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A política ideológica na ditadura militar exaltava as funções reprodutoras e domésticas fazendo com que as mulheres se mantivessem no espaço privado, garantindo os cuidados da família. As mulheres militantes ou que tinham alguma atividade política, eram vistas como pessoas altamente perigosas, pois além de militarem contra o regime militar rompiam com os papéis impostos às mulheres. A violência do Estado reproduzia a opressão de gênero para impor sua dominação.

quarta-feira 1º de abril de 2015 | 01:13

Ontem completou 51 anos do golpe militar (1964) e muitos resquícios da ditadura se mantêm no Estado e na política brasileira, com consequências na vida das mulheres, LGBT, negros e negras e da classe trabalhadora.

Queremos com este texto trazer alguns elementos de como o regime militar legitimava e reproduzia a ideologia capitalista patriarcal que determina papéis esteriotipados das mulheres, e executava uma violência de gênero exercida pelo Estado capitalista contra as militantes de organizações políticas e homossexuais que lutavam contra a ditadura militar.

A política ideológica na ditadura militar exaltava as funções reprodutoras e domésticas fazendo com que as mulheres se mantivessem no espaço privado, garantindo os cuidados da família, como célula básica da sociedade.

No mês do golpe houve a “Marcha da Família com Deus pela Liberdade’ em São Paulo e um dia depois do golpe, a Marcha da Vitória no Rio de Janeiro, que reuniu 1 milhão de pessoas. Ambas foram organizadas pela Igreja Católia e tinham apoio de vários políticos dos governos dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Essas marchas além de se contraporem à política de João Goulart, reafirmavam a política conservadora de manutenção da propriedade privada e exaltação da família tradicional.

O AI-5, ato institucional de 1967, foi um dos decretos que atingiu a liberdade de expressão e organização política, permitindo no avanço da repressão a qualquer forma de manifestação pelas liberdades e direitos democráticos.

Violência de gênero no regime militar

As mulheres militantes neste momento, ou que tinham alguma atividade política, eram vistas como pessoas altamente perigosas, pois além de militarem contra o regime militar rompiam com os papéis de gênero que eram tradicionalmente impostos às mulheres – eram mulheres que não “obedeciam” o sistema, mantendo-se em casa, submissas. E o Estado, com métodos repressivos de violência ainda mais cruéis, infligiam torturas físicas e psicológicas às mulheres, mostrando que as punia duplamente, por serem ativistas políticas e por serem mulheres. Era, como política de Estado e não apenas de indivíduos, que matou mulheres, o que denominamos feminicídio.

São vários os relatos de mulheres que eram torturadas psicologicamente com os torturadores ameaçando seus filhos; eram estupradas, mostrando que os torturadores e seus mandantes detinham o poder e controle também sobre seu corpo. Muitas ativistas grávidas perderam seus filhos ou eram levadas a abortar pelas torturas.

Homossexuais e travestis também sofriam a perseguição e violência do Estado, pois pelos “valores morais” da época, ditados principalmente pelo peso da Igreja católica, sua existência era uma afronta aos setores conservadores que apoiavam a ditadura e à ordem social imposta pelo regime militar. O delegado Wilson Richetti, na década de 1970, era conhecido por “caçar” LGBT em São Paulo. Promovia a Operação Limpeza no centro da cidade, prendendo travestis e homossexuais, usando de métodos como extorsão, violência física e humilhações, pelo simples fato de serem LGBT.

A violência do Estado reproduzia a opressão de gênero para impor sua dominação. Com os homens o objetivo era ferir a “virilidade”, muitas vezes utilizando de métodos para “afeminar” os torturados, como o empalamento ou sevícias sexuais. As mulheres sofriam com a dominação e violência dos seus corpos para mostrar que não passavam de “objetos”, e os LGBT eram tratados como doentes, anormais que exerciam a vadiagem e eram “marginais”.

Resquícios da ditadura na hipócrita democracia dos ricos

O Estado com a colaboração de empresários e de setores da Igreja Católica viam como ameaça o ascenso da classe trabalhadora que nas fábricas questionavam não apenas o regime militar, mas também, mediante as as comissões de fábricas, a exploração capitalista. O Estado queria aniquilar a classe trabalhadora e setores populares que se confrontavam com a política econômica, social e cultural que estava em curso.

A Lei da Anistia, de agosto de 1979, foi um pacto de conciliação com os militares e com os golpistas para evitar a punição dos envolvidos no golpe e nos crimes da ditadura. Até hoje vários militares vivem e a Comissão da Verdade Nacional, instaurada em 2012 pelo governo Dilma com o intuito de “mostrar a verdade”, preservava essa “reconciliação nacional” e por isso mantinha intocada essa lei de “auto-anistia” dos militares e golpistas militares e civis. A Comissão nasceu negando a si o direito de “julgar” os crimes da ditadura e seus agentes, mantendo o pacto de impunidade que preserva os crimes e criminosos da ditadura militar, que continuam livres e impunes atuando nas instituições do Estado, principalmente nos serviços de informação e polícias.

Os governos do PT, desde Lula até Dilma, mantiveram esse pacto da “transição democrática”, inclusive governando em aliança com os militares, empresários que financiaram e participaram do golpe militar e setores conservadores e de direita. Essa “frente ampla” patrocinada pelo PT (com apoio do PcdoB), renegando a luta pelos direitos democráticos e, fundamentalmente, pela punição dos crimes e criminosos da ditadura, é o que tem encorajado a direita a tentar impor sua “agenda reacionária”, buscando reverter as mínimas conquistas democráticas voltando aos “tempos da ditadura militar”.

Parlamentares como Jair Bolsonaro (PP/RJ) e Eduardo Cunha (PMDB/RJ) são os “filhotes da ditadura” que desejam impor, com seus discursos racistas, homofóbicos, machistas e antipopulares, mudar a relação de forças a favor de projetos de leis que atacam os direitos democráticos das mulheres, dos LGBT e dos trabalhadores.

Sem a revogação da lei da Anistia e a definição das torturas “especiais” contra as mulheres como feminicídio do Estado, continuará a impunidade e a liberdade para manter os bárbaros crimes que ainda atingem as mulheres em nosso país.

Se a ditadura no Brasil não foi genocida como na Argentina que matou 35 mil pessoas, de maneira nenhuma ela pode ser considerada uma “ditadura branda” como definiu a Folha de S. Paulo, pois tem em sua conta uma série de crimes cometidos contra mulheres que lutavam contra o regime militar mas também pelo simples fato de serem mulheres, o que se configura como feminicídio.




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