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HISTÓRIA DO MOVIMENTO ESTUDANTIL | EUA | Maio de 1970: "Os assassinatos de Kent State forjaram uma geração de radicais - eu incluso"

No dia 4 de maio de 1970, quatro estudantes em um protesto anti-guerra foram baleados na Universidade Estadual de Kent, em Ohio. Um dos ativistas, um adolescente na época, relembra como o massacre radicalizou ele e a juventude do país.

quinta-feira 20 de agosto de 2020 | Edição do dia

Em 30 de abril de 1970, o Presidente Richard Nixon anunciou que ele estava organizando uma invasão Camboja no próximo dia. A parte Leste do Camboja estava cheia de soldados do Exército Popular do Vietnã (os Vietnamitas do Norte) e seus aliados no Viet Cong (do Vietnã do Sul) – em um estimado de 40.000 – que usavam a região para lançar ataques no Vietnã do Sul. Na época, a maioria dos americanos acreditava que a Guerra do Vietnã estava desacelerando graças à política de “Vietnamização” destinada a substituir tropas de combate dos EUA por forças Vietnamitas melhor treinadas e equipadas. O Camboja era “neutro” e tinha a sua própria guerra civil.

A proclamação de Nixon chocou a nação. Campi universitários pelo país entraram em protesto no dia posterior. Na Universidade de Maryland, 1.500 estudantes invadiram o prédio usado para aulas da Corporação de Treino dos Oficiais da Reserva das Forças Forças Aéreas (ROTC). [1] Os estudantes da Universidade de Cincinnati foram presos quando eles organizaram uma manifestação-pacífica na cidade baixa, em uma importante interseção, bloqueando o trânsito. Gás Lacrimogêneo dispersou manifestantes no campus de Stanford na Califórnia. Em Princeton, estudantes faltaram aulas e chamaram uma assembleia para advogar por uma greve nacional de estudantes. [2]

Em uma assembleia na Universidade de Yale foi crítica para os eventos que se seguiram. Estudantes pela Nova Inglaterra e Nova York já haviam planejado ir para New Haven naquele dia em uma demonstração contra o julgamento de um dos líderes do partido Black Panther. Em torno de 12.000 pessoas se mobilizaram, enquanto isso milhares de soldados e fuzileiros navais foram destacados para os arredores por “precaução.” A cidade esperava um tumulto, mas a manifestação foi bem sucedida.

Tantos estudantes anti-guerra em um único lugar, de múltiplos campi, criava uma oportunidade. Centenas convocaram uma assembleia de massas em que eles iniciaram o Centro Nacional de Informações de Greves (NSIC) como uma forma de promover e espalhar uma greve de estudantes pelo país. Estudantes de Brandels ofereceram o seu campus como sede e como uma câmara de compensação. Duas noites depois, a NSIC estava operando no prédio de sociologia graças a ajuda de um professor.

Enquanto isso, no primeiro de maio, na Universidade Estadual de Kent, em Ohio, cerca de 500 estudantes fizeram uma demonstração militante em protesto à invasão do Camboja. Estudantes de história queimaram uma cópia da constituição americana – que eles disseram que Nixon havia matado. Uma placa em uma árvore próxima dizia, “Por que o prédio da ROTC ainda está de pé?” Esse protesto se dispersou, mas multidões se juntaram na cidade nesse dia. Houveram confrontos com a polícia. O prefeito ordenou o fechamento dos bares, provocando raiva. Gás Lacrimogêneo foi usado. Então o prefeito declarou um estado de emergência e pediu assistência ao governador.

Se envolvendo

Às vezes a melhor forma de transmitir a significância de um evento histórico é pelos olhos de um indivíduo e o efeito que isso teve – não porque a história desse indivíduo é “importante” mas porque as experiências que nós temos como indivíduos muitas vezes expressa fenômenos sociais mais amplos de formas convincentes.
Nesse artigo, o indivíduo no caso sou eu. Eu tenho uma conexão com os eventos desses dias no início de maio e eu penso que reflete o que muitas pessoas passaram, como suas consciências mudaram, e como o curso futuro o movimento anti-guerra fora formado.

Antes de contar essa história, é preciso deixar claro que muito da minha experiência não é único. Quando eu me juntei ao movimento Trotskista dois anos depois, eu encontrei muitos outros jovens – igualmente ousados, impetuosos e um pouco imprudentes – que haviam sido radicalizados pelo Vietnã. Eles acreditavam, como eu, e que nós seríamos enviados para morrer em alguns anos. E eu conheço pelo menos uma dúzia de escolas que não estão em nenhuma lista que eu tenha visto – e pelo menos cinco dessas demonstrações foram iniciadas e lideradas por jovens que mais tarde seriam meus camaradas no Partido Socialista dos Trabalhadores (SWP).

Em primeiro de Maio de 1970, eu era um estudante de ensino médio, apenas um dia antes do meu aniversário de 13 anos. Naquela noite se iniciaria a celebração de dois dias do meu Bar Mitzvah. Eu também era bem politizado para a minha idade – algo que já me havia me trazido problemas por anos. Eu vivia em Ossining, Nova York, uma cidade de classe média com uma significativa população negra, cerca de 48Km de Midtown, Manhattan. Eu publicava um “jornal underground” bissemanal na escola quatro páginas mimeografadas com artigos contra a guerra e sobre nossa opressão sofrida como jovens estudantes.

Eu assisti o discurso de Nixon e decidi que nós precisávamos protestar. Mas eu deveria faltar aula naquele dia para praticar na sinagoga. Em vez disso, eu fui para a escola apenas pela manhã. Meu objetivo era convencer o máximo de estudantes da sétima e oitava série de saírem da escola e marcharem 2,7 Km até a Agência de Correios - o único prédio federal da cidade – para uma demonstração espontânea contra a guerra. A Agência era do outro lado da rua em relação a escola, na principal via pública de Ossining. Eu sabia que chamaríamos muita atenção e que talvez algumas pessoas se juntariam à manifestação.

Levou apenas 30 minutos para convencer quase 60 estudantes a se juntarem. Nós saímos da escola e marchamos, gritando “Não à invasão do Camboja!”. Dois minutos depois, os policiais apareceram. Mas nós fomos destemidos. Eles não tinham ideia do que fazer, e acabaram nos escoltando. Nossa sonora marcha na calçada em frente dos Correios atraiu cerca de mais 100 estudantes. Eu fiz um discurso, sem um sistema de som. Posteriormente, eu prossegui para os meus estudos.

Eu monitorei as notícias no final de semana, mas era difícil fazer isso entre um Bar Mitzvah e uma festa. Não havia internet ou notícias 24 horas. Eu lembro que um amigo da cidade de que nos mudamos tinha um irmão que fora transferido para a Universidade Estadual do Kent – na verdade, um irmão postiço, pois meu amigo era adotado. Eu me perguntava se ele ainda estava com aquela família em Plainview, e eu perguntei para minha mãe se eu poderia fazer uma ligação de longa distância (costumava custar mais que ligar para a sua própria cidade) para perguntar se ele sabia de algo. Ele não sabia, mas nós reatamos.

Cresce uma revolta estudantil

Campi pelo país estavam em movimento. O centro Brandeis estava sussurrante. Editores de jornais universitários pelo país em Brown, Columbia, Dartmouth, Harvard, Haverford, Penn, Princeton, Rutgers, e Sarah Lawrence de alguma forma fizeram uma assembleia por telefone e concordaram em publicar um editorial conjunto na edição do dia seguinte condenando a invasão do Camboja e chamando por uma greve universitária nacional exigindo “a retirada imediata de todas as tropas americanas do Sudeste Asiático.” Era importante que eles não exigiam “negociações” para o fim do conflito – um posicionamento no movimento anti-guerra que estava em conflito com a perspectiva de “fora agora”, que eu apoiava. E também, a greve que eles chamavam não era apenas de estudantes, era muito maior, e apontava para o que precisava acontecer fora dos campi:

“Nós precisamos parar com o funcionamento normal para permitir que as universidades liderarem e se juntem em uma greve coletiva para protestar com a escalada Americana da guerra. Nós não chamamos uma greve de estudantes contra a universidade, mas uma greve de toda a universidade – professores, estudantes, funcionários e administradores.”

Na Universidade de Kent, o protesto e o subsequente “problema na cidade” que havia começado no primeiro de Maio continuou no final de semana. Naquele sábado, comerciantes afirmaram que “revolucionários radicais” estavam no município para destruir a cidade e a universidade. O chefe de polícia afirmou que ele tinha informações que o prédio da ROTC, o centro de recrutamento do exército, e outras instalações estavam em uma lista de “destruição” para aquela noite. Rumores malucos se iniciaram – LSD no abastecimento de água, sendo encanado em uma loja na cidade baixa para que pudesse explodir, cachês de armas nos arredores da cidade. A revolução estava chegando.

Naquela noite, quando a guarda nacional de Ohio chegou, o prédio da ROTC estava realmente em chamas, e havia uma larga demonstração no campus. Gás Lacrimogêneo enchia o ar; um estudante com um ferimento de baioneta. No próximo dia, Rhodes, o governador de Ohio, realizou uma conferência de imprensa e falou sobre um “grupo dissidente” errante de “revolucionários” que pretendiam destruir o ensino superior no seu estado:

“Nós vamos erradicar o problema. Nós não vamos tratar sintomas... Eles são piores que os camisas pardas e o elemento comunista e também os motoqueiros e os vigilantes. Eles são o pior tipo de pessoa que temos na América. ... Eu acho que estamos encarando o grupo revolucionário mais forte, bem treinado, e militante que já foi formado na América.”

Estudantes anti-guerra estavam sendo comparados aos Nazistas, comunistas, e a membros da Klan. Toda a base estava sendo coberta para justificar os violentos ataques sofridos contra eles que haviam sido colocados na agenda oficial.

Na época, muitos dos membros da Guarda Nacional eram homens em idade escolar tentando evitar serem conscritos e enviados ao Vietnã. Diferentemente das guerras do Iraque e do Afeganistão, unidades da Guarda Nacional não eram destacadas para o exterior. Eles geralmente recebiam treinamento dois finais de semana por mês e ajudavam com desastres naturais. Quando haviam distúrbios, eles podiam ser chamados para suplementar a polícia.

Debates no Movimento Anti-Guerra

Para entender o porquê o que ocorreu naquele dia teve tanto impacto requer algum contexto sobre a Guerra do Vietnã e especialmente o crescente movimento contra ela. É uma história rica e instrutiva. O melhor livro, de longe, é o Out Now! De Fred Halstead, [3] um trotskista, líder da SWP, e ativista de longa data no centro do movimento anti-guerra, e o candidato presidencial do partido em 1968. Esse foi o ano em que quase todos colocaram suas esperanças sobre o fim da guerra em Eugene McCarthy e Robert F. Kennedy.

Nosso espaço permite apenas um sinopse de como a guerra e o movimento se desenvolveram. O Presidente Lyndon Johnson usou uma falsa confrontação no Golfo Vietnamita de Tonkin em Agosto de 1964 como justificativa para iniciar o bombardeio do Vietnã do Norte, algo que se tornou comum. No início de 1965, críticos dentro do governo americano estavam começando a questionar Johnson, que caracterizava a guerra como uma luta para libertar o Vietnã do Sul da “Agressão Comunista.” A “Teoria de Dominó” – deixe os Sovietes ou os Chineses ganharem terreno em qualquer lugar e eles dominarão o mundo – estava a todo o vapor.

No final de 1965, havia um crescente movimento contra a guerra em muitos campi colegiais. Estudantes por uma Sociedade Democrática (SDS) e outros estavam organizando “fóruns educacionais” que confrontavam as políticas americanas a partir de palestras e discussões. Pequenos piquetes e marchas estavam acontecendo, mais notavelmente em Berkeley e Nova York. Ao mesmo tempo, a “contracultura” estava emergindo e crescendo – hippies dedicados ao mantra de “ligue, sintonize, abandone.” Eles também eram parte do movimento anti-guerra, mas eles iam além – eles desprezavam tudo associado ao “establishment” (muitas vezes caracterizado como qualquer um acima dos 30).

O movimento anti-guerra, tão associado com essa “Nova Esquerda,” tomou um caráter de rebelião contra o “Americano Médio” – esses filhos eram aqueles vindo em caixões do Vietnã. Isso fazia ganhar trabalhadores para a perspectiva anti-guerra muito difícil, já que muitos viam os manifestantes anti-guerra como um bando de maconheiros e drogados vagabundos que precisavam de empregos e cortes de cabelo.

Quando Martin Luther King Jr. discursou para uma manifestação em chicago de mais de 5.000 pessoas em Março de 1967, muitos pensavam que a maré iria virar. Ele condenou a guerro por desviar fundos de programas contra a pobreza e apontou que negros estavam sendo mortos em números desproporcionais no Vietnã. No final de 1967, com quase meio milhão de tropas americanas no Vietnã e casualidades já nos 15.000 mortos e 110.000 feridos, mais pessoas estavam começando a questionar a guerra. A conscrição mandatória trazia mais de 40.000 jovens para o exército todo mês, e o custo estava cada vez maior para o governo - sem contar no 25$ bilhões anuais que estavam custando aos contribuintes, o equivalente a mais de 193 bilhões de doláres hoje.

Em 21 de Outubro de 1967, 100.000 manifestantes viajaram para Washington para um protesto em massa no Memorial Lincoln. Cerca de 30.000 marcharam pelo Potomac para o Pentágono mais tarde naquela noite, onde houve um brutal confrontamento com soldado protegendo o prédio. Mas isso ainda era principalmente um movimento de estudante e hippies.

A ofensiva Tet em Janeiro de 1968 começou a mudar isso, tornando claro que o imperialismo Americano era incapaz de derrotar o povo Vietnamita que lutava por libertação. O desespero entre líderes militares americanos era aparente - alguns estavam tão determinados a vencer que defendiam bombardear o país de volta à idade da pedra. Uma pesquisa da Gallup mostrava que apenas 35% do público aprovava a forma como Johnson lidou com a guerra. Logo depois, veteranos que formaram uma organização chamada Veteranos do Vietnã Contra a Guerra reforçaram as fileiras do movimento anti-guerra. Na televisão, pais pela nação com filhos na guerra viram esses homens, muitos em cadeiras de rodas, jogando fora suas medalhas.

Ao mesmo tempo, a “Nova Esquerda” continuou a polarizar o país com a estranheza da contracultura, o que tornava difícil ganhar trabalhadores americanos para a causa. Os Yippies colocaram um porco para concorrer à presidência em 1968, zombando da democracia burguesa que a maioria dos americanos estimava. Quando ativistas convergiram em Chicago na Convenção Nacional Democrata e foram agredidos pela tropa de choque, muitas pessoas ficaram chocadas - mas muitas também achavam que eles mereciam.

A eleição de 1968 colocou Nixon na Casa Branca. Ele prometeu restaurar a “lei e a ordem” - ou seja, um assalto aos protestos anti-guerra e as comunidades negras que se rebelaram após o assassinato de M.L.K no início daquele ano. Uma vez empossado, ele escalou a guerra e instituiu uma loteria de conscrição - ostensivamente para eliminar desigualdades no sistema de conscrição. Em 22 de Maio, o governo Canadense anunciou que seus oficiais de imigração não iriam solicitar o status militar de imigrantes que aparecerem em suas fronteiras pedindo residência permanente.

Dentro do movimento, a “Nova Esquerda” e a “Antiga Esquerda” (majoritariamente trotskistas da SWP e stalinistas do Partido Comunista,EUA) estavam lutando uns contra os outros, e os trotskistas e os “cpers” estavam lutando sobre qual deveria ser o slogan: o slogan anti-imperialista “Fora Agora!” e “Tragam as Tropas Para Casa Agora!” (que significaria a vitória imediata para os vietnamitas) ou o slogan que servia aos interesses da burocracia Soviética estagnada de Moscou, “Negociações Agora!” Isso se tornou importante na subsequente Moratória para o Fim da Guerra no Vietnã, demonstrações marcadas para 15 de Outubro, quando milhões de estudantes faltariam aula juntamente com diversos trabalhadores que faltariam ao trabalho para participar das demonstrações e fóruns (muitos pela primeira vez).
Um mês depois, em uma continuação das ações de Outubro trouxe meio milhão de pessoas para Washington e San Francisco para demonstrações anti-guerra organizadas largamente por coalizões nacionais com trotskistas em posições de liderança estratégicas.

Essa história incompleta nos traz de volta a maio de 1970.

Os Tiros que Mudaram Tudo

De volta à Kent, Segunda, 4 de Maio era outro dia de protesto. Ao meio-dia, cerca de 2.00 estudantes se reuniram, mesmo com a universidade tendo distribuído 10.000 panfletos dizendo que o evento havia sido cancelado.Unidades da Guarda Nacional tentaram dispersar os estudantes, mas foram recebidos com pedradas. Depois veio o gás lacrimogêneo - que era ineficiente em um dia ventoso como aquele. Pedras foram jogadas novamente, e estudantes cantavam, “Porcos fora do campus!” Alguns arremessaram as granadas de gás de volta para os guardas mascarados.

Logo depois, um grupo de tropas subiu uma pequena colina, se ajoelharam, e apontaram seus rifles. Testemunhas mais tarde disseram que presumiram que os guardas não atirariam, ou que os tiram seriam balas de festim. Então, um grupo menor de guardas começou a se mover. De repente, um sargento começou a atirar sua pistola .45 nos estudantes. Depois, alguns guardas próximos aos estudantes se viraram e atiraram. O tiroteio durou 13 segundo, e quando a fumaça baixou, quatro estudantes estavam mortos ou morrendo: nove estavam feridos. Dois dos mortos eram manifestantes; os dois outros, incluindo um membro do batalhão ROTC do campus, estavam indo para uma aula.

Naquele dia eu havia faltado aula com dois objetivos: um era sacar todos os títulos de capitalização que eu havia adquirido no meu Bar Mitzvah e comprar discos clássicos em Nova York. O outro era ir até a Universidade de Columbia e me juntar aos protestos anti-guerra. Eu peguei o trem para Manhattan, fui até a loja de discos perto da Estação Grand Central, gastei um monte de dinheiro para um adolescente, providenciei para que as caixas fossem enviadas, e caminhei até a Rua 42 em direção a Times Square para almoçar - uma decisão corajosa em 1970 - antes de pegar o metrô para a cidade alta. Quando eu entrei na parte sul da Times Square, eu vi a notícia se espalhar no que era então chamado Allied Chemical Building (One Times Square hoje). Eu lembro que dizia algo como “Manifestantes anti-guerra baleados na Universidade de Ohio. Mortos e feridos.”

Eu estava horrorizado. Pessoas olhando para cima nas ruas estavam estupefatas. Na Tad Steakhouse, onde eu poderia conseguir uma comida barata, a notícia passava no rádio. Eu escutava enquanto comia. Então decidi não ir para Columbia, e se estivessem atirando em manifestantes em todos os lugares?

De volta a Grand Central, e peguei o próximo trem, andei para o apartamento que compartilhava com minha mãe e minha irmã - com meus avós no andar de cima. Quando veio o noticiário a noite, a história do que tinha ocorrido em Kent era a principal notícia.

Dessa vez eu usei o telefone dos meus avós para fazer a chamada de longa distância. Meu amigo respondeu. Ele me contou que seu irmão havia sido baleado e morto pelos soldados no campus. Aquela fotografia famosa, com a jovem garota ajoelhada sob o corpo morto de um estudante, apareceu na primeira página de jornais pelo país no dia seguinte. O estudante era o irmão postiço do meu amigo, Jeff Miller.

As consequências

O assassinato dos quatro estudantes em Kent State teve um profundo efeito na direção do movimento anti-guerra. Eles imediatamente provocaram a greve nacional chamada pelo editorial conjunto. Em menos de duas semanas, incorporou quase 900 campus universitários em 49 estados. Milhões de estudantes participaram de seus primeiros protestos. Programas da ROTC foram eliminados. Alguns campi ficaram fechados por um ano. Ações organizadas de forma local e independente - ajudadas pela NSIC, que enfatizava três demandas que eram anti-racistas, anti-imperialistas, e anti-repressão:

“Que o governo dos Estados Unidos ponha fim à repressão sistemática de dissidentes políticos e liberte todos os presos políticos, como Bobby Seale e outros membros do Partido dos Panteras Negras. […] Que o governo dos Estados Unidos cesse sua expansão da guerra do Vietnã no Laos e no Camboja; que retire unilateral e imediatamente todas as forças do Sudeste Asiático. ... Que as universidades acabem com sua cumplicidade com a máquina de guerra dos EUA com o fim imediato da pesquisa de defesa, ROTC, pesquisa de contra-insurgência e todos os outros programas desse tipo.”

 [4]

A mídia burguesa começou a descrever a greve nesses termos: “A guerra voltou para casa”

Mas o impacto das mortes em Kent State foi muito além da população estudantil. Quando a polícia de Chicago espancou os manifestantes em 1968, muitos americanos acharam que tiveram o que mereciam. Mas matar alunos por protestar? Isso não acontece nos Estados Unidos! Isso é o que eles fazem em países como o México - onde, após um verão de enormes manifestações contra as Olimpíadas de 1968, as forças armadas atiraram contra os manifestantes, matando centenas de estudantes e outros civis desarmados na seção de Tlatelolco da Cidade do México.
Outros alunos também foram baleados em maio de 1970. Muitas vezes são desconhecidos ou simplesmente esquecidos. Mas no Jackson State College, no Mississippi, uma escola predominantemente negra, houve dois dias de manifestações pelos direitos civis e contra a guerra. Em 14 de maio, a polícia abriu fogo e matou dois alunos e feriu outros 12. Ainda menos conhecido é que os policiais abriram fogo contra os manifestantes no campus da Universidade Estadual da Carolina do Sul em Orangeburg em 8 de fevereiro de 1968. Os alunos marcharam de volta para o campus de uma pista de boliche local, onde protestavam contra a segregação racial. Três manifestantes, todos negros, foram mortos e 27 ficaram feridos.

Depois de Kent State, comecei a notar que os trabalhadores que frequentavam a pequena lavanderia a seco de meu avô, onde eu tinha um emprego de meio período, costumavam me dizer que o protesto de 1º de maio que eu havia organizado - tinha saído no jornal local - foi uma coisa boa. Essas são pessoas que não muito antes estavam dizendo ao meu avô que eu era um "pequeno punk comunista".

Demorou um pouco para que a classe trabalhadora começasse a se voltar contra a guerra. Os pais de soldados participaram cada vez mais dos protestos, assim como os trabalhadores - às vezes até com seus sindicatos locais. Mas ainda havia uma divisão. Poucos dias depois dos assassinatos em Kent State, em 8 de maio, estudantes universitários e do ensino médio protestavam no City Hall Park, na cidade de Nova York. Cerca de 200 operários da construção foram mobilizados pela AFL-CIO estadual para atacar os estudantes. Seguiu-se um “Hard Hat Riot” de duas horas e cerca de 70 pessoas ficaram feridas. Em 20 de maio, no mesmo local, cerca de 150.000 pessoas - a maioria membros do sindicato e suas famílias - participaram de um comício pró-guerra em apoio às políticas de Nixon no Vietnã.

Mas a sorte foi lançada e a combinação de estudantes sendo fuzilados, mais caixas com corpos voltando para casa, veteranos do Vietnã expandindo seus protestos, os "Documentos do Pentágono" sendo publicados e mais e mais demonstrações combinaram para tornar a continuação da guerra insustentável para a classe dominante.

Eu poderia continuar com uma história de como a guerra finalmente terminou, e como o imperialismo dos EUA sofreu uma derrota vergonhosa que mudou completamente o discurso sobre a guerra neste país, introduzindo a Síndrome do Vietnã e “nunca se envolva em uma guerra terrestre na Ásia” - o “mais conhecido” dos “erros clássicos” de Vizzini no filme A Princesa Prometida. Mas o espaço impede isso.

O que é importante aqui são as lições: como as marés mudam, como as radicalizações acontecem, que tipos de organização funcionam melhor e o que um movimento anti-guerra de princípios deve representar. São lições sobre a importância da ação política independente em nível de massa - afinal, anos envolvendo o movimento anti-guerra na campanha eleitoral para este ou aquele candidato democrata que prometeu “negociações” nunca alcançaram nada. O Partido Democrata foi, e continua sendo, o cemitério dos movimentos sociais.

Eu já era um trotskista iniciante em 1970. Nos anos seguintes, conheci muitos jovens que, como eu, resistiram à tremenda pressão dos pares para se tornarem parte da Nova Esquerda e, em vez disso, ingressaram no movimento trotskista. Nenhum deles deixou de fora o ocorrido em Kent State quando me contaram como haviam se radicalizado.

1. ROTC era um programa no campus para treinar futuros oficiais para o exército dos EUA e era obrigatório para muitos alunos do sexo masculino em muitos campi universitários até a década de 1960. Era comum ver alunos em uniformes militares frequentando aulas regulares nos dias de suas aulas de ROTC. O programa se tornou um alvo típico do movimento anti-guerra nos campi.

2. Eventualmente, quase 900 campi de universidades, faculdades, e escolas de ensino-médio estavam em greve no início de Maio. O projeto “Mapeando os Movimentos Sociais Americanos,” da Universidade de Washington tem uma lista completa e um incrivel gráfico interativo.

3. Fred Halstead, Out Now! A Participant’s Account of the American Movement against the Vietnam War (New York: Monad Press, 1978).

4. Centro Nacional de Informações de greve, Newsletter #5 (Waltham, MA: 1970), p. 1.


[1ROTC era um programa no campus para treinar futuros oficiais para o exército dos EUA e era obrigatório para muitos alunos do sexo masculino em muitos campi universitários até a década de 1960. Era comum ver alunos em uniformes militares frequentando aulas regulares nos dias de suas aulas de ROTC. O programa se tornou um alvo típico do movimento anti-guerra nos campi.

[2Eventualmente, quase 900 campi de universidades, faculdades, e escolas de ensino-médio estavam em greve no início de Maio. O projeto “Mapeando os Movimentos Sociais Americanos,” da Universidade de Washington tem uma lista completa e um incrível gráfico interativo.

[3Fred Halstead, Out Now! A Participant’s Account of the American Movement against the Vietnam War (New York: Monad Press, 1978).

[4National Strike Information Center, Newsletter #5 (Waltham, MA: 1970), p. 1.





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