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RIO DE JANEIRO | Casa Marx da Lapa lota para o lançamento do livro A Revolução e o Negro

No dia 22 de novembro a Casa Marx do Rio de Janeiro, na Lapa, esteve lotada para o lançamento do livro A Revolução e o Negro. No mês que marca a luta do povo negro, a Casa Marx foi tomada por negras e negros, trabalhadores de vários setores, estudantes de distintas universidades e colégios para debater a relação entre marxismo, luta contra o racismo e questão negra, a partir das reflexões trazidas pelo livro que reúne textos fundamentais para o tema. A mesa do debate foi composta pelo historiador e professor da UFRJ, Flavio Gomes, e por Carolina Cacau, militante do Quilombo Vermelho e do MRT, e professora do estado do Rio de Janeiro.

segunda-feira 25 de novembro de 2019 | Edição do dia

O debate se iniciou com a fala de Flavio Gomes, que ressaltou como os negros já durante a escravidão eram conhecedores das lutas internacionais, e se inspiravam nesses exemplos, como a revolução na Ilha de São Domingos (depois renomada para Haiti). Assim, Flavio Gomes relembra como no século XVIII foram encontrados no Brasil escravos libertos que se referenciavam em Jean Jacques Dessaline, um dos dirigentes da revolução haitiana. “Queria chamar a atenção para um aspecto que está presente no livro, e que tem uma dimensão histórica ainda mais antiga. Existe uma dimensão atlântica e internacionalista da questão racial no início do século XX, que está nos textos do Trotsky e principalmente do CLR James. E há vários estudos sobre a escravidão atlântica que destacam que há uma circulação de ideias desde o século XVIII. E o papel dos marinheiros nessa circulação, um documento localizado pelo Luiz Mot da Bahia em 1806 no arsenal da marinha, foram localizados dois libertos negros com a tatuagem do Dessaline. Detalhe é que Dessaline chega ao poder em 1804, e em 1806 já tem libertos com a tatuagem do Dessaline. Não existia internet, fakenews, e mesmo assim isso aconteceu. Teve uma circulação de ideias através dos marinheiros. O Thompson no primeiro volume da Formação da Classe Operária quando fala da sociedade de correspondência londrina que é a gênese das primeiras organizações da classe operária no final do século XVIII, ele mostra que nas reuniões haviam dois ex escravos africanos em Londres. É até interessante que no Caribe um sujeito escreve memórias em que diziam que não era bom falar de política na hora do jantar. Porque quem é que estava servindo a mesa? Os escravos africanos que estavam de olho. Então essa ideia de que a política era algo apenas das altas esferas, que não chegavam aos setores subalternos é demonstrada falsa pelos estudos. Não só chegavam como esses setores subalternos alteravam a sua compreensão e a potencializava”, afirmou Flavio Gomes.

Carolina Cacau seguiu o debate apresentando os textos do livro, e relacionando-os com a necessidade de articulação de uma estratégia revolucionária para responder aos desafios postos pela situação internacional e nacional. “Parte da contribuição deste livro é mostrar que o marxismo sempre tratou da questão racial. Está presente em discussões que vão desde os textos do Marx, passa pela história das internacionais comunistas. O negócio altamente lucrativo e violento que era o comércio de escravos, permitiu a burguesia acumular capital e estabelecer um poder econômico, que se desenvolveu em poder político. A classe que estava enriquecendo com a indústria na Europa, fazia isso a partir do capital acumulado pelo tráfico de negros no atlântico. E para sustentar o horror que inaugura o capitalismo, foi criada uma justificativa ideológica e teórica de inferioridade dos negros, ao racismo, o preconceito racial para justificar a escravização dos negros africanos. Mesmo com o fim oficial da escravidão, o racismo se mantem como estrutural e funcional para a manutenção do capitalismo. Para nós marxistas revolucionários, a raça e classe não podem ser separados mecanicamente, assim também como a questão de gênero, ou seja, a opressão racial e de gênero é uma ferramenta para a exploração do trabalho, e ainda que tenha suas manifestações na relação entre indivíduos, a vantagem de sua existência só se concretiza na relação entre as classes sociais. Portanto, o papel dos marxistas revolucionários é encarar as diferentes dinâmicas do racismo, da opressão de gênero e da exploração de classe para pensar uma política revolucionária que de uma saída de fundo para esse sistema de miséria e exploração”.

Após remarcar a importância dos novos fenômenos da luta de classes internacional no Haiti, Chile, Bolívia e Equador, Carolina Cacau destacou ainda a necessidade do povo negro retomar uma saída independente dos trabalhadores para a crise econômica, política e social que assola o país. “No Brasil temos hoje o governo Bolsonaro, fruto do golpe institucional, da operação da Lava Jato, que impediu o povo de decidir em quem votar com a prisão arbitrária de Lula, para impor ataques ainda mais duros do que o petismo vinha fazendo, com a brutal reforma da previdência, a reforma trabalhista, a lei de terceirização irrestrita, a entrega das riquezas da Petrobrá. A execução da vereadora negra Marielle Franco segue como uma ferida aberta do golpe institucional. Exigimos uma investigação independente para que verdadeiramente possamos saber quem mandou matar e isso só possível através de uma massiva luta por justiça. O assassinato do mestre de capoeira Môa do Katendê foi um símbolo da ascensão de uma extrema-direita racista e herdeira do golpe institucional. A repressão estatal que leva a vida de jovens negras como Ághata de apenas 8 anos, os índices assustadores de desemprego e precarização do trabalho que atingem, sobretudo, a juventude negra no Brasil são emblemas de como o avanço do racismo se materializa no cotidiano em um contexto de crise econômica. Não basta constatar as estatísticas dos negros, que ocupamos os piores postos de trabalho, não basta só denunciar que este estado no Rio de Janeiro, pelas mãos desse fascista e racista do Witzel que com sua polícia, assassinou mais de 2 mil pessoas, mata crianças, sendo o maior número de pessoas mortas num governo na história do Rio de Janeiro. Um Estado que permite que mais de 25% da população não tenha acesso a saneamento básico, que a crise empurra milhares de trabalhadores para o desemprego e empregos informais, que empurra a juventude para serviços ultra precários em aplicativos do IPhod, Rappy. E frente a isso, os principais partidos de esquerda, PT e PCdoB, CUT e a CTB, com anuência do PSOL, PCR, PCB, resolveram não enfrentar com os métodos da luta de classes todos os ataques que se intensificaram com o golpe institucional. Nós apoiamos a liberdade do Lula, sem dar apoio do PT, mas não podemos ser coniventes que o plano da esquerda seja que temos que esperar as eleições de 2022, ou as eleições municipais em 2020, que agora com o Lula solto, toda a energia e revolta do povo seja canalizada para reabilitar o gradualismo lulista, que veio acompanhado também do aumento da terceirização, do encarceramento em massa dos negros, da ocupação militar do Haiti, e hoje os mesmo militares que lideravam essas missões estão no governo Bolsonaro, como o general Augusto Heleno para conseguir um cadeira no Conselho de Segurança da ONU, neste governo colocou o exército na Mare, criou as UPP’s. Por isso, é tarefa da nossa geração, da classe trabalhadora, pra todos aqueles que enxergam no avanço da direita uma ameaça ao avanço da dignidade da vida, e aqueles que não se contentam com essa vida de miséria, se organizar e lutar para construir um partido revolucionário que impulsione a auto-organização dos trabalhadores”, finalizou.

Várias intervenções do plenário ressaltaram aspectos da luta anti-racista e da ligação com a necessidade de uma saída anticapitalista, constituindo-se então um rico e vivo debate. Em seguida a roda de samba Coração Batuqueiro iniciou uma festa, seguida pela intervenção do slam dos Poetas Vivos. O livro A Revolução e o Negro terá mais atividades lançamentos por todo o país, veja aqui.

Segunda-feira, 25/11 as 17h30 na USP

Também na segunda ocorrerá o lançamento na UFRPE, Campus Sede CEGOE Subsolo, as 17h30

Terça-Feira, 26/11 as 19h na UnB

Também na terça ocorrerá o lançamento na UFCG, as 18h30 no auditório da Letras

Quinta-Feira, 28/11 as 17h15 na UFRN




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