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OPRESSÕES | Como marxistas podemos desenvolver plenamente uma estratégia de emancipação das mulheres

Na escola de verão internacionalista, realizada em Barcelona de 13 a 18 de julho, dedicamos um dia inteiro para a questão de "Gênero e Marxismo" para refletir e debater os grandes problemas das mulheres frente à crise.

quarta-feira 27 de julho de 2016 | Edição do dia

"Para os homens e mulheres que estamos hoje aqui, debater, refletir sobre os complexos problemas de gênero e nossa estratégia de emancipação desde o marxismo, é um grande desafio", disse Marta Clar, jovem militante do Pão e Rosas de Barcelona.

A jornada teve o objetivo de refletir sobre as bases estratégicas que nos permitirão avançar na construção de organizações amplas de mulheres, independentes do Estado capitalista e suas instituições na Europa, onde a maioria das mulheres, as trabalhadoras, estudantes, imigrantes, jovens estejam à frente da conquista de todos os seus direitos.

Para isso se desenvolveram oficinas sobre as questões cruciais que enfrentamos hoje as mulheres e setores LGBT e que atravessam os principais debates dentro do movimento feminista e de mulheres. A questão da prostituição, os debates sobre o movimento queer, as violências machistas, a enorme história de luta do movimento LGBT e seus desafios atuais, a atualidade das contribuições teóricas das revolucionárias marxistas como Rosa Luxemburgo, Clara Zetkin e Alexandra Kollontai, foram os principais temas.

Além de refletir e debater sobre esses grandes problemas, desenvolvemos posicionamentos e propostas programáticas, muitas delas em debate com as correntes atuais do feminismo muito influenciadas pelas ideias do pós-modernismo.

Como encerramento, refletimos sobre as estratégias de emancipação das mulheres e dos diferentes "feminismos" em debate, frente à atual crise capitalista, para a partir daí explicar nossa estratégia como marxistas. Explicamos os diálogos e controvérsias entre o marxismo e o feminismo, ao redor dos seguintes debates: gênero e classe, origens do patriarcado e seu desenvolvimento sob o capitalismo, e assuntos de emancipação da mulher.

Partimos dos diálogos e controvérsias entre o marxismo e o feminismo dos anos 60 e 70 frente à crise capitalista, que estão se reatualizando no calor de um questionamento, ainda inicial, do feminismo "institucional imperante desde a década de 80-90. O feminismo dos anos 60 e 70 era anti-institucional e surge em um contexto insurrecional a nível mundial com o Maio francês, o outono quente italiano ou as mobilizações pacifistas e estudantis nos EUA, entre outros.

As tendências mais radicalizadas foram impulsionadas por mulheres que vinham de outras organizações de esquerda ou movimentos emancipatórios, com experiências políticas e militantes de esquerda. Muitas delas eram marxistas, mas repudiavam a discriminação à qual eram submetidas em suas organizações políticas ( muitas de organizações guerrilheiras ou stalinistas, entre outras). E é assim que, em sua maioria, se desenvolve algo como um enfrentamento com os partidos de esquerda, particularmente com o stalinismo onde a ruptura entre feminismo e marxismo é muito forte.

Isto as levou a desenvolver organizações não hierarquizadas e espontâneas de mulheres (inclusive radicalmente separatistas), onde o objetivo central é a "auto-conscientização", que revelaria o significado político dos sentimentos, as percepções e as práticas naturalizadas na vida cotidiana. Este exercício de "auto-consciência" caminharia para a liberação sexual e a criatividade, que permitiriam então transformar as relações opressoras.

Retomamos criticamente esse debate e nos diferenciamos da estratégia do feminismo radical, para o qual não haverá mudança social sem uma revolução cultural que o preceda. Será nos anos 80 que o movimento feminista se reconciliará com as instituições (universidades, partidos, do Estado) deslocando a ação das ruas para outros âmbitos; questão que atravessa todo o movimento feminista atual, sendo hegemônicas as ideias do pós-modernismo com as quais também nos diferenciamos em relação aos grandes problemas atuais que debatemos nas oficinas.

Levar a cabo esses debates a partir do marxismo, nos obriga a nos diferenciarmos taxativamente de um "falso marxismo", o stalinismo, que Andrea D’atri, em seu livro Pão e Rosas chama "revisionismo anti-feminino", e colocar assim nossa estratégia emancipatória como marxistas. E explicar o papel que o stalinismo cumpriu na Europa como continuidade e reprodução das aberrações provocadas pelo regime de Stálin na URSS (sob o qual, entre outras coisas, se proibiu o aborto na União Soviética, se condenou a prostituição, e se criminalizou a homossexualidade).

"Esse foi o principal fator que levou a uma grande ruptura entre feminismo e marxismo. E um de nossos desafios é contribuir para a recomposição do marxismo com o movimento de mulheres e feminista, começando por limpá-lo das bandeiras do stalinismo, que teve um grande peso e tradição na esquerda europeia", disse Lilly Freytag, militante do Pão e Rosas de Berlim.

Além da oficina especial onde explicamos as contribuições teóricas de grandes mulheres marxistas, explicamos como as ideias do marxismo têm dado resposta, muito antes que o feminismo do século XX, a questões candentes como a prostituição, as tarefas domésticas, o amor livre e ideias enormemente libertadoras contra o matrimônio e a monogamia.

Para desenvolver nossa estratégia de libertação das mulheres, não começamos "do zero". Pão e Rosas é uma organização internacionalista que nasceu na Argentina, onde hoje conta com mais de 2000 mulheres, que se estendeu para o México, Chile, Brasil e Bolívia. E que temos o desfio, difícil mas de uma grande importância estratégica, de construir agrupações na Europa, onde estamos dando pequenos mas grandes passos.

Nos temos baseado na grande quantidade de elaborações e artigos de nossas companheiras latino-americanas. E principalmente no livro "Pão e Rosas. Identidade de gênero e antagonismo de classe no capitalismo", escrito por Andrea D’atri, fundadora do Pão e Rosas da Argentina. Um livro que já fui divulgado no Estado Espanhol, traduzido para o italiano, e que hoje estamos dando passos nas traduções para o francês e alemão e que vem sendo as bases fundacionais que nos estão permitindo avançar em nossa reflexão, como armas militantes para atuar ativamente no movimento de mulheres europeu. Também estamos dando os primeiros passos para atualizar essas elaborações ao calor dos debates específicos do movimento feminista na Europa e das principais referências feministas.

Além dessa intensa jornada, realizamos uma reunião de mulheres para coordenar nosso trabalho na Europa. Nos propomos grandes desafios, além de avançar na tradução do livro Pão e Rosas, continuar e aprofundar nossas elaborações reatualizando o marxismo ao calor dos debates do movimento feminista na Europa.

Trocamos diferentes experiências, como a intervenção na luta de classes, como foi o caso das greves da Panrico ou da Telefônica-Movistar no Estado Espanhol, assim como em dezenas de lutas onde nos propusemos a não somente dar visibilidade ao papel de protagonista das mulheres trabalhadoras, como também a atuar em comum com elas frente às demandas democráticas mais sentidas por todas as mulheres. O impacto que tiveram as mulheres da Panrico, em seus oito meses de greve, participando das manifestações pelo direito ao aborto ou contra os feminicídios, demonstra que a classe trabalhadora pode dar resposta aos problemas de todas as mulheres. E coloca um desafio a todo o movimento feminista e de mulheres: a aliança com todos os setores oprimidos da sociedade.

Nos propomos seguir atuando frente a todos os problemas da maioria das mulheres e das jovens, participando ativamente na luta por direitos básicos como o direito ao aborto ou contra as múltiplas violências machistas, contra o racismo e a xenofobia às mulheres imigrantes com uma perspectiva internacionalista e anti-imperialista. Contra a LGBTfobia.

"O movimento feminista atual, institucionalizado e depois de décadas de ter abandonado as ruas, se afastou da maioria das mulheres, que não vê no feminismo uma saída para os grandes problemas que deve enfrentar diante da crise. Muitas vezes nossas ideias vão na contracorrente das estratégias limitadas do feminismo atual. Mas nós falamos dos principais problemas das mulheres: o trabalho precário, a desigualdade salarial, a dupla opressão das tarefas domésticas, a violência machista muito legitimada pelas instituições, o tráfico e a mercantilização de milhões de mulheres no mundo. Por isso, temos o desafio de confluir com um movimento de mulheres que comece a radicalizar-se nas ruas. Para o qual não podemos rebaixar nossas ideias, mas sim, como mulheres marxistas, podemos desenvolver plenamente nossa estratégia de emancipação das mulheres", disse verónica Landa, militante do Pão e Rosas do Estado Espanhol.




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