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ECONOMIA MUNDIAL | Crise econômica e coronavírus: os "espíritos caóticos" sairão da lâmpada?

Paula BachBuenos Aires

segunda-feira 16 de março de 2020 | Edição do dia

Grande parte do jornalismo e dos economistas mainstream globais têm uma tendência natural a assumir ou a relatar os problemas da economia - e da política - capitalista como provenientes de "fora". Primeiro o triunfo do Brexit e depois o de Trump. Mais tarde, a "guerra comercial" entre os Estados Unidos e a China e, agora, o coronavírus e o conflito entre a Arábia Saudita e a Rússia quanto ao petróleo - responsáveis imediatos pelo atual cataclismo das bolsas de valores - parecem surgir como "raios em céu claro" ou, em sua versão mais moderna, como "cisnes negros". Mas quando todos os cisnes são negros ou quando os raios se multiplicam em um céu claro, parece que está na hora de pensar que essas aves estão mudando de cor ou que, por trás desse céu aparentemente sereno, há algum tipo de tempestade.

Evidentemente existem fatores contingentes - além das múltiplas teorias da conspiração - capazes de desencadear as tempestades que, neste caso, devem ser entendidos como as condições de particular dificuldade da recuperação econômica pós-Lehman (2008). As tendências atuais da crise econômica mundial, que emergem como ameaça mais aguda desde a crise do euro de 2010/2012, exigem uma recapitulação de algumas dessas debilidades e do modo como determinados fenômenos específicos podem amplificá-las ou acelerá-las, desencadeando forças que excedam até a própria duração desses fenômenos. Vejamos.

Coronavírus e retração econômica

É claro que a epidemia de coronavírus desempenha um papel claro no desenvolvimento das tendências de retração da economia mundial neste momento. A China - aparente origem da doença - surge - até agora - como o caso mais estridente. Após o início do surto em dezembro na cidade de Wuhan, ela enfrenta a perspectiva de crescimento zero ou negativo durante o primeiro trimestre do ano. Segundo o Índice Gerente de Compras (PMI), a atividade industrial se contraiu em fevereiro a uma taxa ainda pior do que durante a crise de 2008/9. No entanto, se a princípio se via a China como a principal vítima econômica, a epidemia parece estar sendo controlada no país asiático ao mesmo tempo em que o governo - não sem riscos - começaria a dispor medidas para a reativação econômica. No entanto, o virtual “congelamento” da China, fornecedora de 20% dos bens intermediários comercializados globalmente, destacada exportadora de produtos eletrônicos, químicos e de transporte e, por sua vez, grande compradora de alimentos e matérias-primas, além de importante "exportadora” de turismo, gerou efeitos praticamente imediatos nos núcleos da economia mundial. A queda nas exportações de bens intermediários traduziu-se, segundo a UNCTAD [Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento], em um declínio das exportações de bens finais principalmente da União Europeia, dos Estados Unidos e do Japão, mas também da Coréia do Sul, de Taiwan, do Vietnã, de Cingapura, do Reino Unido e do México, entre vários outros países. À medida que a epidemia se espalhava, a Itália - que, com suas regiões produtivas, financeiras e turísticas mais importantes estando paralisadas, está à beira da recessão -, o Irã e a Coréia do Sul foram duramente atingidos.

Em resposta à retração econômica e à incerteza, as bolsas de valores mundiais iniciaram um curso de colapsos - em alguns casos sem precedentes desde a crise de 2008. Aliás, um sinal da dependência - em última análise - da valorização dos ativos financeiros e dos movimentos da economia real. Ou, em outras palavras, uma constatação de que o capital fictício - ao qual roubando um termo de Harvey poderíamos chamar de "anti-valor" [1] - que explica boa parte do aumento do preço desses ativos, não se sustenta sem substrato de valor - ou seja, sem bens e serviços produzidos na economia real. Acompanhando a retração econômica, o preço do petróleo também iniciou uma forte tendência de queda que levou a uma reunião da OPEP [Organização dos Países Exportadores de Petróleo] a avaliar um corte na produção. O fracasso desta instância, em que a Rússia se negou a cortar a cota e a Arábia Saudita respondeu aumentando a produção, está na origem imediata do colapso do preço do petróleo que, combinado com um salto na profundidade e extensão da epidemia do coronavírus, desencadeou na última “segunda-feira negra” que alterou todas as bolsas de valores do mundo. Evento que foi seguido pela declaração de uma "pandemia" pela OMS [Organização Mundial de Saúde], pela decisão do governo italiano de colocar toda a população em quarentena, pela decisão de Donald Trump de suspender voos entre a Europa e pela continuação do colapso catastrófico das bolsas, que não deu trégua até sexta-feira, com um pico alarmante na última "quinta-feira negra".

Esse processo, como de costume, é acompanhado pelo chamado "vôo para a qualidade". Em outras palavras, a fuga de capital para ativos "mais seguros", como os títulos do tesouro norte-americano, fator que aumenta seu valor e diminui seu rendimento [2]. Como parte do mesmo processo, o dólar valorizou, as outras moedas desvalorizaram e os preços das matérias-primas caíram, que geralmente são as principais fontes de exportação na maioria dos países "não centrais" e dos latino-americanos em particular.

Tendências recessivas

Agora, além de seu efeito desencadeante, seria difícil - e injusto - culpar o coronavírus ou a queda do preço do petróleo pelas tendências recessivas que se instalam na economia mundial. Diria o mesmo para a tentativa de culpar, alguns meses atrás, a mal definida "guerra comercial" entre os Estados Unidos e a China, cujos motivos profundos nunca estiveram no comércio [3]. Tendo em conta o substrato geral de debilidade da recuperação econômica após 2008, a origem das tendências recessivas deve estar situada aproximadamente nos anos 2013/2014. Nesse biênio, iniciou-se uma reversão dos dois principais fatores que evitaram um resultado catastrófico logo após a queda do Lehman. Fizemos repetidas referências a essa combinação que Adam Tooze define muito bem: enquanto os Estados Unidos mostravam seu poder financeiro global resgatando não apenas seus próprios bancos, mas também os europeus, a China mudava qualitativamente seu lugar, apresentando-se como um fator-chave de sustentação da economia mundial [4]. Porém, essa virtuosa combinação começava agora a se desarmar. A China estava entrando em um caminho de crescimento mais lento e os Estados Unidos se propunham a tirar as medidas monetárias expansionistas [5]. O lento porém definitivo retrocesso dessa combinação, que havia tido o peso de um gigante, expôs as profundas fraquezas estruturais que se arrastavam desde o início da recuperação: o fraco crescimento do investimento, da produtividade e do comércio mundial. Em 2016, observamos uma recessão quase mundial e, se nos anos seguintes uma recuperação da economia foi combinada com os gigantescos cortes de impostos de Trump, as tendências recessivas nunca pararam de sobrevoar a médio prazo. Além disso, os limites dessa combinação “virtuosa” e a perspectiva de uma maior estagnação econômica, deram lugar a profundos transtornos no terreno da política, a um claro aprimoramento das contradições geopolíticas e, nos últimos tempos, a um avanço qualitativo da luta de classes.

Certamente, embora os efeitos imediatos não causem tendências recessivas, atuam sobre elas e podem promover sua consumação. De fato, a forma comercial que o conflito entre EUA e China adquiriu retraiu, é claro, os índices de crescimento do comércio mundial. E o coronavírus - principalmente - está se tornando um fator desencadeador, cuja duração e intensidade parecem depender em grande parte da magnitude da retração econômica em curso, assim como da possibilidade de que se transforme em recessão aberta. Ainda que não podemos descartar que seu simples estímulo seja capaz de desencadear e combinar perversamente as fraquezas latentes na economia.

Dívida: risco público e privado

Se durante a crise de 2008/9, a evidente linha de falha eram os bancos inundados de perigosos instrumentos construídos sob as bases das hipotecas subprime, a principal linha de falha hoje parece estar concentrada principalmente na bolha de dívidas públicas e corporativas que se desenvolveram expansivamente ao calor das dificuldades de recuperação.

O FMI[Fundo Monetário Internacional] aponta que a dívida mundial total - que inclui a dívida pública mais a privada - atingiu 226% do PIB [Produto Interno Bruto] em 2018. Na maioria dos países, os índices de endividamento público são historicamente altos. No caso das economias avançadas, representam, em média, quase 90% do PIB, superando os índices anteriores a 2008. Enquanto que, nos países que o FMI define como "mercados emergentes", eles subiram para níveis semelhantes aos das décadas da década de 80 e 90 e, nos países que define como "baixa renda", aumentaram de maneira contínua. No entanto, o que surge como novidade é a combinação do crescimento da dívida pública com o da dívida privada das empresas em particular. No entanto, há uma distribuição desigual da dívida privada entre os países, de acordo com o FMI. Em termos gerais, o índice de endividamento empresarial nas "economias avançadas" já é igual ao nível máximo alcançado em 2008. Mas, enquanto na Espanha e no Reino Unido há um processo de redução da dívida, o endividamento empresarial nos Estados Unidos tem crescido constantemente desde 2011 e já havia atingido o nível mais alto de todos os tempos no final de 2018. O FMI aponta o crescente uso da dívida como um instrumento para assumir riscos financeiros (financiamento de distribuições de dividendos, recompra de ações e fusões e aquisições) e a dívida de alto grau especulativo como uma tendência comum observada em algumas das principais economias. Uma questão que - sempre de acordo com o FMI - poderia ampliar os shocks se as empresas deixarem de pagar ou decidirem recorrer a cortes de investimentos para reduzir a dívida. O FMI conclui que, ao contrário do que acontecia antes da crise financeira mundial, os riscos não estão concentrados exclusivamente no setor privado, mas também no setor público, devido em parte às consequências não resolvidas da crise de 2008/9. Os níveis excessivos de dívida privada aguçam a vulnerabilidade a shocks e poderia levar a um processo abrupto e oneroso de redução da dívida, mas a redução da dívida no setor privado pode, por sua vez, tornar-se um fardo para um setor público já sobreendividado.

O Banco Mundial, por sua vez, destaca que a atual onda de dívida difere das três anteriores, tanto devido ao acúmulo simultâneo de dívida pública e privada, quanto à presença de novos tipos de credores (por exemplo, atualmente 50% da dívida pública nas economias "emergentes" e "em desenvolvimento" está nas mãos de investidores não residentes) e porque não está limitada a uma ou duas regiões. Embora no caso dos países "não centrais" parte do aumento da dívida tenha sido estimulado pela China, cuja dívida representa cerca de 250% do PIB, se excluímos a China deste grupo, a dívida duplica o nível nominal registrado em 2007.

Nesse contexto, se, como prevê uma nota do Financial Times - entre várias outras -, Wall Street continuar em "território de baixa" - isto é, se mantiver ou exceder sua queda de mais de 20% desde seu pico em fevereiro de 2020 - e efetivamente pôr fim aos 11 anos de ganhos financeiros quase sem precedentes após a crise de 2008, a situação das dívidas corporativas pode se tornar um aspecto de extrema fragilidade. Diante do declínio das ações, grandes empresas de empréstimos poderiam retirar dinheiro para preservar a liquidez - como a Boeingfez recentemente. Uma questão que poderia se combinar com uma onda de inadimplência por um número significativo de empresas tomadoras de empréstimo com negócios particularmente associadas ao petróleo, à aviação e à hotelaria, todos os setores seriamente afetados pelas características particulares da retração. É uma realidade que a situação dos bancos - e particularmente dos estadunidenses - hoje se difere muito da situação de 2007/2008. Como observa o The Economist, o sistema bancário se encontra altamente capitalizado e o montante de dívida tóxica é limitado e fácil de identificar. Cerca de 15% dos títulos corporativos não financeiros foram emitidos por empresas petroleiras ou outras afetadas pela pandemia de coronavírus, como companhias aéreas e hotéis. No entanto, os riscos que surgem atualmente consistem na possibilidade de uma crise de liquidez em uma ampla gama de empresas em todo o mundo, uma vez que as "quarentenas" levam ao fechamento de fábricas e estabelecimentos. Uma "prova de estresse" baseada em empresas de capital aberto sugere que de 10 a 15% das empresas podem apresentar problemas de liquidez. Outra nota do Financial Times aponta que, embora a exposição direta dos bancos norte americanos à dívida petroleira represente apenas 2%, a exposição indireta a regiões e setores adjacentes poderia ser significativa. No entanto, como é evidente, a responsabilidade por esse emaranhado de dívidas também não pode ser atribuída ao coronavírus ...

Sobre dívidas e "taxa de renda futura esperada"

De fato, parece haver uma ligação bastante estreita entre a proliferação de dívidas e créditos corporativos - ambos gerados por empresas de diferentes magnitudes - por um lado, e as dificuldades do crescimento do investimento que, por sua vez, explicam o baixo aumento da produtividade e do comércio mundial, como as debilidades estruturais mais profundas subjacentes à recuperação pós-2008/9. Vejamos.

Há alguns anos, o economista e colunista do Financial Times, Martin Wolf, destacou a existência de um superávit estrutural da poupança em relação aos investimentos originado nos setores corporativos dos países de alta renda. A combinação de ganhos fortes [6] e um enfraquecimento do investimento como característica da recuperação pós-crise 2008/9, explica o aumento do excedente de poupança das empresas. Sempre segundo Wolf, é um fenômeno que, por um lado, limita o crescimento da oferta potencial como conseqüência de um investimento relativamente fraco, por outro, afeta a demanda agregada, ou seja, a demanda de consumo e de investimento. De modo tal que, se o setor empresarial sofrer um superávit estrutural da poupança em relação ao investimento, outros setores terão que compensá-lo com déficits estruturais. Em conclusão, se o investimento é fraco e os ganhos grandes, explica o autor, o setor empresarial surpreendentemente se torna um financiador líquido da economia. Como é evidente, essa questão estabelece um vínculo entre o baixo investimento e o excesso de poupança, por um lado, e a criação de dívidas, por outro. Na minha interpretação, também ajuda a explicar a existência concomitante de grandes empresas credoras e empresas devedoras de menor tamanho, tomadoras das famosas "dívidas corporativas".

Uma vez estabelecida a relação, no entanto, é necessário encontrar as razões pelas quais uma parte significativa do lucro das grandes empresas é transformada em dívida e não em novo investimento produtivo. Na minha opinião, o fenômeno está intimamente associado às escassas oportunidades para novos investimentos com uma taxa de lucro que os justifique. Sem espaço para desenvolver esse tópico aqui, vale apenas lembrar que o economista norte americano Alvin Hansen - consultor das administrações de Roosevelt e Truman - distinguia durante a década de 1930 as “pequenas recuperações” que emergem como conseqüência da necessidade de reposição do capital e o que ele definia como "uma recuperação completa" que requer um grande desembolso de capital em novos investimentos, o que, por sua vez, requer o desenvolvimento de novas indústrias e novas técnicas. A "taxa de renda futura esperada" - que chamaríamos de taxa de lucro, em termos marxistas - para novos investimentos constituía, segundo Hansen, o princípio ativo e dominante para estes dois tipos de recuperações. Presumivelmente, apesar dos extraordinários avanços no campo tecnológico e da ampla propaganda sobre o advento de uma "quarta revolução industrial" - a dinâmica de "uma recuperação completa" baseada em uma taxa de renda futura esperada "adequada", é o que está falhando atualmente. Os limites da relação complementar entre a China e os Estados Unidos - garantida em seu momento através da colocação de boa parte do excedente de capital do “centro” - deram lugar a um atrito crescente a partir de 2013/14. Essas tensões causadas em grande parte pela mudança na posição da China - do destinatário do capital internacional a concorrente por espaços mundiais de acumulação - ajudam a explicar as oportunidades cada vez menores para a transformação de lucros em novos investimentos lucrativos [7].

Por outro lado, o aumento das dívidas públicas deve estar associado, em termos do FMI, ao colapso econômico durante a crise financeira mundial de 2008/9 e às medidas adotadas em resposta a essa crise - ou seja, salvamentos bancários, medidas de expansão quantitativa, expansão fiscal em menor grau e grandes reduções tributárias atualmente. Por sua vez, nos países "emergentes" e "em desenvolvimento de baixa renda" - sempre em termos do FMI - o crescimento da dívida está intimamente ligado aos efeitos gerados pela queda nos preços das matérias-primas em 2014 e à necessidade do rápido crescimento do gasto. Ao mesmo tempo, o órgão destaca que os altos níveis de dívida pública e de déficit prejudicam a capacidades dos governos de implementar respostas fiscais sólidas, caso precisem sustentar a economia durante uma retração.

Como é bastante evidente, esse fenômeno de duplo endividamento, que surge como uma das mais importantes linhas de falha frente ao catalisador representado pela pandemia de coronavírus, está intimamente associado às debilidades da recuperação pós 2008/9.

Se Wall Street se calar...

Como já mencionado, vários analistas sugerem que o “bull market” [8] que caracterizou todo o período de recuperação nos Estados Unidos pode ter chegado ao fim. De fato, os surpreendentes cortes nas taxas de juros do Fed [Sistema de Reserva Federal dos EUA] e do Banco da Inglaterra não surtiram efeito, pesando mais no mercado de ações a declaração da OMS de uma "pandemia". O mesmo ocorreu com os estímulos monetários fornecidos pelo BCE e pelo Banco do Japão, embora não tenham cortado as taxas de juros no momento. Como observado em uma nota do The Economist, em particular na zona do euro, além da contradição de que sua economia mal está crescendo, seus bancos são melhores que em 2008, mas piores que os dos Estados Unidos, e as taxas de juros já se encontram abaixo de zero .

O governo Trump, seriamente ameaçado no ano em que disputa sua reeleição, declarou a "emergência nacional" liberando mais fundos federais para combater o coronavírus enquanto apresentava um acordo com os democratas no Congresso quanto a um pacote de estímulo econômico. Antes dos anúncios, as bolsas mostraram uma recuperação significativa na sexta-feira. Enquanto isso, como observa uma nota do The New York Times, a OMS declarava a Europa como "centro da pandemia" e as autoridades da União Européia anunciavam que permitirão que os países membros aumentem os déficits orçamentários para estimular o crescimento econômico. A França e a Alemanha, por sua vez, informaram seus próprios planos de estímulo, e a Itália poderia fazer o mesmo. Para avaliar o prognóstico da crise pelo menos no prazo imediato, é necessário considerar que, de certa forma, está colocada uma espécie de corrida de velocidade entre a capacidade e a qualidade dos estímulos, por um lado, e o avanço da pandemia, por outro.

Por sua vez, no contexto das nebulosas relações internacionais, está convocada uma reunião virtual do G7 para discutir a situação e as medidas a serem tomadas. É evidente que, no contexto atual, qualquer coordenação entre Estados - já extremamente trabalhosa, especialmente durante a chamada “crise do euro” de 2010/12 [9] - resultará um objetivo muito mais complexo de ser alcançado. Já existem sintomas como a indignação de Merkel com a decisão de Trump de suspender voos sem aviso prévio à Europa ou o recente tweet de um diplomata de Pequim, no qual ele afirma que o exército dos EUA implantou o surto de coronavírus na China. As ações "reais", no entanto, também acabarão sendo medidas pelo desenvolvimento e a gravidade da situação.

Um dos grandes dilemas colocados é que, sem o ritmo agitado de Wall Street, os fracos "fundamentos" da economia dos EUA certamente serão expostos. Assim como o crescimento do capital fictício depende, em última instância, de algum nível de dinamismo da economia real, é provável que uma economia real com fundamentos fracos efetue suas tendências recessivas sem o estímulo do primeiro. Parte disso foi vista internacionalmente quando os Estados Unidos começaram a reverter os estímulos monetários e a China entrou em um caminho de crescimento mais lento, conforme discutido acima. A quase recessão de 2016 está aí para provar isso. Se Trump, por sua vez, entrou no governo com um "plano" de aumento das taxas de juros, ele acabou instigando o Fed a reduzi-las e colocando a economia americana no "respirador artificial" dos cortes de impostos. Dois terços dos capitais que retornaram aos Estados Unidos para aproveitar esses estímulos estavam destinados a recomprar ações. Embora os cortes nos impostos impulsionaram a reativação do consumo, a continuação da criação de empregos de baixa qualidade e um crescimento pouco significativo do investimento não contribuíram para a recuperação das principais variáveis estruturais da economia dos EUA. A economia norte-americana depende em uma parte muito qualitativa da bolsa de valores e, com a economia chinesa muito enfraquecida, não há dúvidas de que os riscos para a economia mundial sejam significativos. Veremos.

[1] Tomamos emprestado o termo de David Harvey de maneira independente do conteúdo amplo e complexo do autor. Veja em Harvey, David, Marx, El capital y la locura de la razón económica, Buenos Aires, Akal, 2019.

[2] Embora o aumento no preço dos títulos tenha sido verificado nos primeiros dias do choque, nos últimos dias os preços das ações e dos títulos se moveram na mesma direção. Alguns analistas consideram esse movimento um fenômeno estranho que pode ser devido à falta de liquidez. Veja: "Irwin, Neil, Algo estranho está acontecendo em Wall Street, e não apenas a venda de ações", The New York Times, 12-3-2020.

[3] Para uma explicação ver, Bach, Paula, “Reflexiones sobre la “guerra comercial”, la economía mundial y sus derivaciones latinoamericanas”, Semanario Ideas de Izquierda, 8-12-19.

[4] Ver: Tooze, Adam, Crashed. How a Decade of Financial Crises Changed the World, New York, Viking, 2018.

[5] Bach, Paula, ob. cit.

[6] Este conceito de "ganâncias" não se corresponde, evidentemente, com o conceito marxista de taxa de ganância.

[7] Ver Bach, Paula, ob. cit.

[8] No jargão do mercado acionista, chama-se "bull market" o mercado em alta.

[9] Ver Tooze, Adam, ob. cit.




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