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SEMANÁRIO

É por George Floyd, e por 400 anos de violência contra os negros

Fanm Nwa

Renato Shakur

É por George Floyd, e por 400 anos de violência contra os negros

Fanm Nwa

Renato Shakur

Na última semana, o mundo inteiro se chocou diante de mais uma cena aterrorizante do assassinato de uma pessoa negra pelas mãos da polícia. George Floyd foi estrangulado, enquanto dizia que não conseguia respirar e suplicava pela sua vida; mas Derek Chauvin continuou ajoelhado em seu pescoço, por 10 minutos, e sorrindo; e outros 3 policiais, cúmplices de Chauvin, assistiam à cena.

Esse crime aconteceu em Minneapolis, em meio à pandemia de Covid-19, e é parte da política repressiva do Estado norte-americano que coloca um alvo nas costas da população negra, há mais de 400 anos. George Floyd, Ahmaud Arbery, Breonna Taylor e Sean Reed. Esses são os nomes (que devem ser ditos) dos negros assassinados em 2020, apenas por serem negros em um país fundado em base à escravidão, seguida de segregação racial impulsionada por grupos supremacistas brancos que, agora, se expressa em um racismo estrutural profundo que é legitimado pelo Estado imperialista norte-americano e todos os seus aparatos, desde os partidos até cada e todo departamento de polícia do país.

A frase que correu o mundo na boca de milhares negros estadunidenses, de que a revolta que começou em Minneapolis e se espalhou pelo mundo todo já não era apenas por conta do assassinato de George Floyd, mas por causa dos 400 anos de racismo e opressão que as comunidades negras nos EUA sofrem, mostra a potencialidade desse movimento no seio do principal país imperialista mundial. A força com que essas palavras foram gritadas demonstra a convicção que milhares de negros e a moral de que eles não apenas lutam por justiça para George Floyd, mas que estão lutando por cada negro açoitado na escravidão, que perdeu a vida nos navios negreiros, assassinados pela polícia ou por grupos supremacistas, como a Ku Klux Klan.

É um grito entalado na garganta durante séculos de racismo que hoje se expressa no 5º dia consecutivo de luta nas ruas e que vai tomando a dimensão de uma revolta nacional. Em meio a pandemia, certamente o racismo se intensificou, o coronavírus é comprovadamente mais letal na população negra, em estados norte-americanos essa taxa chega a 80%, como no estado da Geórgia. Em Chicago a população negra é de 30% e 70% das mortes por Covid-19 está entre negros. No Mississipi, os números também são escandalosos e escancaram o nível absurdo do racismo no estado, onde a população negra é 38% da população total, mas se tratando das mortes por Covid-19, 71% dos mortos são pessoas negras.

O número absurdo de infectados e mortos nas comunidades negras não é expressão de características genéticas, de que negros estão mais propensos biologicamente a se infectar ou morrer por conta de doenças. Isso é uma condição do capitalismo, que destina aos negros postos de trabalhos onde há mais exposição ao vírus. Desses postos de trabalho podemos citar o trabalho de transportes, por exemplo, que representa 9,5% dos trabalhadores totais nos EUA, em que 6,1% são negros, e na área da saúde que representa 5,4%, 2,3% são negros. O racismo e o capitalismo vem matando a população negra até mesmo em seus postos de trabalho e todos esses números somados ao crescente desemprego que atinge em cheio os trabalhadores e a juventude, chegando a marca histórica de 14% em todo o país, a revolta contra a violência policial e por justiça a George Floyd se soma ao ódio de classe.

O prefeito de Minneapolis do partido democrata, Jacob Frey, tentou se relocalizar frente a esse forte movimento, mas o faz de maneira hipócrita e não menos racista, fortalecendo a repressão madrugada a dentro e aceitando o apoio oferecido pelo presidente republicano Donald Trump, que colocou sua guarda nacional à disposição para combater os manifestantes, tratados por ele como “vândalos e bandidos”. Já, do outro lado, com aqueles que lutam enfurecidos contra a brutalidade do estado racista norte americano, podemos ver a bravura de quem luta há 400 anos contra o racismo, mas também podemos notar, ainda que de maneira inicial, elementos bastante importantes para a luta contra o racismo não só nos EUA, mas também aqui no Brasil e outros países onde os latinos, imigrantes e negros sofrem as piores barbáries que o capitalismo pode criar durante esses anos de opressão, que é a violência racial.

A violência policial, que sempre esteve presente no dia-a-dia da população negra, se faz presente também durante os protestos com o aumento nos níveis de repressão contra os manifestantes, chegando ao ponto do prefeito de Minneapolis decretar toque de recolher para acabar com a revolta.

Racismo e violência policial

As palavras repetidas por Floyd, “I can’t breathe”, foram as mesmas repetidas por Eric Garner, outro negro assassinado pela polícia, dessa vez de Nova York, em 2014. Mike Brown foi assassinado pela polícia no mesmo ano, em Ferguson, no Missouri. Trayvon Martin, foi assassinado pela polícia na Florida, em 2013. As cenas do assassinato de Floyd que percorreram o mundo inteiro não só comoveram todos aqueles que nutrem o mesmo ódio pela polícia e sentem um medo cotidiano de ser assassinado, parado ou revistado por um policial em qualquer lugar do mundo, mas mostram também o caráter de classe da polícia.

O lema da polícia norte-americana é “proteger e servir” e seu surgimento vem desde a época colonial, quando mercadores britânicos acumulavam dinheiro para contratar guardas para proteger sua mercadoria do roubo e controlar milhares de trabalhadores, além disso, com o uso de mão de obra escrava e africana, os donos de terra sulistas precisavam de uma força para perseguir e capturar os negros e negras que se rebelavam e fugiam. Ou seja, a polícia já nasceu com o propósito de proteger a propriedade e servir aos ricos. E a utilização dessa força repressiva foi se atualizando criativamente com o passar do tempo, reprimindo trabalhadores que tentavam se organizar após a guerra civil e nos dias atuais, garantindo a segregação racial e o encarceramento em massa da população negra enquanto assassina os que estão nas ruas, etc. E parte da sua manutenção é a ligação indivisível com o Estado capitalista burguês e, inclusive, a necessidade dos aparatos repressivos nesse Estado, para manter a opressão e a exploração da burguesia sobre a classe trabalhadora. Assim, é possível chegar à conclusão de que nenhuma reforma ou humanização da polícia é possível – é necessário o seu fim e o fim desse sistema baseada na opressão e na exploração capitalista.

Historicamente nos EUA, o nível de repressão sobre as massas negras fizeram com que organizações como o Partido dos Panteras Negras elaborassem em seu programa pontos importantes que combatiam as instituições racistas no imperialismo norte americano (1). Esse grupo de marxistas negros que acertadamente levantava a bandeira da luta contra o racismo atrelada a luta contra o capitalismo, ficou marcado na história com as táticas de policiar a polícia e de todo poder ao povo, ainda que tivesse equivocadamente se orientado por uma estratégia maoísta e cometido erros importantes, como a organização do lúmpem proletariado, alguns pontos do seus programa representam pontos dos mais avançados naquela época, em relação ao combate ao racismo.

Um dos pontos era: “Queremos o fim imediato da polícia e do assassinato do povo negro”. Os Panteras Negras defendiam que a polícia nada mais é que a instituição repressora da classe burguesa, que exerce sua dominação de classe a partir da repressão do Estado e apenas pode cumprir um papel reacionário. Se tratando dos países que tiveram a escravidão negra como um pilar estruturante, o papel da polícia, além de reacionário, é abertamente racista e assassino. Outro ponto bastante avançado era: “Nós queremos que todo o povo negro, quando for julgado em um tribunal, tenha um júri de seus iguais ou do povo das comunidades negras, como definido pela Constituição dos Estado Unidos.” O partido também entendia o caráter racista do aparelho judiciário, o qual a polícia notadamente sempre se apoia para assassinar os negros e permanecer impune. Nesse sentido, ter um júri independente que não fosse composto ou representado por essa casta racista, que garante que os EUA tenha a maior população carcerária do mundo, com quase 2,3 milhões de prisioneiros, em sua maioria negros e negras, era uma bandeira importante a ser defendida.

A população negra na vanguarda da revolução proletária

A revolta contra essas mortes e o histórico sufocante de violência policial contra a população negra, fez nascer o movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam), que sacudiu os Estados Unidos durante o governo de Barack Obama e, agora, no governo do racista e xenófobo Donald Trump, retorna às ruas. Esse novo fôlego contra o racismo e a violência policial irrompe justamente no mais importante país imperialista do mundo, onde a população negra é de 13% da população. essa revolta negra que vem tomando os EUA de conjunto deixa claro que os negros em unidade com os brancos antirracistas e todos os setores oprimidos devem lutar nas ruas contra esse sistema que os oprime.

Acerca desse vigor que milhares negros mostram nas rua de Minneapolis dizendo que não haverá paz se não houver justiça por Floyd, o trotskista negro C.L.R. James deixou contribuições bastante importantes acerca de uma caraterística fundamental da revolução proletária nos EUA, a partir da perspectiva estratégica e teórica de Trotski sobre a revolução permanente, James defendeu a tese no Socialist Workers Party (SWP) de que a vanguarda da revolução proletária nos EUA seria composta pelos negros, algo que foi criticado à época inclusive por socialistas, mas que James defendia da seguinte maneira:

“Os negros americanos, em séculos a sessão mais oprimida da sociedade americana e mais discriminada, são potencialmente os elementos mais revolucionários da população [...] Eles estão designados a ser, sob adequada direção, a verdadeira vanguarda da revolução proletária.”(2)

A defesa de uma tese como essa mostra algo que podemos notar hoje nas rua dos EUA e em cada negros que luta por justiça a Floyd e pela punição dos policiais brancos que o assassinaram, que é a bravura e ódio de milhares de jovens negros para se enfrentar contra a polícia e o racismo estrutural norte-americano. Além disso, mostra também o potencial que o negros nos EUA têm para colocar abaixo, sob a direção de um partido revolucionário, o capitalismo e o racismo que oprimiu durante séculos as comunidades negras. A ideia de que esses trabalhadores pudessem avançar numa consciência revolucionária não só mostra o papel histórico que os negros sempre cumpriram contra a escravidão e a opressão, mas também o potencial revolucionário de um setor da população que o racismo e a discriminação condenava a uma condição de miséria e violência no capitalismo.

A potencialidade dos negros organizados em um partido internacional dos trabalhadores como Trotski e James defendia na época ser a Quarta Internacional vinha também de uma batalha bastante importante dada por eles e outros militantes revolucionários da unidade entre trabalhadores negros e brancos. Nos EUA vemos um certo tipo de unidade entre brancos e negros que sempre foi uma característica particular do movimento negro naquele país e que o trotskismo sempre impulsionou. Um proeminente trotskista negro da década de 1930, Ernest Rice McKinney, jornalista e sindicalista, colocava a questão da unidade entre negros e brancos, assim como Trotski, como uma forma de acabar com o capitalismo. McKinney defendia que o partido e os sindicatos deveriam batalhar por “convencer o trabalhador branco em uma das mãos… na outra, os trabalhadores da população negra e outros grupos oprimidos” juntamente com a defesa da “completa igualdade entre o negros e outras raças”, assim os trabalhadores poderiam acabar com “todas as formas de discriminação” e lutar pela “completa abolição do capitalismo”(3).

Conclusão

Em meio a pandemia de Covid-19 que aprofundou a crise econômica mundial e mata comprovadamente mais os negros, que estão nas periferias do mundo inteiro, nos postos de trabalho mais precários e/ou expostos ao vírus e que, no continente africano, precisam enfrentar a pandemia sem água, sem sabão e com 3 respiradores a cada 5 milhões de pessoas, vemos surgir a luta de classes no coração do imperialismo mundial: os Estados Unidos. Vemos uma mobilização que carrega como principal reivindicação as vidas negras e que coloca em questionamento o racismo e a violência policial que foram armas imprescindíveis que a burguesia internacionalmente utilizou para se construir enquanto classe.

É necessário agora batalhar pela unidade entre os setores que se levantam contra o brutal e covarde assassinato de George Floyd, junto a outros trabalhadores no mundo inteiro que também tem se levantando contra os efeitos devastadores que a pandemia e o capitalismo tem causado. Nos EUA se acende uma nova chama da luta contra o racismo perpetrado pelo estado e sobretudo, do sistema bipartidário estadunidense que mostra que ambos os partidos imperialistas, seja os democratas ou os republicanos, não tem nada a oferecer aos negros, a não ser repressão e violência. A construção de uma frente única entre as comunidades negras, sindicatos e a juventude deve ser um objetivo desse movimento contra o assassinato de George e outros negros, mas também como os próprios manifestantes defendem, contra os 400 anos de racismo e repressão. Também é importante uma investigação independente desse assassinato, não podemos ter nenhuma confiança no Estado que nos mata para alcançar a justiça e a punição dos policiais que mataram George Floyd.

Referências bibliográficas
(1) 10 pontos do Programa do Partido dos Panteras Negras em Libertação Negra e Socialismo, Ahmed Shawki, 2017. p.246
(2) C.L.R. James and Revolucionary Marxism: selected writtings of C.L.R. James (1939-1949), p.5
(3) Ibidem, p.6


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Fanm Nwa

Renato Shakur

Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
Estudante de ciências sociais da UFPE e doutorando em história da UFF
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