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OPINIÃO | Cidade Alerta, Balanço Geral: pílulas diárias de estímulo a chacinas e pra derrotar greves

Datena, o falecido Wagner Montes, e o super-reacionário e bolsonarista Sikêra Junior produzem diariamente pílulas de ideologia para disseminação nas massas. Se apoiam na angústia e raiva da população com as várias violências urbanas para promover uma carta branca às racistas chacinas policiais e uma oposição a toda organização e greve dos trabalhadores.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

terça-feira 25 de maio de 2021 | Edição do dia

Cidade Alerta, Balanço Geral, Brasil Urgente, Alerta Nacional são alguns dos programas televisivos no país com maior audiência no início das noites, e eles gozam desta posição faz anos. Enfrentar a situação política reacionária do país exige muitas coisas. Exige apoiar as greves que estão começando a acontecer, exige superar os freios de direções sindicais para que cada luta isolada se una a outra e ambas se fortaleçam, exige não confiar que inimigos, defensores de reforma da previdência como um FHC ou Maia tenham, sem sequer um pedido de desculpas, se tornado amigos. Mas também exige entender – e combater – transformações sociais e culturais do país que criam um caldo favorável à extrema direita. Uma dessas coisas são os programas de TV que clamam por “sangue& ordem”, se apoiando no medo e na raiva que muitos trabalhadores sentem diante da violência.

O medo de um assalto antes mesmo do sol nascer, levando um celular que ainda está em financiamento aparece em muitas conversas do dia a dia. O repúdio a ação de tráfico, milícias, e também os esculachos, assassinatos policiais. Todos esses fatos presentes, são habilmente explorados por programas televisivos para identificar supostos bandidos, quase sempre negros, defender sua perseguição sem julgamento (quando não execução), e fortalecer uma “ética” que resume o trabalhador a um sujeito que ou está em casa ou deveria estar dentro do espaço disciplinado por seu patrão.

O horário para este tipo de programa é escolhido a dedo. É aquele em que uma boa parcela dos trabalhadores chega em casa. É aquela hora de começar a preparar a janta, de colocar os pés pro alto para descansar do batente e também do ônibus lotado. Nesse momento de alívio, que milhões deixam sua TV ligada mas sem lhe dar muita atenção, entram em cena as tomadas ao vivo com narração frenética e entusiasmada (como nem mais se ouve no futebol). Entre o som das panelas milhões ouvem berros para que a polícia “cancele mais um CPF”, na expressão sanguinária do bolsonarista Sikêra Junior, para “cortar para o Águia que mostra a polícia militar de São Paulo perseguindo bandidos na Marginal”, etc.

Nesses programas reina a agressividade, a câmera invade a casa dos familiares atropelando suas vontades, adotando o mesmo expediente de uma polícia carioca nas favelas, e nestes programas as palavras da fonte policial é sentença. Se a polícia acusa, se a polícia persegue, bandido é. E bandido bom é bandido de CPF cancelado.
O país exibe grandes taxas de violência, algumas das maiores do mundo. Furtos, assaltos, e outras violências fazem parte do incômodo cotidiano. Quanto mais desemprego, mais pobreza, mais vemos isso acontecer. Mais vemos filhos de vizinhos, filhos de colegas entrarem por portas que despedaçam seu futuro para o lucro de outros, outros que via de regra estão muito longe dali.

Esses programas não enfrentam isso. Pelo contrário incentivam ideologicamente e tentam fortalecer um direcionamento de recursos estatais (e paraestatais) que é causador de mais violência. O Estado gera violência e com uma mão explícita destes programas. Há casos de bandidagem explícita, como o de um apresentador do Amazonas que contratava assassinatos para mostra-los ao vivo na TV, como denunciou a BBC e há até programa em canal de streaming. Mas o incentivo geral a que a polícia mate, para suprimir o direito a julgamento dos acusados, e a buscar mais e mais recursos para aparelhar as polícias é um sentido geral, tal como também é público e notório a ausência de críticas (quando não há elogios) ao lucrativo negócio das milícias.

Esses programas oferecem espetáculos para justificar parcelas cada vez maiores dos orçamentos públicos engolidas pelas polícias, chegando ao caso do RJ que já tem o maior orçamento de polícia do país (quase 50% maior que seu gasto em educação) e tem cada vez mais violência. É importante sublinhar aqui o inverso de um Cidade Alerta: quanto mais gasto com polícia mais existe violência. A polícia produz e lucra com a violência (tanto no nível legal como no ilegal). Esses programas incentivam isso, vivem disso, ajudam a eleger representantes disso (quando o próprio apresentador não vira candidato).

Mas essas violências não são as únicas que existem no país. Todo ano, segundo as estatísticas oficiais morrem 2400 trabalhadores por acidentes de trabalho, ou seja, aproximadamente a cada 3horas morre um. Mas nunca se vê uma pauta como essa. Essa pauta, que também não aparece na Globo, é inimiga dos lucros e dos governantes.

A palavra trabalhador aparece nesses programas somente como aquilo que cada morador de favela, periferia, especialmente se negro, tem que agitar na cara da polícia para não tomar um tiro: “não atire sou trabalhador”. Ou ainda um uniforme, uma carteira de trabalho para tentar uma retratação (que nunca acontece) da mídia que difamou ao vivo o parente morto. Se o trabalhador se organizar coletivamente, exigir qualquer coisa além de que não atirem nele (individualmente) aí esses programas tem uma resposta pronta: “vagabundos”, “grevistas que prejudicam toda a população”.

É isso que Datena tentou fazer com a juventude lá atrás em 2013 em enquete, é o que fez na última greve do metrô de SP, buscando primeiro elogiar os metroviários. Tentou não bater tão de frente com uma greve que apesar do ataque da mídia estava sendo apoiada pela população. Ele tenta se mostrar como alguém que “ouve o povo” para depois tentar jogar toda sua popularidade e audiência contra. Seu papel é de policial, no dia a dia, mas também nas greves.

Toda mídia produz ideologia. Produz uma visão da realidade. A visão da realidade produzida pela Globo é uma, pela Record é outra. Hoje em dia a Globo está buscando dar uma guinada em seu discurso e tenta – sem mudar nada – mostrar a “aceitação do outro”, a “inclusão” para chegar no velho ponto de partida. Outros canais apostam nesse jornalismo policial de extrema direita. Criaram uma fórmula que funde os antigos Boris Casoy e Gil Gomes. Ambas trabalham pela manutenção desse sistema social onde uma ínfima minoria vive com tudo de melhor que a humanidade produz e o restante não vive, sobrevive, para alcançar o próximo dia de trabalho ou, o próximo prato de comida em um país com cada vez mais gente passando fome.

A classe trabalhadora para se erguer como classe social que ofereça um outro projeto de sociedade, que negue e supere o capitalismo, precisará se livrar de cada influência da burguesia em suas organizações sociais, mas também em suas ideias. Oferecemos aqui uma parte bem inicial de uma batalha de ideias. Focamos aqui naqueles que clamam por “sangue & ordem” e que com seus berros carregam uma boa parcela da responsabilidade de cada tiro de fuzil no Jacarézinho, que dão mais uma apertada no cinto daquele que já está com fome. Não são os únicos que teremos que combater, mas não pode haver combate sério a Bolsonaro, Mourão, Castro, Doria, sem também desmascarar Datena, Sikera, etc.




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