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ELEIÇÕES NA ARGENTINA | Debates programáticos na Frente de Esquerda da Argentina

Após as eleições primárias que elegeram os candidatos das eleições que ocorrerão no próximo domingo, as correntes que compõem a Frente de Izquierda nos dedicamos à elaboração de um manifesto programático atualizado. Em pouco tempo o PO decidiu abandonar a discussão e publicar sua própria proposta que retrocede em relação aos programas anteriores da Frente. A seguir, desenvolvemos os principais pontos do debate e sua relação com as diferentes estratégias para a FIT.

Matías MaielloBuenos Aires

quinta-feira 22 de outubro de 2015 | 00:44

Na troca posterior às eleições primárias, cada corrente apresentou sua proposta, e sobre esta base concordamos em encarar a unificação dos diferentes documentos, com uma proposta do PTS, logo emendada pela da IS. Logo após, como já explicamos, o PO decidiu abandonar a discussão sem maiores explicações e publicar unilateralmente sua própria proposta de programa em outubro, apresentando esta como um "manifesto da Frente de Izquierda".

Um retrocesso em relação ao programa da FIT

Entre os pontos fundamentais da proposta do PTS que acabaram sendo rechaçados explicitamente ou "no ato" pelo PO, estão: 1) A necessidade de uma delimitação politica com nome e sobrenome das correntes populistas latinoamericanas (chavismo, evomoralismo, etc.) e tmabém do neoreformismo europeu do Syriza e Podemos. 2) Uma definição clara de governo operário que fuja de qualquer ambiguidade, e uma sinalização explícita sobre a necessidade de acabar com o aparato repressivo do Estado Burguês. 3) Um posicionamento preciso de nossas consignas de que todo funcionário político ganhe o mesmo que um trabalhador, e que seja revogável, não são posicionamentos isolados, estão em função de facilitar a experiência das massas em direção a conquista revolucionária de um governo operário. 4) Uma delimitação clara da burocracia sindical e reivindicação das lutas da vanguarda operária no último período, manter a consigna clara contra a precarização de "efetivaçao de todos os terceirizados", a legalização irrestrita das drogas, entre outros. 5) Sinalizar a perspectiva de construção do partido revolucionário e a luta pela revolução. Todos esses eixos foram parte das trocas e podem ser vistos pela positiva na proposta do PTS (ver abaixo), assim como pela negativa, omitidos no programa publicado pelo PO. Apesar das diferenças entre o PO e o PTS em torno desses pontos que viemos debatendo em reiteradas oportunidades, pode acabar sendo chamativo para mais de um leitor o fato de que não tenha sido possível chegar a uma formulação comum sobre esses aspectos, ainda que fosse reiterando posições previamente acordadas em 2011 e 2013. Mas de um ponto de vista, se olharmos essa questão sob o prisma dos diferentes projetos estratégicos para a Frente de Izquierda que se expressaram nas PASO a questão se torna mais clara.

A insistência em diluir o programa da FIT em formulações cada vez mais gerais, e portanto "diplomáticas", é uma continuidade da posição do PO nas PASO que sustenta que o desenvolvimento da Frente passa por incorporar, sem um debate sério e prévio e uma prática comum, a agrupamentos que não compartilham do programa, como a corrente de Perro Santillán, Pueblo en Marcha, a CRCR, etc. Ao contrário, no PTS propomos e sustentamos que o avanço da FIT passa por aprofundar a intervenção na luta de classes e por abrir mais e mais suas fileiras à vanguarda operária, de juventude e do movimento de mulheres, defendendo com toda força o programa da Frente e com essa perspectiva debater com toda a organização de Esquerda que o compartilhe.

Esta é a explicação que encontramos para este retrocesso por parte do PO em vários dos pontos programáticos que já eram patrimônio comum da FIT, assim como para a negativa de avançar em fazer mais concretas várias posições programáticas que viemos sustentando. Segue uma sintética passagem sobre os principais pontos em debate.

É preciso chamar as coisas pelo nome

O desenvolvimento da Frente de Izquierda e a necessidade de nos prepararmos para o ajuste que os Scioli, os Massa, ou os Macri propõe implementar, não se criam no vazio. O capitalismo atravessa uma crise mundial desde 2007, que hoje golpeia diretamente nossa região e que colocou à prova a maioria das variantes que propõem “humanizar” o capitalismo mediante a conciliação com setores da burguesia.

Desde seu primeiro Manifesto Programático em 2011, a Frente de Izquierda colocava a “denúncia do caráter claramente capitalista de todos os governos latinoamericanos, desmascarando aos olhos dos operários, camponeses e estudantes o real caráter dos governos de Evo Morales [...] e de Hugo Chávez”.

É um claro retrocesso o fato de que o PO tenha se negado a fazer qualquer referência explícita a essas correntes, justamente neste momento, onde fica à vista de todos a impotência política desses estratégias de conciliação de classe. No caso das correntes nacionalistas burguesas como o chavismo, apesar dos discursos sobre o “socialismo do século XXI”, desde a queda do preço do petróleo, Maduro apelou a uma mega desvalorização, liquidando os salários dos trabalhadores. Essas políticas contribuíram para o fortalecimento da oposição burguesa pró-imperialista, que vem tentando dar golpes na Venezuela, como o de 2002 que enfrentamos e seguiremos enfrentando.

No caso das variantes mais de tipo “frentes populistas” como a de Evo Morales na Bolívia, que teve que partir da relação de forças imposta pelos levantes entre 2000 e 2005 e outorgar reconhecimento constitucional aos povos originários, forjou um pacto com a burguesia da “meia lua” do Oriente e continua a perseguição política contra os lutadores mineiros e da esquerda que protagonizaram a grande greve de maio de 2013 e que impulsionaram (contra o boicote à burocracia da COB) a formação do Partido de Trabalhadores. Entre eles se encontram correspondentes da organização irmã do PTS na Bolivia [nota do Tradutor, e do MRT no Brasil].

Outra coisa que devemos sinalizar pela negativa é a não inclusão no manifesto da FIT de um pronunciamento explícito sobre o Syriza e Podemos como principais referentes do neoreformismo na Europa. Mais ainda quando o governo Syriza, auto-denominado “de esquerda”, foi eleito para frear o ajuste, e a poucos meses de sua chegada ao governo se tornou o principal defensor do mesmo. Hoje o Podemos se prepara para seguir esse caminho, enquanto a nova formação Unidade Popular, após romper com Alexis Tsipras, coloca a necessidade de “voltar ao Syriza das origens” preparando uma nova frustração.

As lições sobre o fracasso dessas estratégias são da maior importância para os trabalhadores e para a esquerda, para muito além desses países. Já viemos colocando a importância dessa questão, em particular, para uma discussão séria com toda corrente que se aproxime da Frente de Izquierda. diferente do PO que propunha incorporar à FIT sem delongas correntes como a de Perro Santillán que se referencia em Evo Morales, ou Pueblo en Marcha que também reivindica o Syriza e o Podemos. A tentativa de retirar toda referência explícita , com nome e sobrenome, sobre esses governos não pode nada além de ir contra a clareza do programa da FIT e sua definição de independência de classe.

De qual governo operário estamos falando?

Os diferentes programas da FIT até esta data, tem sinalizado como objetivo a luta por “um governo dos trabalhadores e do povo imposto pela mobilização dos explorados e oprimidos”. Se trata de uma formulação geral mas que responde ao acordo a que pudemos chegar na Frente.

Entretanto, outra “novidade” programática do PO foi deixar de lado, apesar de nosso apontamento, a segunda parte da formulação, a que diz “imposto pela mobilização dos explorados e oprimidos”. Essa mudança se concretizou no programa que publicaram recentemente. Porque? Não explicaram, entretanto, o único efeito concreto da nova formulação é deixar a maior ambiguidade possível e sujeito a interpretações diversas, nada mais nada menos que a posição de poder dos trabalhadores pela qual lutamos.

No mesmo sentido, foi a negativa do PO em incorporar essa posição, incluída nas declarações anteriores da FIT sobre a necessidade “de substituir o aparato repressivo deste Estado, que está a serviço dos exploradores, por organizações dos próprios trabalhadores no caminho da luta por seu próprio governo.”

Ao contrário, quanto mais avança a Frente de Izquierda eleitoralmente, mais relevantes se faz reafirmar o sentido antiburguês e anticapitalista que tem nossa posição de “governo dos trabalhadores e do povo”. Deixar claro que a classe trabalhadora não pode se valer simplesmente do Estado burguês tal qual ele é para perseguir seus próprios objetivos, mas deve derrotá-lo e colocar de pé seu próprio poder. Toda a experiência do século XX, em relação aos governos chamados de “Frente Popular”, inclusive o governo de Allende no Chile dos anos 70, deixou mostras de sobra sobre esta questão.

Por esse motivo que em repetidas oportunidades, incluindo a atual, a partir do PTS insistimos sem êxito, na necessidade de fazer mais clara nossa posição programática.

Reafirmando que o governos dos trabalhadores e do povo pelo qual lutamos será imposto necessariamente pela mobilização dos explorados e dos oprimidos, e por sua vez, explicitando que esta deverá “dissolver as atuais forças repressivas garantidoras da ordem capitalista para substituí-las pelos trabalhadores fazendo-se responsável por sua própria defesa (milícias operárias) para garantir as bases de uma nova ordem, onde governo uma assembleia nacional de conselhos dos trabalhadores e do povo pobre com deputados eleitos a partir dos locais de trabalho ou moradia.”

Este desenvolvimento não colocamos como “condição” para um programa comum, nem antes nem agora, entretanto, o retrocesso por parte do PO em relação às formulações originais da FIT não fazem mais que deixar uma margem ampla para interpretações oportunistas, como que um governo operário poderia surgir da evolução das instituições burguesas a partir de um triunfo eleitoral da FIT.

As consignas democráticas na luta pelo poder operário

Como sinalizamos em outro artigo, na campanha das PASO viemos avançando em destacar o caráter combativo e de classe, da consigna que a FIT vinha levantando de “que todos os funcionários políticos recebam o mesmo que uma professora”, ligando-a ao aporte de nossos deputados às lutas operárias e populares.

Nesse sentido, víamos como necessário dar conta do avanço que tivemos na crítica ao regime político burguês e explicitar em nosso programa que as consignas, como de que todo funcionário político ganhe o mesmo que um trabalhador ou seja que seja revogável, a dissolução do senado e da presidência, etc. (inspiradas na Comuna de Paris e retomadas por Lenin no Estado e Revolução) não são posições isoladas, mas estão claramento em função de facilitar a experiência em direção à conquista revolucionária de um governo operário com as características que sinalizamos no ponto anterior. Um diálogo parecido ao ensaiado por Trotsky no “Programa de ação para a França”.

Ainda assim, o PO passou de desvalorizar publicamente esse tipo de consignas a ligá-las em seu manifesto programático a uma “inovadora” consigna de lutar “Por um governo representativo frente a um Congresso de câmara única e revogável”, que eleva a ambiguidade sobre os objetivos da FIT ao absurdo.

E a burocracia? e as lutas operárias?

Não deixa de chamar a atenção que o “manifesto programático” do PO, que inclusive publica no nome da FIT, careça de qualquer alusão à burocracia sindical, um inimigo cotidiano de todo trabalhador que queira se organizar para lutar por seus direitos e que enfrentamos todos os dias. É mais chamativo ainda, sendo que esta questão não foi parte do debate, já que a proposta original do PO a incluía.

Poderia-se dizer muito mais sobre a ausência das principais lutas da vanguarda operária do último período. Naquele momento criticamos o PO pela ausência em sua proposta original, de qualquer referência à lutas emblemática como Lear, Donnelley, ou Wordcolor, sendo inclusive muitos dos principais protagonistas candidatos da FIT.

Ainda assim, o “manifesto” que o PO publica oficialmente, não apenas são omitidas estas mas todas, inclusive as da linha 60, azeiteiros, e Cresta Roja que aconteceram anteriormente. Tampouco há referência alguma às históricas mobilizações contra a violência machista (“NiUnaMenos”).

Todas as omissões “inovadoras” em relação às declarações programáticas da FIT, onde a crítica à burocracia e a reivindicação das principais lutas do momento são um aspecto “tradicionalmente” inevitáveis de constar nas declarações.

Podemos falar mais ainda da retirada do manifesto do PO da consigna de “efetivação de todos”, que aparece em cada um dos programa da FIT, e sua sobstituição por “que os corpos de delegados supervisionem os contratos trabalhistas”. Essa mudança é sintomática se levamos em consideração que é uma das questões que diferencia a prática do PTS no SEOM de Jujuy (e por todos os lados) à prática da corrente de Perro Santillán, por exemplo, que propicia uma “desprecarização” por etapas, onde primeiro passa-se a ser “jornalizado” (contrato precário sem carteira assinada) deixando a contratação efetiva para uma segunda etapa.

“Frente Única” e programa

Em recorrentes oportunidades chamamos a atenção sobre o perigo de transformar a tática de frente única em um “princípio supremo”, como dizia Trotsky. A negativa do PO de avançar em um manifesto comum, inclusive sobre a base de programas que acordamos anteriormente, representa um novo capítulo desse mesmo debate sobre as estratégias para a FIT.

Dizíamos que para o PO o desenvolvimento da FIT passa por incorporar agrupamentos que não compartilham de seu programa, sem um debate prévio sério nem uma prática comum, com a consequência de diluir o caráter de independência de classe da Frente de Izquierda. O retrocesso programático do PO nos pontos que fomos sinalizando ao longo desse artigo demonstra isso.

Para nós, ao contrário, a flexibilidade tática da política de frente única por objetivos imediatos da luta, como fazemos cotidianemente, vai de encontro com a intransigência programática e a defesa com unhas e dentes do caráter da FIT.

O erro do PO é duplo se levamos em consideração o caso de Jujuy. A FIT segue unificada na província graças à proposta unitária do PTS de incorporar o PO na rotatividade de cadeiras apesar de que ficou de fora da mesmo pela baixa votação de sua chapa “Unidade” em aliança com Perro Santillán. Assim, a FIT unida terá que enfrentar nas eleições de outubro a chapa de Santillán (o principal aliado “extra-frente” que o PO reivindica). Cade dizer ainda que sua presença na eleição torna mais difícil superar o piso proscritivo de 5% na província para que a FIT (incluindo o próprio PO) entre na legislatura.

O avanço da Frente de Izquierda não passa por “seduzir” por fora do programa e da prática suposto aliados que acabam sendo adversários, mas por desenvolver uma grande campanha unificada em todo país para fortalecer uma alternativa de independência de classe com a força dos trabalhadores, das mulheres e da juventude contra os partidos patronais que se preparam para o ajuste. Este é o desafio que temos adiante.




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