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UFRGS | Ciências Sociais da UFRGS suspende aulas nessa terça-feira (22) para debater a situação nacional

Essa última terça-feira ocorreu um importante debate sobre a situação nacional no curso de Ciências Sociais na UFRGS. A partir de uma carta assinada por cerca de 100 estudantes, muitos professores e alunos aderiram ao chamado de suspender as aulas, parar um pouco e refletir os últimos acontecimentos em nosso país.

quarta-feira 23 de março de 2016 | Edição do dia

O debate foi intenso. Diferentes sensibilidades e reflexões sobre o que está acontecendo no país possibilitou uma rica discussão no curso. Tentarei, com esse texto, expor o tom geral do debate, expressar algumas das posições que apareceram e buscar dar continuidade para medidas como essas em busca de sínteses mais elevadas ou diferenciações mais claras sobre o que fazer nesse difícil momento. Não esperem imparcialidade - arma ilusória da grande mídia - colocarei a minha leitura do debate.

Apesar das diferentes nuances, primou o clima geral de que existe uma ofensiva antidemocrática de setores da direita em nosso país. A ideia de que o impeachment levado a frente por setores da sociedade como PSDB, do “partido do judiciário” de Sérgio Moro, da FIESP e outros segmentos, deve ser rechaçado pela população foi bastante pautada. O impeachment busca queimar o PT não para acabar com a corrupção ou algo do tipo, mas para avançar ainda mais contra direitos democráticos que existem na nossa frágil democracia, para levar a frente com uma rapidez ainda maior os ajustes que o governo federal vem implementando. Ou seja, ele busca tirar o PT do governo para colocar no poder outros grupos capitalistas ainda mais perigosos, talvez ainda mais corruptos.

A arbitrariedade da justiça e da mídia se torna algo ainda mais repugnante diante da completa paralisia com que julga casos de violência na periferia, contra as mulheres, contra a corrupção de outros grupos políticos, etc. Fica cada vez mais absurdo vermos juízes de primeira instância, como Moro, que não foram eleitos por absolutamente ninguém, não receberam sequer um voto, adquirir tanto poder assim em nosso país.

Golpe em curso?

Houve uma forte discussão sobre se estamos vivendo um golpe em curso ou não. Alguns estudantes independentes e grupos, como PSTU e PSOL, negaram a existência do golpe, colocando que o verdadeiro golpe já vem sendo dado pelo PT há anos, e se aprofundando no último período com os cortes na educação, aprovação da lei anti-terrorismo, ajustes, etc. Outros, como estudantes que não se organizam em nenhum grupo, do próprio PT, do PCdoB e do Levante, colocaram que se trata de um golpe em curso sim e que nossa principal tarefa no momento é juntar forças para deter essa ofensiva da direita.

Nós, do MRT, expressamos que existe um golpe em curso, diferente daquele muitas vezes propagado pro setores próximos ao governo, de que se trata de um golpe fascista ou militar. Trata-se de um golpe institucional que visa avançar em ataques antidemocráticos em nosso país. Após a ação coercitiva contra Lula, vem se alardeando a necessidade de se colocar o ex-presidente na cadeia. Longe de querer defender o líder carismático, símbolo do pacto de classes no Brasil, se a justiça e a polícia federal o atacam desse jeito, o que dizer do que podem fazer com as organizações e movimentos sociais da esquerda?

Mas a conclusão disso não pode ser uma defesa cega do governo e do PT, como primou nas palavras de ordem e faixas dos grupos governistas no ato do dia 18. Compartilhamos o sentimento de repulsa à direita reacionária dos que foram no ato e na necessidade de ir para as ruas lutar contra essa direita. Entretanto não creio que as coisas sejam tão simples. No momento em que estamos é necessário lutar contra o impeachment frontalmente, mas também denunciar os ataques que o governo federal vem implementando contra a população, bem como lutar por uma outra democracia, completamente distinta da tão degenerada existente hoje. Ao mesmo tempo não podemos negar a existência do impeachment como um forte ataque antidemocrático e sair às ruas sem confrontá-lo frontalmente, levantando uma palavra de ordem como Fora Todos! e eleições gerais, se colando com a direita que busca a saída de Dilma. Por isso exigimos que as marchas da esquerda, como a do ato do dia 1 de Abril, tenha como uma de suas consignías principais a questão do não ao impeachment.

Defendemos, portanto, que se lute por uma assembleia constituinte livre e soberana, que discuta a fundo os problemas do nosso país, que acabe com os privilégios da classe política e do judiciário, que cada político ganhe igual a um professor, que as empresas privatizadas sejam 100% reestatizadas, que não paguemos a dívida pública, etc. A lista de questões a serem resolvidas em nosso país é grande. Mas a vontade de mudar é ainda maior.

O que fazer?

Talvez essa questão tenha sido a mais sentida por todos nos debates. A angústia de um momento difícil como os que estamos vivendo vem crescendo e a busca por uma alternativa cresce. Em um dado momento do debate, uma estudante negra abriu uma ferida que poucas vezes é aberta nas salas de aula, nas conversas de corredor, em muitos debates do movimento estudantil, etc. - a realidade dos negros dentro e fora da universidade. Ela, e outras pessoas também de outras formas, expressou como muitas vezes fazemos discussões que parecem estar totalmente distantes da realidade da população, ainda mais da população negra. Enquanto fazíamos o debate da noite, um grupo menor de estudantes negros discutiam os problemas de agora que os cotistas recém ingressados na UFRGS encontram para poder minimamente estudar. A reitoria vem seguindo com uma série de entraves burocráticos de forma a impedir que os cotistas possam dar início aos estudos. Absurdo sem tamanho que exige uma resposta imediata.

Essa questão abre espaço para inúmeros outros problemas que os negros e negras de nossa sociedade vem sofrendo diariamente, com polarização política ou sem polarização política. A realidade é que enquanto os de cima se digladiam por uma parcela mais ou menos generosa do bolo da produção brasileira, os de baixo sofrem cotidianamente nos postos de trabalho precário, na terceirização, nos morros e favelas das grandes capitais, nos presídios desumanos que só crescem, etc.

É por essas e outras que os problemas do Brasil requerem saídas de fundo, tão profundas quanto os problemas. Sabemos que eles não serão resolvidos por aqueles que os criaram, muito menos por setores que querem aprofundá-los, como essa direita reacionária. Devemos confiar única e exclusivamente na nossa força para mudar as coisas.

Movimentos como os dos secundaristas de SP e Goiás, dos professores em greve do RJ, da recente ocupação da primeira escola do estado pelos secundas cariocas, dos operários que ocuparam a MABE, dos rodoviários de Porto Alegre, etc, podem dar uma luz nesse sentido. É daí que pode sair uma mudança. O movimento estudantil da UFRGS e outras universidades e escolas de Porto Alegre e do RS deve se inspirar nas mobilizações em curso e pensar o que podemos fazer.

Iniciativas como a de ontem são absolutamente necessárias nesse momento, devemos suscitar uma cultura de debates constantes não só em momentos pontuais, mas o tempo inteiro, nos corredores, nas salas de aula, nas conversas de bar, etc. É desse jeito que conseguiremos avançar para a construção de um movimento estudantil mais combativo e mais presente na vida dos estudantes. Ao término da atividade ficou decidido que faremos uma assembleia do curso para, a partir do acúmulo que tivemos nessa terça-feira, tirar posições do curso sobre o que fazer daqui pra frente. Haverá atos no dia 31 de março, convocado pelas mesmas forças do dia 18, e no dia 1 de Abril, convocado por vários grupos, como CSP-Conlutas, PSTU, CST e outros. O curso de Ciências Sociais precisa se posicionar sobre essas questões e tantas outras, como a situação dos coristas na UFRGS. Vamos todos a assembleia!




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