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Depressão e sensação de fracasso: outros frutos amargos do capitalismo

Existe uma relação entre a depressão e o capitalismo? O que aconteceu depois da crise de 2008?

Sergio MoissenDirigente do MTS e professor da UNAM

terça-feira 24 de outubro de 2017 | Edição do dia

Estatísticas

De 2008 a 2017, segundo as últimas estimativas da Organização Mundial da Saúde (OMS), mais de 300 milhões de pessoas vivem com depressão, um aumento de mais de 18% entre 2005 e 2015.

Na sede da crise: cerca de 50 milhões de pessoas viviam com depressão em 2015, ao redor de 5% da população total. No dito país quase 50% das pessoas com depressão não recebem tratamento. Na média, apenas 3% das verbas para saúde dos países é investida em saúde mental, variando entre menos de 1% nos países de baixa renda a 5% nos países de alta renda.

A OMC declarou que os adoecimentos mentais da força de trabalho custam 2,5 bilhões de dólares anuais e a previsão para 2030 é que a cifra se eleve aos 6 bilhões.

O sentimento de tristeza permanente ou a perda de interesse que caracterizam a depressão é a doença mais importante deste século.

Não é só uma doença mental: é um sintoma de época. Para a OMS os sintomas de “estado de ânimo irritadiço ou baixo na maioria das vezes, dificuldades para conciliar o sono ou excesso de sono, mudanças grandes no apetite, muitas vezes com aumento ou perda de peso, cansaço e falta de energia são tão comuns no mundo que representa um grave problema de crescimento, alarmante”.

No México o fenômeno não é menor. Edilberto Peña, Diretos de Investigação do INCIDE (Instituto de Neurociencias, Investigación y Desarrollo Emocional), assegurou que no México a depressão está presente em 3.3% da população mexicana ao longo de sua vida, e seu diagnóstico pode demorar até 15 anos. O mesmo neurocirurgião estimulou que por volta de 9% da população no México terá um episódio no ano que vem, seguindo o ritmo dos diagnósticos.

Nos Estados Unidos a depressão está associada ao crescimento do consumo de opiáceos (substâncias derivadas do ópio para aliviar dor no sistema nervoso): em especial o fentanil. Em um texto da revista Jacobin, a crise do fentanil foi transformada em um grande problema de segurança nacional, 1 em cada 3 já provaram do ópio legal e as empresas farmacêuticas não estão se responsabilizando pelos efeitos nocivos do vício.

Esquizoanálise

Foi Félix Guattari o criador do conceito de esquizoanálise. Surgiu do fazer coletivo da enunciação de Deleuze no Anti Édipo. Seu texto, pouco compreendido, é claramente uma crítica à escola psicoanalítica francesa. Para a análise tradicional e com o peso da clínica psiquiátrica, as doenças mentais não poderiam ser entendidas somente por meio da terapia.

Guattari insistiu que a terapia psicoanalítica individual era a droga de maior luxo no capitalismo. A esperança de resolver os problema na análise tradicional (vínculo familiar, edípico e outros) e de individualizar os transtornos obrigavam a pensar que os responsáveis pelas patologias eram os indivíduos e não a sociedade que os produz.

A ansiedade, a depressão, a própria esquizofrenia não eram doenças individuais que podem ser resolvidas de modo singular: dizia em Revolução Molecular “o complexo de Édipo é diferente a como se vive em um bairro francês da periferia ou em Paris”, existe portanto uma relação entre as doenças mentais e o capitalismo porque além de ser força de trabalho individual, somos seres de carne e osso sujeitos às emoções.

Portanto vivemos múltiplos elos de opressão: o trabalho assalariado e também a impotência de não cumprir com o “mandato” de viver feliz em um mundo que se apresenta a nós como adverso. Ainda que não possamos dizer que o capitalismo gera de forma mecânica as doenças mentais, podemos dizer que as instituições do capitalismo contemporâneo as fortalecem e as alimentam, as aceleram ou as potencializam: a escola, a família, a moda, os partidos, a televisão, os meios de comunicação de massas.

Capitalismo em crise

O capitalismo começou o novo século XXI, que recentemente começamos a viver, com uma forte crise. A queda dos bancos de investimento em 2008 gerou uma grande depressão econômica internacional. Menos radical que a crise de 1929 mas mais intensa que as crises que se sucederam no século XIX, a atual crise é a mais importante deste novo milênio.

Ao calor da crise emergiram vários fenômenos da luta de classes (da “Primavera Árabe” com a queda de Ben Ali a Mubarak, fortes movimentos de juventude como o 15M, o #Yo Soy132 e outros mais como o movimento estudantil chileno) assim como fenômenos políticos neorreformistas (PODEMOS) e/ou nacionalismos reacionários (como Donald Trump e o Brexit).

As repercussões da crise mundial na psicologia das massas ainda é discutível. Pelo menos existem duas teorias com muita repercussão na academia ocidental. Em primeiro lugar a que foi elaborada por Bull Chun Han em A Sociedade do Cansaço que sustenta que a nova doença que emergiu com a crise do neoliberalismo é a: sociedade do “burnout” ou síndrome do estresse, o transtorno de bipolaridade, personalidade limítrofe e depressão. Mas com a construção do ideal que tudo é possível com esforço, a depressão surge da impotência de que seja verdade.

É o desejo do rendimento absoluto, que gerou que as doenças mais comuns entre a juventude, a classe média e os trabalhadores seja a depressão e a sensação de fracasso. Com a crise de 2008 os patrões têm aumentado a extração de mais-valia da classe trabalhadora e aumentado os níveis de exploração da força de trabalho.

Os baixos salários, a incerteza da precariedade no emprego, a tristeza de quem não é suficiente para o futuro, a má alimentação, os baixos níveis de sindicalização, a falta de seguridade com pensões e auxílio, enfim, de uma vida digna, potencializa os transtornos.

O caso emblemático é a China, com a restauração capitalista no país asiático: "cerca de 100 milhões de chineses padecem de patologias psiquiátricas. 54 milhões sofrem de depressão. Só há 1,7 psiquiatras para cada 100.000 cidadãos". Lembremos dos trabalhadores suicidas da Apple.

A depressão dos tempos atuais está associada à sociedade de conjunto, é um sintoma de época, do novo século que começa e nos deixa frente à imagem de um futuro incerto.




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