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Debates no Polo Socialista e Revolucionário, entre MRT, PSTU e CST, sobre a Guerra na Ucrânia

André Barbieri

Debates no Polo Socialista e Revolucionário, entre MRT, PSTU e CST, sobre a Guerra na Ucrânia

André Barbieri

Reproduzimos a seguir a fala de André Barbieri, dirigente do Movimento Revolucionário de Trabalhadores (MRT), doutorando em Ciências Sociais pela UFRN, editor internacional do Esquerda Diário e membro do comitê editorial do Ideias de Esquerda, em debate sobre a guerra na Ucrânia promovido entre as organizações que compõe o Polo Socialista e Revolucionário, uma iniciativa para batalhar por uma política de independência de classes nos processos de luta e também nas eleições. Você também pode acessar o debate completo ao final do artigo.

Créditos da imagem: @garatuja.isa

Assista aqui a fala de abertura de André Barbieri:

"Em primeiro lugar, acho muito importante a realização deste debate entre organizações que hoje constroem o Polo Socialista e Revolucionário, batalhando juntas por uma política de independência de classes nos processos de luta e também nas eleições. Neste marco, nós do MRT achamos fundamental que entre nós possamos também debater a situação internacional frente a acontecimentos tão centrais como a Guerra na Ucrânia, debatendo abertamente as diferentes posições, como forma também de contribuir para o avanço da luta e organização dos trabalhadores. Vou colocar nossa visão sobre a guerra e também comentários sobre as posições dos companheiros do PSTU e da CST, pois é necessário colaborar com os trabalhadores ucranianos na busca pela independência de classe.

Bom gente, essa guerra reacionária já dura mais de um mês, com grande devastação, fome e miséria para a população ucraniana em função dos bombardeios de Putin, com saídas muito difíceis para cada um dos atores. As tropas russas continuam seus ataques brutais, grotescos, em diferentes partes do país. A OTAN segue as sanções econômicas contra a Rússia, bem como o envio de armas e recursos ao governo pró-imperialista do Zelensky. Enquanto isso, as negociações tem um resultado ainda incerto.

Nesse cenário complexo, duas tendências principais se desenvolveram diante da guerra na Ucrânia.

Por um lado, o grosso da centro-esquerda mundial está se curvando à propaganda da grande imprensa, que tenta usar o justo repúdio à invasão reacionária do Putin para apresentar a OTAN como uma defensora da paz e da democracia. Uma OTAN que foi criada em 1949 contra a URSS para ser um pilar do domínio norte-americano com histórico de intervenções imperialistas, também no Leste europeu, na Iugoslávia, Bósnia, Kosovo, entre outros. Agora, busca consolidar a expansão da OTAN para o Leste, tentando transformar a Ucrânia numa base militar. Essa operação anda de mãos dadas com o rearmamento das potências imperialistas, como a Alemanha, que incrementou em 100 bilhões de euros seu orçamento de guerra, mas também dos EUA (Biden assinou o maior orçamento de defesa da história), e o armamento de países da OTAN como Letônia, Estônia, Lituânia, e Polônia. Um rearmamento que abre caminho para guerras de maior envergadura.

Por outro lado, em uma escala menor, a propaganda promovida por alguns partidos chamados comunistas (da tradição stalinista, o PCB e do PCdoB), setores do PT, o chavismo e outras correntes populistas em todo o mundo procuram apresentar o Putin – e um bloco com a ditadura da China – como uma espécie de alternativa ao imperialismo, em que a invasão da Ucrânia seria uma medida necessária de “defesa nacional”. A verdade é que o Putin encabeça um regime burguês bonapartista que se relaciona com os países menores e mais frágeis da região retomando a tradição de opressão nacional do czarismo russo, interferiu recentemente na Bielorrússia e no Cazaquistão para apoiar governos reacionários desafiados por mobilizações populares, esmagou militarmente o povo na Chechênia e interveio para apoiar regimes sanguinários como o do Bashar al-Assad na Síria.

Esse é o pano de fundo sobre o qual se desenvolvem as discussões entre aqueles que se reivindicam parte da esquerda anticapitalista e revolucionária.

Primeiro, definamos cientificamente com que tipo de guerra nos deparamos. Não se trata nem de uma guerra inter-imperialista, como foram as duas grandes guerras mundiais, nem uma guerra em que todo o bando imperialista esteja de um lado e a nação oprimida de outro, como no Iraque em 1991 e 2003, ou no Afeganistão em 2001. Nesta guerra específica, seu caráter é definido por dois elementos centrais e simultâneos: de um lado, um país semicolonial como a Ucrânia está sendo invadido e bombardeado pela Rússia, um país capitalista que atua como uma potência militar em sua região de influência com o reacionário nacionalismo do Putin – Rússia que, ainda não sendo parte de nenhum “bloco anti-imperialista” como dizem os stalinistas, é um país economicamente débil e não pode ser classificado como um imperialismo; de outro lado, os imperialismos da OTAN instrumentalizam o conflito para expandir sua presença militar na região, participam ativamente no envio de armamento e apoio logístico ao governo ucraniano, e ainda que na Ucrânia não tenham enviado soldados, sim enviaram tropas terrestres aos países do Leste europeu membros da OTAN, e aplicaram duras sanções econômicas, sendo os trabalhadores russos os primeiros a sofrerem suas consequências com demissões em massa.

Em outras palavras, vemos uma guerra em que a Ucrânia, uma semicolônia agredida pela invasão reacionária do Putin, tem alinhado atrás de si o conjunto das potências imperialistas, em 1º lugar os EUA . É uma guerra distintas das “clássicas” que conhecemos, e pelo caráter da direção político-militar, não pode ser comparada com guerras de libertação nacional, que antes de mais nada são anti-imperialistas, o que não exclui o direito de defesa contra a agressão russa.
Diante disso, não é possível ser neutro a nenhum dos dois bandos reacionários do conflito, muito menos apoiar um dos lados, é preciso combater duramente ambos os atores centrais. Frente a esse cenário concreto nós do MRT, que somos parte da Fração Trotskista pela Quarta Internacional, nos posicionamos desde o início em repúdio à guerra reacionária, pela retirada das tropas russas da Ucrânia, bem como contra a OTAN e pela retirada de suas tropas da Europa do Leste, rechaçando o rearmamento imperialista.

Partimos aqui na mesa de um ponto comum de rechaço à política stalinista de saudar o reacionário Putin e sua invasão. Mas essa não é a única posição equivocada. O PSTU, que é parte da LIT, e a CST, parte da UIT, possuem uma posição comum, que se expressou em declaração conjunta, em que o papel da OTAN no conflito, embora seja denunciado, é secundarizado, como se não fosse um ator central que teria grandes implicações na definição de uma política independente. A conclusão disso é reduzir o conflito a dois atores: a Rússia e o “povo ucraniano”, e isso aparece em algumas formulações, como é o caso da CST, para quem a OTAN quase inexiste, ou para o PSTU, pra quem a OTAN vive uma “crise de identidade, sem poder justificar sua existência” – ou seja, o maior bloco militarista-colonialista do mundo estaria com dificuldade de existir... No seu site o PSTU chega a achar normal (até esquerdizar) uma medida bonapartista do Zelensky, que colocou o país sob lei marcial, de proibir partidos que não lhe agradam, uma medida repressiva que, independente do espectro ideológico atingido, sempre se volta contra os trabalhadores. O regime ucraniano não é fascista, mas tampouco a questão se reduz ao tamanho dos grupos: o Zelensky se dirigiu ao parlamento grego citando um dos membros do neonazista Batalhão de Azov, e ironicamente, para falar sobre a "luta contra o fascismo". PSTU e CST defendem as sanções que geram demissões e o envio de armas, uma posição que compartilham com o Secretariado Unificado mandelista (do qual o MES é seção simpatizante), que tem uma posição pacifista de retorno ao status quo anterior à guerra. Em síntese, PSTU e CST compartilham as mesmas posições gerais e a consigna central de sua declaração é “Fora as tropas de Putin e da Rússia na Ucrânia! Apoio à resistência popular do povo ucraniano!”.

Nessa declaração comum, PSTU e CST defendem a “derrota militar da Rússia no conflito”, ao que o PSTU acrescenta que isso “fortaleceria e inspiraria o movimento de massas”. Gente, se a vitória da Rússia seria uma coisa desastrosa para a classe trabalhadora internacional, o triunfo do imperialismo norte-americano não teria um efeito melhor sobre a luta de classes: não só fortaleceria a presença da OTAN no Leste, tornando a Ucrânia um vassalo ocidental, mas daria prestígio à burguesia ucraniana, por sobre a independência dos trabalhadores. O que isso tem de inspirador? A “política guia as armas”: uma derrota da Rússia só poderia ter um caráter progressista nessa guerra se viesse pelas mãos da classe trabalhadora, com uma política independente do Zelensky e do Biden. Ou a “democracia a la OTAN” é um bom resultado para os trabalhadores? A democracia do rearmamento imperialista até os dentes pode influenciar positivamente a luta de classes? Claro que não.

No afã de se posicionar (corretamente) contra a invasão russa, essa política comum do PSTU e da CST acaba por fazer o jogo do campo imperialista da OTAN, ou seja, uma variante daquela primeira grande corrente de opinião que mencionei. O fato de não ter tropas na Ucrânia não significa que o imperialismo não esteja intervindo ativamente no cenário ucraniano, nem que a autodeterminação ucraniana possa ser conquistada fora da luta aberta contra o imperialismo norte-americano e europeu. Para enfrentar a invasão, uma política independente do governo pró-imperialista do Zelensky e das forças nacionalistas reacionárias não é algo que “vem depois”. Não adianta fazer uma denúncia acessória à OTAN, e no programa agir como se ela não fosse um ator direto. É necessário incluí-la como um fator ativo do conflito e da definição do programa. Na ausência disso, o PSTU e a CST se reduzem a repetir com palavras próprias a propaganda da grande imprensa ocidental (armas, sanções), que ecoa o programa imperialista.

A guerra, como diz Clausewitz, “é a continuação da política por outros meios”. A política que Putin “continua” na guerra é recriar para a Rússia um status de potência baseado na opressão dos povos vizinhos. A política que a OTAN “continua” no conflito é incrementar sua expansão ao Leste para cercar a Rússia, debilitá-la e até mesmo semicolonizá-la. Dentro disso, a burguesia ucraniana “continua” sua política de subordinação pendular a uma ou outra potência. Dessa forma, ao contrário do que dizem PSTU e CST, não existe hoje no cenário ucraniano uma “resistência de caráter operário-popular”, que exigiria enfrentar simultaneamente o governo de Zelensky que implementou um regime de exceção de lei marcial no país. Não dá pra escolher qual resistência você apoia: a que existe está, atualmente, capturada pelo imperialismo da OTAN.

Neste contexto, é bastante infrutífero reduzir o problema de uma política independente, como fazem PSTU e CST, a uma prova de tiro ao alvo, em que a questão central é “pra qual lado atirar”. A lógica simplista do “agressor e a vítima” é: ou a gente está “no campo militar” ucraniano junto com a OTAN, ou a gente cai nos braços de Putin. Esse reducionismo militarista do fenômeno da guerra em geral, e dessa em particular, inverte a relação de subordinação da guerra à política, resulta numa capitulação ao ponto programático de uma política anti-imperialista independente, e mais que isso, milita contra uma solução ao problema da autodeterminação nacional. Se a questão é estar dentro da “resistência militar do povo ucraniano”, eu pergunto: de que lado dela, numa população dividida por uma guerra civil anterior? Se a questão é “exigir armas” como dizem PSTU e CST, elas seriam para quais milícias: para as milícias separatistas pró-russas, ou para as milícias de extrema-direita no exército ucraniano, como as do Batalhão de Azov? Putin já fez o primeiro, a OTAN o segundo. Se a guerra é a continuação da política por outros meios, apoiar os esforços militares de um dos bandos reacionários é ser cúmplice de sua política.

Justo por isso, consideramos que o ponto de partida para uma política independente é integrar a questão nacional colocada na Ucrânia com a reacionária invasão do Putin, com o mais firme combate anti-imperialista contra a OTAN e as potências ocidentais, convocando a unidade da classe trabalhadora mundial e a mobilização internacional contra a guerra. Na Argentina, a corrente irmã da CST, Izquierda Socialista, critica o PTS e essa nossa abordagem na FT dizendo que ela é “derrotista” e que favorece a invasão do Putin. Já estive num debate com o Fábio Bosco do PSTU e sua argumentação é bem parecida com a da CST: o suposto “abstencionismo” da FT levaria ao campo russo. É uma crítica que parte da confusão sobre o caráter da guerra, que não corresponde à própria política, e serve para esconder o campismo pró-OTAN dessas organizações.

Importante lembrar que PSTU e CST cometeram erros políticos similares num processo distinto da guerra na Ucrânia, mas que também desafiou a esquerda quanto a uma política independente do imperialismo: o da Primavera Árabe. Dizem que sua política de apoio ao bando pró-imperialista da guerra civil síria (o Exército Livre Sírio), em nome de lutar contra o sanguinário Assad, foi a posição correta. A realidade na Síria, assim como na Líbia, no Egito, etc. é mais complexa: mostrou a catástrofe dessa política de adaptação às oposições burguesas aos governos de turno, que pela mão do imperialismo desviaram os iniciais processos populares e deram a eles desenlaces reacionários, e que levou o PSTU a apoiar os bombardeios da OTAN na Líbia ou a repressão do Exército egípcio à Irmandade Muçulmana. A mesma lógica foi seguida por PSTU e CST durante o Euromaidán na Ucrânia em 2014: em nome de se opor a autocratas pró-russos, acabaram por considerar uma “revolução democrática” a queda do regime de Yanukovich realizada por uma coalizão que ia desde os partidos da oposição liberal pró-ocidental até a ultradireita neonazista, que fortaleceram a ala pró-ocidental da burguesia ucraniana, hoje com Zelensky. Esse posicionamento frequente não é acidental. PSTU e CST compartilham o fundamento teórico da “teoria da revolução democrática” do Nahuel Moreno, que sustentava que diante do “fascismo e dos regimes contra-revolucionários” era necessário estabelecer como objetivo “uma revolução no regime político para conquistar as liberdades da democracia burguesa, mesmo que fosse no terreno dos regimes políticos da burguesia”, já que, como toda revolução em nossa época seria em si mesma “inconscientemente socialista” segundo Moreno, não é “obrigatório que seja a classe trabalhadora e um partido marxista revolucionário quem dirija o processo da revolução democrática rumo à revolução socialista”.

Os problemas democrático-nacionais não podem ser resolvidos por opções burguesas, menos ainda aquelas financiadas e armadas pelo imperialismo. Mais que tudo, a Primavera Árabe e a Ucrânia mostraram que a separação entre a luta pelos direitos democráticos e a luta anti-imperialista é um beco sem saída para o movimento de massas. Desde suas primeiras formulações da teoria da revolução permanente, o Trotsky argumentou que mesmo em um país onde o proletariado constituía uma minoria, como a Rússia, sua hegemonia era uma condição para “a resolução integral e efetiva” dos objetivos democráticos, necessariamente ligados a transformações estruturais, que entrelaçavam numa dinâmica permanentista a revolução democrática e a socialista. As últimas décadas ampliaram o significado dessa tese, e a Ucrânia hoje torna a necessidade de uma política anti-imperialista independente mais atual para resolver os problemas nacionais, incluído o da autodeterminação.

Pra finalizar, batalhar pelo surgimento de uma política de independência de classe, que não permita que o enfrentamento a Putin seja instrumentalizado pela OTAN, é a chave para reerguer o movimento operário no mundo. Não importa quantas armas estejam circulando, é só a unidade do povo trabalhador a nível internacional pode ser capaz de derrotar a invasão de Putin, defender a autodeterminação do Donbass, sem trocar uma mordaça por outra, superando essa submissão pendular promovida pela burguesia ucraniana entre a Rússia e a OTAN. Na defesa da retirada das tropas russas, contra as tropas da OTAN no Leste e seu rearmamento, a luta pela autodeterminação do povo ucraniano está intimamente ligada à perspectiva de um governo de classe trabalhadora, de uma Ucrânia operária, socialista e independente."

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André Barbieri

São Paulo | @AcierAndy
Cientista político, doutorando pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), é editor do Esquerda Diário e do Ideias de Esquerda, autor de estudos sobre China e política internacional.
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