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DEBATE: AONDE VAI O MAIS? | Definições corretas não podem ficar só no papel

Debate com os companheiros do MAIS para levar à prática a necessidade de construir um polo de esquerda independente tanto do PT quanto da Lava Jato, em meio à crise nacional.

Edison UrbanoSão Paulo

quarta-feira 30 de novembro de 2016 | Edição do dia

Recentemente publicamos um artigo de fundo, buscando contribuir para esclarecer as origens teóricas e históricas de alguns dos traços marcantes da trajetória política do PSTU, que ajudam a explicar a bancarrota atual do partido. Como parte do debate, chamamos ali a atenção para importantes elementos de continuidade que podemos observar, nesse primeiro período de existência do MAIS, com os erros políticos característicos do partido com que romperam.

Ao mesmo tempo, alertamos para os perigos de uma ruptura unilateral, ou “mecânica”, em que se inverte o sinal dos erros, mas sem ir à raiz para construir uma outra política, de fato marxista e revolucionária.

Queremos agora falar dos pontos de avanço que essa ruptura trouxe consigo, e que se levados até o final podem contribuir para uma reorganização da esquerda em chave classista e revolucionária no país.

O golpe institucional e a esquerda Lava Jato

Quando se está numa situação complexa, que envolve tantos fatores e tantas dimensões diferentes de conflitos, como é o caso da luta anticapitalista nesse início de século, a tentação mais fácil é a de eleger um único inimigo diante do "caos" da realidade, e centrar todo o fogo sobre ele. Na esperança, quem sabe, de que a queda desse elemento precipite o desmoronamento de todo o sistema que enfrentamos. Ou então, quem sabe?, sem qualquer grande esperança, mas como forma de, ao menos, seguir subsistindo e, com sorte, conseguir "algo" ao invés de nada.

Não iremos especular aqui sobre quais as motivações que impelem a chamada "esquerda Lava Jato" (MES de Luciana Genro, PSTU, e grupos adjacentes) a prosseguir na trilha que vem levando à sua própria desmoralização política e crescente perda de influência.

O fato é que seu raciocínio, simplista, "binário" ou como queiramos chamar, se remete à velha sabedoria de pé quebrado, do tipo: “o inimigo do meu inimigo é meu amigo”.

O pensamento é mais ou menos assim: Se existe um processo profundo de crise do PT, e se os trabalhadores e jovens se veem cada vez mais repelidos por aquele partido, todo aquele que contribuir para essa crise estaria fazendo um bom serviço. Em tempo certo, mesmo que tarde um pouco, a "astúcia da história" irá beneficiar quem estiver nesse barco a favor da corrente, e os Sérgios Moros serão a antessala da tão sonhada influência de massas da esquerda socialista...

No artigo já mencionado, buscamos mostrar que por trás desse raciocínio aparentemente simples reside um complicado mecanismo, envolvendo carros, ladeiras, e revoluções mal ajambradas, dirigidas por sujeitos imprevistos... (como a cubana, cujo líder Fidel Castro morreu enquanto começávamos a traçar essas linhas).

Já sobre a questão de se as novas gerações militantes que levam adiante a mesma política, se o fazem guiadas por aquela tese objetivista, ou se apenas caminham mesmo sem guia, isso já constitui um enigma cuja resolução escapa ao nosso entendimento atual.

A verdade, um tanto mais pedestre, mas nem por isso menos potente, é que nada na vida vem de graça; “o que vem fácil, vai fácil”; e se queremos não só destruir o poder burguês, mas construir uma nova civilização superior, livre de violência, exploração e opressão, devemos apostar na classe mais avançada, o proletariado, e na teoria e programa mais avançados, legados pelo marxismo.

Sérgio Moro, Gilmar Mendes e o pato da FIESP devem ficar de fora disso - assim como os policiais que se insubordinam para ter melhores condições de reprimir (e não para se irmanar com o povo e entregar suas armas aos operários).

Independência de classe: princípio estratégico ou conveniência tática?

Agora bem, por que então no caso do MAIS, que rompeu com o PSTU a partir de conclusões semelhantes às que resumimos acima, não se utiliza esses pontos como na base fundamental para formular a política correta na realidade pós-golpe?

Lembremos: o MAIS rompeu com o PSTU em meio à crise do impeachment de Dilma, apresentando uma crítica claramente progressista à política daquele partido, em particular fazendo a definição de que “a derrubada do governo do PT liderada pela oposição de direita é uma saída reacionária para a crise política”.

Um dos dirigentes do MAIS, Valério Arcary, se mostra coerente com essa premissa, ao afirmar recentemente, no debate ao redor do caráter da Lava Jato: “A melhor proposta é aquela que coloca as massas em movimento. Mas, de forma independente. Não como um vagão auxiliar do trem dirigido pelo inimigo de classe”.

No mesmo sentido, Valério também dizia ali: “Nada deveria ser mais importante para um socialista, portanto, do que favorecer a organização e mobilização independente dos trabalhadores. (...) A luta pela organização independente é uma luta contra a influência que as ideias burguesas têm sobre o conjunto da sociedade, portanto, também, sobre parcelas dos próprios trabalhadores.”

Não poderíamos estar mais de acordo. Mas por que então não transformar essa definição em política concreta? Por que privilegiar alianças com aqueles que, na contramão disso, cantam hinos de louvor à Lava Jato (Luciana Genro), e “teorizam” sobre a importância de Sérgio Moro como “expressão de Junho” (Roberto Robaina)?

A Lava Jato é um divisor de águas na política brasileira e deve ser encarada assim pela esquerda

No artigo já citado, o companheiro Valério afirma muito corretamente: “a esquerda socialista precisa resistir à pressão da maioria burguesa que venceu na luta pelo golpe parlamentar ’a la paraguaia’.
Esses são os que estão atrás do biombo da Lava Jato.”

E ainda:

“Sim, a Lava Jato tem muito apoio. Acontece que nem tudo que mobiliza os trabalhadores é progressivo, e muito menos, revolucionário. Ao contrário, as massas populares podem se mobilizar, transitoriamente, por palavras de ordem reacionárias.”

Aí está. Bem colocado. Uma verdadeira esquerda, alternativa ao PT, não irá surgir apenas chutando ele agora, que parece “cachorro morto”. Não nos iludamos: assim como a figura de Lula ainda segue viva, a ponto de gente como Temer, e mesmo FHC, manifestarem seu receio quanto ao efeito contraproducente de prendê-lo; também por baixo, nos movimentos sociais, o PT segue vivo, e mais, dá sinais de se reanimar na nova conjuntura de resistência social aos ataques dos golpistas. Uma “esquerda” pragmática, que comemora as vitórias da direita, e acha que está avançando em ritmo igual ao da derrocada petista, não apenas rompe com os princípios mais elementares de classe... mas se prepara ao mesmo tempo para dar com a cara no muro, inclusive do ponto de vista mais “pragmático”.

A tarefa agora é elevar essa questão colocada pelo companheiro Valério, de um argumento pedagógico num texto de propaganda, a um elemento de demarcação política prática. Quanto mais firmes formos nisso, mais se abrirá diante de nós o verdadeiro campo para o surgimento de uma esquerda independente, com influência em setores de massas, e penetração em todos os movimentos de vanguarda. Esse é o exemplo que vemos atualmente na esquerda argentina, cujas lições buscamos sintetizar após o histórico ato que lotou o estádio de Atlanta.

Se os companheiros do MAIS impulsionassem conosco um verdadeiro polo para lutar por uma saída independente para a crise política, e pela construção de uma alternativa anticapitalista e revolucionária frente à decadência do PT, esse polo poderia atrair o melhor da vanguarda brasileira, a começar pela linha de frente das batalhas que a juventude pós-Junho vem travando, e da resistência operária que certamente irá crescer diante dos ataques em curso. O Esquerda Diário, com seus cerca de 700 mil acessos mensais, ocupando um espaço politico de enfrentamento contra a direita de forma independente do PT, em luta política tanto contra a esquerda seguidista do PT como também contra a “esquerda Lava-Jato”, mostra que é possível avançar por esse caminho sem cair no isolamento sectário nem nas pressões oportunistas.

Que obstáculos há para isso?

Dizemos da maneira mais fraternal que se isso não ocorre, é porque o MAIS vem se mantendo tributário de uma tradição muito negativa da esquerda brasileira, e não só dela, de separar a tática da estratégia como se fossem âmbitos separados, estanques. Ou seja, ao invés de ver na tática a expressão viva da estratégia, como em Lenin e Trotski; ela se torna, ao contrário, um âmbito totalmente autônomo da mera política pragmática, enquanto a estratégia “paira” sem se concretizar.

Isso se manifesta, na superfície, pela adaptação mais ou menos acrítica que os companheiros do MAIS expressaram com relação às candidaturas majoritárias do PSOL, e isso não só em relação a Freixo no Rio, mas mesmo a Erundina em SP e Luciana Genro em Porto Alegre, apesar da trajetória burguesa da primeira, e das coligações e programa direitista da segunda. Adaptação aqui não significa que não se faça críticas aqui ou ali; significa ver se há uma disputa real pela direção do movimento, ou não.

Arriscamos dizer que esse problema vai além. Vista isoladamente, na campanha eleitoral talvez ainda houvesse a má justificativa de que a corrente estava privada de legalidade, atada formalmente ao desmoralizado PSTU, e assim impelida a abraçar qualquer fenômeno que expressasse alguma “vida” na esquerda.

Porém a prática política de seguidismo ao MES, a organização que mais defende Sérgio Moro, vem de antes. A confluência política entre ambas as organizações em torno do programa de "Eleições Gerais", já surgiu na primeira aparição pública do MAIS. Com a diferença de que, de lá pra cá, os perigos desse programa apenas cresceram, já que na atual situação a política de “Eleições Gerais” é funcional aos objetivos da Lava Jato, de facilitar uma espécie de reconfiguração pela direita de todo o sistema político. Qual o sentido de romper com o PSTU pela sua adaptação à direita via “Fora Todos”, para dar as mãos à corrente que se orgulha de se adaptar à mesma direita via “Lava Jato”? Não é incoerente?

Essa questão nos remete inclusive a uma polêmica de meses atrás, quando um artigo no Esquerda Diário provocou quase uma “rebelião” nas fileiras do PSTU, apenas por levantar a hipótese de confluência entre PSTU e MES num novo partido. Ora, logo depois adveio a ruptura de metade do PSTU, dando origem ao MAIS que agora conflui dessa forma com... o MES. A indignação à época não seria pela base de verdade que existia naquela hipótese?

Nós do MRT chegamos a propor nossa entrada no PSOL no início da crise política, e lançamos candidaturas anticapitalistas pela legenda do partido, dialogando com todo o fenômeno político que se expressa por via dele, buscando construir aí uma ala anticapitalista. Não defendemos uma política sectária, e por isso reafirmamos que os avanços da FIT na Argentina mostram que é possível avançar sem rebaixar o programa ou se adaptar ao neorreformismo ou à centro-esquerda.

Há espaço para uma política independente no Brasil hoje

Enquanto finalizamos este artigo, o governo golpista de Temer luta para se equilibrar, sem ter conseguido recompor a economia, sem popularidade para bancar os ajustes exigidos pelo grande capital, e sem conseguir se desvencilhar das mesmas denúncias de corrupção que foram usadas para tirar o PT do poder.

É nesse marco que a esquerda tem a chance de organizar setores mais amplos de jovens e de trabalhadores, com uma política que ataque a corrupção e os ajustes pela raiz, contrapondo a eles um programa anticapitalista, dialogando com a insatisfação de massas que se mantém em alta; enfrentando a burocracia sindical petista não somente no terreno sindical e da luta de classes, mas também no terreno político, onde com sua defesa de uma reforma política e de eleições gerais ela está trabalhando para que toda a oposição ao governo Temer seja capitalizada politicamente por um novo projeto de conciliação de classes. Para nós, a política mais consequente nesse sentido é lutar para impor uma nova Constituinte livre e soberana, rumo a um governo dos trabalhadores de ruptura com o capitalismo.

O chamado está no ar.




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