformas que precarizam a vida dos trabalhadores e sabotam o futuro da juventude, evocou a Lei de Segurança Nacional da ditadura militar para reprimir ainda mais opositores, a esquerda e os trabalhadores. Ação que evidencia como está no DNA dos negacionistas os resquícios do regime militar e como esses estão dispostos, custe o que custar, a colocar a ganância capitalista acima da vida do povo.

Veja o editorial do MRT: Abaixo a Lei de Segurança Nacional da ditadura! Fora Bolsonaro, Mourão e os golpistas

A dança das cadeiras nos ministérios e a crise na alta cúpula das forças armadas apontam para uma mudança mais estrutural das bases de apoio do governo com o Centrão se fortalecendo. As fissuras dos de cima e o debilitamento do governo apontam para uma instabilidade que pode e deve ser agarrada pelas direções do movimento operário, tais como a CUT (PT) e a CTB (PCdoB), e do estudantil. Impulsionando, por meio de medidas de auto organização, a mobilização da nossa classe. A paralisia das centrais sindicais e a ilusão em 2022, como querem Lula e setores de oposição da própria esquerda, só nos levará a derrotas ou embelezamentos do regime do golpe. É necessário uma resposta da classe trabalhadora junto à juventude, para derrotar Bolsonaro, Mourão e todos os golpistas.

O impeachment de Bolsonaro não é a saída, uma vez que coloca em seu lugar o general Mourão e preserva toda obra do golpe. Nós do MRT viemos levantando desde o Esquerda Diário e nos espaços de trabalho e estudos onde atuamos, a necessidade de uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana. Não basta mudar os jogares. É necessário mudar também as regras do jogo permitindo que o povo decida os rumos do país e derrote todas as heranças da ditadura militar que perduram até hoje, avançando para a revogação de todas as reformas e que imponha um programa para que sejam os capitalistas que paguem por essa crise que eles mesmos criaram.

Veja também: Um programa emergencial para a pandemia!

Conforme afirmou Letícia Parks, dirigente do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT) e fundadora do Quilombo Vermelho, “há 57 anos o Brasil vivia um golpe que inaugurou uma ofensiva sanguinária contra o movimento operário, as negras e negros, as massas indígenas. Não esquecemos e não perdoamos. Por prisão aos torturadores e contra os entulhos do regime, militar como a lei de segurança nacional”

Referência
[1] SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do regime militar. Cad. CEDES [online]. 2008, vol.28, n.76, pp.291-312.




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