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SEMANÁRIO

Do PCI de Enrico Berlinguer ao Podemos de Pablo Iglesias: eurocomunismo e a vídeo-política

Josefina L. Martínez

Do PCI de Enrico Berlinguer ao Podemos de Pablo Iglesias: eurocomunismo e a vídeo-política

Josefina L. Martínez

A saída de Pablo Iglesias, importante líder do partido Podemos, no Estado Espanhol, definitivamente marca um ciclo na política local, e é um marco importante na trajetória do neorreformismo em escala mundial. Em sua última entrevista pública, Iglesias se comparou ao líder histórico do Partido Comunista Italiano, Enrico Berlinguer. Trazemos algumas notas sobre o passado e o presente do neorreformismo, na Europa, e no mundo.

A saída de Pablo Iglesias, importante líder do partido Podemos, no Estado Espanhol, definitivamente marca um ciclo na política local, e é um marco importante na trajetória do neorreformismo em escala mundial. Em sua última entrevista pública, Iglesias se comparou ao líder histórico do Partido Comunista Italiano, Enrico Berlinguer. Trazemos algumas notas sobre o passado e o presente do neorreformismo, na Europa, e no mundo.

No último dia 04 de maio, após os maus resultados nas eleições de Madrid, o líder do Podemos, Pablo Iglesias, anunciava sua saída de todos os cargos políticos, incluindo sua posição no congresso, e o abandono da “política ativa”. Se fechava, assim, um ciclo político.

Nem sequer o líder do maior partido comunista do ocidente, Enrico Berlinguer, conseguiu chegar onde eu cheguei: um marxista em um governo da Aliança Atlantica. Embora Berlinguer tenha vencido as eleições europeias, havia falado ao Corriere sobre o "guarda-chuva tranquilizador da OTAN". De um ponto de visto histórico, ver tudo que alcancei me dá vertigem

Estas foram as palavras de Pablo Iglesias em entrevista ao jornal italiano Corriere della. Três dias depois, anunciava sua retirada da vida política.

A figura de Berlinguer sempre seduziu Pablo Iglesias. Mas seu próprio reflexo o deslumbra ainda mais. Um professor de ciências políticas que emergiu na política espanhola há sete anos falando contra a casta governante e chegou a tornar-se vice-presidente de um governo da OTAN. A referência histórica permite recuperar o caminho que vai da herança eurocomunista à vídeo-política do neorreformismo. E levantar algumas lições acerca do papel histórico da esquerda reformista europeia como a melhor “médica de cabeceira do capital” em tempos de crise. Toda uma engenharia política posta a serviço da restauração do estado capitalista e, desta forma, acabando por abrir caminho para o fortalecimento das correntes de direita que realizam novos ataques à classe trabalhadora e aos setores populares.

O eurocomunismo e o legado Berlinguer

Berlinguer foi o dirigente do Partido Comunista Italiano (PCI) de 1972 até sua morte em 1984. Na Itália, promoveu o Compromisso Histórico, uma política de buscar acordos de governo com um dos principais partidos da burguesia italiana, a Democracia Cristã católica. Berlinguer foi, também, o pai do eurocomunismo. Uma social-democratização dos partidos comunistas europeus, que, no final dos anos 70 do século XX, aprofundaram sua adaptação às democracias liberais em países imperialistas como Itália, Espanha, Portugal e França. Com a nova orientação, esses partidos levantaram algumas críticas à URSS, ao mesmo tempo que adotaram como linha central a defesa das instituições das democracias capitalistas e a articulação de pactos com suas próprias burguesias. Em 1977, essa orientação foi formalizada em uma reunião em Madrid entre Enrico Berlinguer, do PCI, o dirigente do Partido Comunista Espanhol, Santiago Carrillo, e Georges Marchais pelo Partido Comunista Francês.

No caso do PCI, tão admirado por Pablo Iglesias, este havia obtido 35% dos votos nas eleições de 1976, o maior percentual em votos e número de cadeiras alcançadas por um Partido Comunista até então na Europa Ocidental. Também governaram muitas cidades italianas, como Roma. Pouco antes, em 1973, Berlinguer publicou alguns ensaios no órgão cultural comunista Rinascita, onde formulou pela primeira vez a estratégia do “novo compromisso histórico”.

O primeiro grande Compromisso Histórico havia sido impulsionado por Palmiro Togliatti, dirigente e líder indiscutível do PCI entre 1927 e 1964 [1]. Na Itália, ao final da Segunda Guerra Mundial, a resistência armada da classe trabalhadora havia sido chave para derrotar os fascistas. Mas os partisanos eram um perigo para a burguesia mundial e para os acordos de Stalin com os Aliados. Em abril de 1944, Togliatti foi lançado de paraquedas para implementar a "virada de Salerno": chamou ao abandono da luta armada e do caminho "insurrecional" para apoiar uma transição democrática em um governo com a burguesia. Como "ministro sem pasta", ingressou no governo de unidade nacional do marechal fascista Badoglio. Mais tarde, tornou-se ministro no governo de Bonomi, apoiado pelos partidos do Comitato di Liberazione Nazionale e atuou como vice-primeiro-ministro no gabinete do democrata cristão Alcide De Gasperi em 1945. Os comunistas foram expulsos do governo em 1947, depois de ter proposto e aprovado uma lei de anistia para dirigentes fascistas de primeira ordem, como June Valerio Borghese, o “príncipe negro”.

Em seu ensaio de 1973, Berlinguer retomava a ideia de um Compromisso Histórico e um governo de unidade nacional. Para isso, fazia referência à experiência chilena e ao golpe de Pinochet. Sua conclusão foi que o que se passou poderia ter sido evitado se um acordo maior com os democratas-cristãos no Chile tivesse sido estabelecido desde o início. Ou seja, em vez de reconhecer que a política de moderação de Allende em relação aos preparativos do golpe da burguesia culminou no triunfo deste, Berlinguer argumentava que o problema era não ter sido suficientemente conciliador. Estabelecia, então, uma comparação com a situação italiana, afirmando que ali também havia uma "ameaça" iminente contra a democracia. Para superar este perigo e sair de uma situação de crise permanente e instabilidade política, considerou necessária a aliança com os democratas-cristãos para formar um governo. Porque, em suas palavras: “Não se pode governar e transformar um país com 51% de maioria”. O objetivo de Berlinguer era conseguir uma grande aliança nacional da classe trabalhadora com as classes médias progressistas e a burguesia, por meio de um acordo com os partidos católicos e liberais.

Os eurocomunistas retiraram a luta pela "ditadura do proletariado" dos programas dos Partidos Comunistas, sendo que seu conteúdo já havia sido há muito pervertido pela burocracia stalinista e pelo regime de partido único [2]. A teoria, portanto, acomodou-se à prática política real. Porque isso, agora concretizado no papel, nada mais foi do que a culminação de um processo já iniciado nos anos 1930 com a política contrarrevolucionária da burocracia stalinista, inimiga do desenvolvimento da revolução internacional e promotora da Frente Popular [3]. Esta estratégia levou à derrota da Revolução Espanhola, abrindo assim o caminho para a Segunda Guerra Mundial. No imediato pós-guerra, os partidos comunistas mais uma vez desempenharam um papel fundamental no estrangulamento da luta revolucionária no seio da Europa, ingressando em governos de unidade nacional com a burguesia que permitiram o restabelecimento da ordem burguesa.

Mas na década de 1970 os principais Partidos Comunistas europeus deram mais um passo em sua integração aos regimes imperialistas. Quando eclodiram processos de luta de classes - como o maio francês ou o Outono Quente italiano - crises econômicas e crises políticas agudas, esses partidos cumpriram, mais uma vez, um papel chave para a estabilização dos estados capitalistas. E como parte de sua integração total a estes, colaboraram com a aplicação de políticas de repressão e austeridade contra a classe trabalhadora. No caso italiano, fizeram-no apoiando desde fora os governos da Democracia Cristã (apesar das tentativas do PCI, os democratas-cristãos não aceitaram um governo comum). O governo do democrata-cristão Giulio Andreotti, apoiado de fora pelo PCI, implementou um programa de austeridade que incluiu o aumento das taxas de combustível, gás e transporte, junto com um congelamento de salários.

A Democracia Cristã levou a cabo, simultaneamente, brutais operações de repressão, espionagem e infiltração com mecanismos de "guerra suja" contra as organizações de esquerda operária e estudantil que criticavam o PCI (entre as quais havia organizações armadas e outras que não o eram). A repressão incluiu detenções, assassinatos e exílios forçados, como o de Toni Negri. E enquanto os Carabinieri reprimiam as manifestações usando carros blindados, os democratas-cristãos e o PCI condenaram conjuntamente a "violência terrorista". Quando ainda havia uma radicalização da luta dos trabalhadores nas fábricas, Berlinguer e Lama (secretário-geral da principal central sindical italiana, a CGIL) fizeram discursos a favor da "austeridade", pedindo a aceitação das condições do FMI em troca de créditos.

No caso espanhol, o PCE também foi um fator decisivo para avançar em uma “transição ordenada” após o regime de Franco. O PCE de Carrillo desarmou desde dentro a mobilização operária e popular, ao mesmo tempo em que endossava a restauração da monarquia e assinava os pactos de Moncloa, como parte de uma verdadeira contrarrevolução democrática.

Na Itália, Berlinguer tentou ir mais longe em seu Compromisso Histórico com a burguesia italiana, mas não conseguiu. O governo PCI-DC não se materializou e em 1984 Berlinguer faleceu. Embora nas eleições europeias seguintes o PCI tenha alcançado o primeiro lugar, logo depois se inicia sua rápida decomposição. O peso da direita e da extrema direita de Berlusconi na política italiana nas décadas seguintes não pode ser compreendido sem apontar para este desastre autogerado da esquerda reformista italiana.

Os partidos eurocomunistas, com sua profunda adaptação às democracias imperialistas e agindo como inimigos do desenvolvimento da auto-organização e da luta de classes, foram fundamentais para a ascensão da direita e da ofensiva capitalista neoliberal no início dos anos 1980. Após a queda do Muro de Berlim , quando setores da burocracia soviética se reconfiguraram como gestores da restauração capitalista, o PCI acabou se dissolvendo [4]. O maior Partido Comunista do Ocidente, que conquistou grande influência nos sindicatos e no Parlamento, desmanchou-se como um cubo de açúcar. Depois, é claro, de ter prestado serviços indispensáveis às classes dominantes nas duas grandes crises da ordem burguesa do pós-guerra.

O neorreformismo e o auge da vídeo-política

A irrupção do Podemos no Estado espanhol em 2014, a chegada do Syriza ao governo grego em janeiro de 2015, o crescimento eleitoral de Corbyn na Inglaterra entre 2015 e 2018, e o desempenho eleitoral do Bloco de Esquerda em Portugal neste mesmo período, fizeram parte de uma nova onda de correntes políticas neorreformistas que surgiram após a crise capitalista de 2008. A derrota do Syriza na Grécia em julho de 2019 nas mãos da Nova Democracia, bem como a renúncia de Pablo Iglesias e a vitória arrebatadora de a direita em Madrid, são dois marcos que fecham este ciclo político. Com isso, muitas das expectativas por eles geradas foram frustradas e permitiram uma recomposição dos regimes políticos que agora, diante de uma nova crise desencadeada pela pandemia, se preparam para descarregá-la sobre a classe trabalhadora.

Em um texto publicado em 1977, Ernest Mandel analisava o fenômeno do eurocomunismo [5] e destacava que uma de suas características era a crescente autonomia da política em relação à luta de classes. O estudo é útil para pôr em foco um elemento que, para o Podemos, se tornou fundamental. Mandel [6] apontou nesse trabalho:

Tudo isso abstrai o fator decisivo da política na sociedade burguesa: a luta de classes. Por meio de sucessivas mediações introduzidas entre a análise socioeconômica e a análise política, esta última acaba por se desvincular completamente de sua base e ser considerada um jogo totalmente autônomo em que astúcia, tática, manobra, compromisso, psicologia, são tudo, enquanto o interesse material de classe não é nada. Mas toda a história do século XX testemunha contra essas concepções burocráticas, manobreiras e manipuladoras da política, que não são essencialmente stalinistas, na medida em que são comuns à burocracia social-democrata e à burocracia stalinista.

Como já abordamos em outras ocasiões, o lançamento do Podemos combinou a nostalgia eurocomunista de Pablo Iglesias com as teorias pós-marxistas da "autonomia do político" de Laclau pela mão de Iñigo Errejón.

O Podemos já nasceu como um aparato que buscava emancipar-se das relações de classe, onde "astúcia, tática, manobra, compromisso, psicologia, são tudo, enquanto o interesse material de classe nada é". Isso foi expresso na primazia do discurso político e do marketing sobre tudo mais; o reinado da vídeo-política. O centro de gravidade da direção do Podemos estava na construção de uma corrente política moldada por redes sociais e pesquisas eleitorais.

A lógica das plataformas digitais também permeou a vida interna da organização. E o que foi apresentado como novos métodos “participativos” para decidir tudo de forma horizontal (votação online, consultas virtuais sobre questões políticas importantes etc.) foram a base para um partido cada vez mais burocrático, onde alguns “líderes amados” ditavam as decisões. Como aponta um pesquisador dessas experiências de “partidos digitais”, os métodos “participativos” ocultavam um funcionamento centralista e plebiscitário [7]. Isso chegou ao extremo em maio de 2018, quando os membros do Podemos foram chamados a votar em um plebiscito com o único objetivo de legitimar seus líderes, Pablo Iglesias e Irene Montero, que começavam a ser questionados após comprarem um chalé de € 600.000 na cidade de Galapagar, nos arredores de Madrid.

Em outro nível, a relação desses novos partidos reformistas com a classe trabalhadora e os movimentos sociais é bastante diferente daquela do reformismo eurocomunista. O PCI ou o PCE procuraram diluir a força material da classe trabalhadora por trás de uma política que não assustasse a pequena burguesia "progressista" ou a burguesia. Para isso, utilizaram seu peso sindical e político para fortalecer um projeto de conciliação de classes. Já o Podemos, por outro lado, nasceu sem nenhuma relação orgânica com a classe trabalhadora. Era um partido criado para promover a participação política do “povo”, um sujeito cidadão abstrato, interpelado exclusivamente em campanhas eleitorais [8]. Essa inconsistência social do Podemos, que não buscou criar nenhuma força política militante na classe trabalhadora ou na juventude, que afogou toda a sua vida interna a partir de expulsões, manobras e censuras, acabou se voltando contra os criadores do monstro. Uma corrente centrada em “ganhar eleições” e no apelo carismático de um dirigente televisivo, quando os ventos eleitorais não eram favoráveis, se revelou apenas uma fraude.

Pablo Iglesias se parabeniza por ter ido mais longe que Berlinguer. Não está errado. Tanto Iglesias quanto Tsipras foram muito mais longe em sua integração ao estado capitalista. O PCI chegou a governar uma cidade importante como Roma, mas nunca alcançou o domínio do estado imperialista italiano (exceto no período limitado dos governos do pós-guerra de unidade nacional sob Togliatti).

E assim como Berlinguer tirou conclusões à direita da experiência chilena de 1973, Iglesias o fez com a experiência grega de 2015. Quando, seis meses após chegar ao poder, Tsipras vergonhosamente capitulou à Troika, a conclusão de Iglesias foi que nada mais poderia ter sido feito. "O que o governo grego fez é, infelizmente, a única coisa que poderia fazer", disse Iglesias na época. E concluiu que “a única coisa que podemos fazer é acumular um pouco mais de poder administrativo” para tentar “dobrar o braço dos social-democratas” e assim conseguir governos que “defendam os direitos sociais, a redistribuição da riqueza e o bem-estar". “Se vencermos, nosso inimigo fundamental serão as elites locais, e poderemos fazer as elites locais chorarem um pouco, muito mais que as gregas, mas os limites são enormes”, destacou, em uma verdadeira ode à resignação.

Isto marcou sua orientação política: aprofundou a moderação do programa, ao mesmo tempo que tentava construir uma “máquina eleitoral” que lhe permitisse superar o PSOE nas eleições, para obrigá-lo a negociar um governo comum da maioria. Mas quem se fortaleceu não foi o Podemos, mas o monarquista PSOE. Não é surpreendente. Cada vez que Iglesias fazia uma proposta para formar um governo de "mudança", eles conseguiam "lavar a cara" um pouco mais. Iglesias acabou sendo um vice-presidente fugaz. E cinco ministros do Unidas Podemos, incluindo o Coordenador Federal da Esquerda Unida e dirigente do PCE, Alberto Garzón, entraram como ministros no governo da OTAN.

Também em outro aspecto, Iglesias replicou a política de Berlinguer. Enquanto aquele cooperava com a "guerra suja" do Estado italiano contra os setores mais combativos da esquerda e da classe trabalhadora, Iglesias juntou-se a um governo com o PSOE, criador do GAL e do "cal virgem" na guerra suja contra os esquerda basca. O mesmo que, agora, com o aval de Iglesias, garante a política reacionária do Estado espanhol contra o movimento democrático catalão, com a prisão e exílio de seus dirigentes e milhares de independentistas processados, sem levantar sequer a possibilidade de indulto para os prisioneiros políticos.

O Estado espanhol garante também a sangrenta política fronteiriça da União Europeia, responsável pela morte de milhares de migrantes no Mediterrâneo ou pelo seu confinamento em Centros de Internamento para estrangeiros. É o mesmo estado imperialista que mantém pactos militares com Israel e que vende armas à Colômbia, utilizadas para reprimir a rebelião popular.

Iglesias aceitou todas as regras do jogo impostas pelos governos imperialistas da UE e não dobrou o braço de ninguém, nem dos social-democratas, muito menos das "elites". O único que acabou chorando foi Pablo Iglesias.

Quem poderia acreditar que seria possível democratizar os estados imperialistas europeus aos poucos e gradualmente? A estratégia de reformar o capitalismo já mostrou seu fracasso várias vezes na história. E o resultado sempre foi trágico. Cada vez que os reformistas faziam alianças com a burguesia, só conseguiam uma coisa: recompor o poder burguês e fortalecer as correntes políticas de direita, que redobram seus ataques à classe trabalhadora. As capitulações monumentais do eurocomunismo pavimentaram o caminho para o neoliberalismo. As políticas conciliatórias dos neorreformistas igualmente abrem as portas para a direita.

Porque, como Rosa Luxemburgo apontou há mais de 100 anos, aqueles que falam “a favor do método da reforma legislativa em vez da conquista do poder político e da revolução social, não optam realmente por um processo mais silencioso, calmo e lento para o mesmo objetivo, mas para um objetivo diferente. Em vez de tomar partido para o estabelecimento de uma nova sociedade, o fazem pela modificação superficial da velha sociedade" [9]. E esta velha sociedade não oferece nada além de miséria, sofrimento e catástrofes para a maioria da humanidade.

Depois de mais de um ano de pandemia global, e para além das desigualdades regionais ou nacionais, tudo indica que os capitalistas buscarão levar a frente ataques mais duros contra a classe trabalhadora e setores populares. Longe de um período de “prosperidade para todos”, tentarão impor mais privatizações, cortes e precarização. Já vemos como aumenta a xenofobia institucional e a perseguição aos imigrantes, enquanto se incrementam as disputas inter-imperialistas ou entre potências regionais etc. Os bombardeios do Estado de Israel contra a Faixa de Gaza ou a repressão assassina do Estado colombiano contra os manifestantes são outras manifestações do aumento das tendências belicistas e repressivas nos Estados.

Diante da crise atual, o que está posto - como na crise dos anos 70 e no imediato pós-guerra - é que a classe trabalhadora e os setores oprimidos avancem em uma perspectiva revolucionária. A ilusão de que um ciclo de "redistribuição de riqueza e bem-estar" é possível dentro da estrutura do capitalismo imperialista não é apenas tremendamente falsa, mas também prepara novas derrotas. O caminho inverso é colocar o centro na luta de classes, apostando no desenvolvimento da auto-organização operária e popular e na construção de organizações revolucionárias.


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FOOTNOTES

[1Durante a revolução espanhola, Togliatti foi enviado como representante do Comintern stalinista na Espanha e tinha responsabilidade direta pela repressão contra o POUM e pelo assassinato de Nin.

[2Na teoria marxista, a ditadura do proletariado é a forma própria do estado operário após a revolução e a expropriação dos expropriadores. Trata-se da ditadura da classe operária sobre uma minoria, a burguesia e os setores resistentes das anteriores classes possuidoras. Como uma espécie de Estado, se opõe à ditadura do capital, seja ela em forma de democracia parlamentar ou ditadura militar. É também um caminho transitório para a abolição de todas as formas de Estado, no comunismo. Na Revolução Russa, a ditadura do proletariado era o equivalente à mais plena democracia operária, através do governo dos sovietes ou conselhos operários. No entanto, com a consolidação do stalinismo, a ditadura do proletariado foi transformada em um regime de partido único, que liquidou a democracia soviética. Trótski lutou contra a degeneração stalinista da ditadura do proletariado, defendendo uma revolução política contra a casta burocrática. Para aprofundar-se no tópico, recomendamos León Trotsky, La revolución traicionada y otros escritos, Ediciones IPS. No caso do eurocomunismo, eles fizeram críticas formais e parciais à burocracia soviética, mas apenas para se integrarem totalmente às democracias capitalistas ocidentais.

[3O VII Congresso da Internacional Comunista Estalinizada reuniu-se em julho de 1935 e adotou a política das Frentes Populares. Ou seja, promover governos de conciliação com a burguesia.

[4Dissolveu-se como partido em 1991, dando lugar a uma corrente progressista de centro-esquerda, o Partido Democrata.

[5Ernest Mandel; From Stalinism to Eurocommunism, Verso Books, London. Publicado pela primeira vez como Critique de l’Eurocommunisme , por François Maspero, 1978.

[6É preciso dizer que Mandel tinha uma política conciliatória com o eurocomunismo. Como questionou Nahuel Moreno em 1978 no texto Ditadura Revolucionária do Proletariado, o Secretariado Unificado da Quarta Internacional, liderado pela corrente mandelista, iniciou naquele momento uma importante revisão teórica a respeito da ditadura do proletariado. Embora ainda o mantivessem na carta - vão eliminá-lo por completo duas décadas depois - iniciaram uma revisão teórica, adaptando a ditadura do proletariado à sensibilidade eurocomunista e à defesa da democracia em "geral". Esta se concretizou na defesa da "liberdade" dos partidos da burguesia dentro da ditadura do proletariado. Em outras palavras, a crítica ao regime de partido único da burocracia stalinista, que fazia parte do núcleo principal do trotskismo, se transformou em uma crítica à própria noção de ditadura do proletariado, que se propunha "complementar" com mecanismos da democracia burguesa. Alguns anos depois, Mandel aprofunda esse caminho, ao valorizar favoravelmente as reformas restauracionistas de Gorvachev”.

[7Paolo Gerbaudo; “Are digital parties more democratic than traditional parties? Evaluating Podemos and Movimento 5 Stelle’s online decision-making platforms”, Party Politics, Sage.

[8As burocracias sindicais do CCOO e UGT desempenharam, igualmente, um papel fundamental na desmobilização social, colaborando assim também na ascensão do Podemos.

[9Rosa Luxemburgo, Reforma ou Revolução
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Josefina L. Martínez

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