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CHINA-ÁFRICA | Contradições nas relações entre China e África

Em editorial publicado no dia 20 de julho o IFRI (instituto francês de relações internacionais), órgão do imperialismo francês, faz uma análise sobre a deterioração das relações antes aparentemente muito “amigáveis” entre China e África.

segunda-feira 27 de julho de 2015 | 16:39

Segundo o instituto “Se o início do século foi caracterizado pelo desenvolvimento exponencial das relações comerciais sino-africanas (que aumentou de US$ 10 bilhões em 2000 para US$ 210 bilhões em 2013), os problemas que começam a surgir parecem anunciar o fim da lua de mel Sino-Africana e retorno às duras realidades da economia globalizada.”

Num contexto de forte desaceleração da economia chinesa e de primeiros sinais de uma possível crise financeira do gigante asiático esse pode ser mais fator que impacte de forma negativa sua economia e os consequentes graves efeitos sobre a economia mundial.

O crescimento de um sentimento popular anti-chines

Em 2008, na Guiné Equatorial, dois chineses foram mortos por trabalhadores guineenses que protestavam contra as suas condições de trabalho. Este incidente ocorreu porque os trabalhadores chineses se recusaram a parar de trabalhar e participar de protesto organizado pelos guineenses. Em 2012, no sul da Zâmbia, o gerente de uma mina de carvão chinesa foi morto por dois mineiros zambianos.

Mais recentemente, em 2014, em Madagascar, duas pessoas foram mortas e nove ficaram feridas em confrontos entre gerentes chineses e empregados de fábrica de açúcar malgaxes. Exemplos deste tipo estão aumentando em toda África, conflitos trabalhistas violentos relativos aos salários e condições de trabalho dos povos africanos. As práticas de empregadores chineses têm sido denunciadas por muitas ONGs - incluindo a Human Rights Watch em 2011 - e, de acordo com o Instituto de Ética da África do Sul, o não cumprimento das leis trabalhistas pelas empresas chinesas é um dos principais causas de insatisfação dos africanos. Além disso, há a importação maciça de produtos chineses a preços muito baixos e também a chegada da força de trabalho chinesa (mais de um milhão de chineses vivem atualmente na África). Isso resulta em uma forte concorrência dos produtos chineses no mercado interno africano, consagrado pela presença de chineses nas empresas de pequeno porte em áreas rurais dos países mais pobres do continente (Lesoto, Suazilândia, etc.). Além da super-exploração do trabalho, a entrada de mercadorias chinesas no mercado Africano alimenta um sentimento popular anti-chinês . Em 2009, nos subúrbios orientais de Argel, confrontos entre comerciantes chineses e argelinos estouraram e muitas lojas chinesas foram saqueadas.

Os principais contratos na mira

A mudança de sinais na relação sino-africana também se estende a certos contratos de mineração e petroleiros, que estão agora ameaçados. No Gabão, em 2013, o Estado decidiu retirar os direitos de exploração de petróleo da Addax, a quem acusou de evasão fiscal e não-conformidade com as normas ambientais. No Chade, a refinaria Djermaya, construída pelos chineses em 2011, a pedido das autoridades do Chade, rapidamente tornou-se um assunto de tensão com o governo. Em janeiro de 2012, apenas seis meses após sua inauguração, o ministro do Petróleo do Chade anunciou o fechamento da refinaria, citando diferenças persistentes com o parceiro chinês sobre os preços de venda do produto no mercado interno e as violações da legislação de meio ambiente. As autoridades ainda declararam o diretor chinês da refinaria persona non grata no país. Finalmente, em Angola, o maior fornecedor de petróleo da China, em 2007, o governo cancelou um contrato com a companhia petrolífera chinesa Sinopec para construir uma refinaria no porto de Lobito - uma proposta de 3 bilhões de dólares - , enviando uma mensagem forte ao seu parceiro sobre sua determinação de renegociar contratos mais equilibrados.

Estas medidas, algumas delas drásticas, atestam a crescente desconfiança de alguns governos africanos em relação à China. Um dos ex-diretores do Banco Nacional da Nigéria, Sanusi Lamido, por exemplo, declarou: "Dessa forma, a China toma nossos bens primários e nos vende os manufaturados. Este foi a essência do colonialismo ". Esta relação comercial acentua a dependência e especialização das economias africanas em relação aos recursos naturais e dificulta os esforços de industrialização.

Incapazes de rivalizar em termos de competitividade, os países africanos vêem seu mercado doméstico invadido por produtos chineses em detrimento da produção local, quando ela existe. Portanto, não é de estranhar que entre os 15 países pesquisados pelo Instituto de Ética da África do Sul, os povos da África do Sul, Zâmbia e Nigéria foram os mais propensos a ter uma percepção negativa da presença chinesa e que o Presidente Sul-Africano Jacob Zuma apelou para um reequilíbrio das relações econômicas com a China.

Conclusão

No momento em que começam a aparecer fortes sinais de sobre acumulação de capitais na China esses primeiros elemento de resistência aos traços imperialistas desenvolvidos pelos asiáticos na África são notícias inquietantes para as autoridades chinesas, em sua busca por superar a sobre-acumulação através da exportação de capitais para zonas do planeta onde esses capitais possam ser investidos de forma mais lucrativa.

Um possível aumento das tensões e a resistência dos africanos a pressão imperialista exercida pela China forçará o gigante asiático a buscar outras saídas para tentar aplacar o aumento das contradições de seu desenvolvimento.

Uma maior utilização de suas “colônias internas” (conceito usado por Lenin em seu livro ‘O Desenvolvimento do Capitalismo na Rússia’ para denominar os setores dentro da própria Rússia ainda não submetidos a relações capitalistas de produção e que poderiam ser explorados pelos capitais russos) pode ser uma saída para tentar superar a sobreacumulação de capitais através da acumulação por ‘despossessão’ dos camponeses chineses (praticamente metade da população chinesa ainda é camponesa, fora das relações capitalistas de produção, portanto).

A grande contradição aqui é a resistência que já oferece o campesinato chinês a esse processo de despossessão, com elementos iniciais de resistência camponesa já aparecendo.

Outra saída ainda seria aumentar a exportação de capitais para a América Latina, onde os governos pós-neoliberais, para combater o fim de ciclo que enfrentam, buscam parceiros que possam contrabalancear a pressão dos imperialismos estadunidense e europeu. O problema aqui é que isso seria buscar subverter uma configuração geo-política há muito estabelecida, a América Latina sendo pátio do imperialismo estadunidense e esse tendo lugar cativo para suas exportações de capitais no sub-continente. Uma tentativa por parte dos chineses de subverter essas relações certamente levaria a um aumento das tensões, ainda muito iniciais, entre esses países.

Enfim, não existe saída fácil para as contradições acumuladas na economia chinesa e os sinais apontam para uma desaceleração cada vez maior do gigante asiático (ou pior, para uma efetiva crise econômica) o que teria impactos desastrosos para a cambaleante economia mundial.


Temas

China    Economia



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