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BATALHA EM BRASÍLIA | Cai por terra o mito do brasileiro pacífico?

Passivo, ordeiro, indiferente, adestrado, burro e ignorante. Essas e outras variantes que já ouvi tantas vezes ao longo da minha vida, à esquerda e à direita, em geral dos mais velhos, mas sempre para apaziguar o ódio, vem caindo por terra pouco a pouco com os últimos acontecimentos no cenário político nacional.

sexta-feira 26 de maio de 2017 | Edição do dia

Se não caiu por completo, está caindo pouco a pouco, com velocidade cada vez maior. E os acontecimentos em Brasília nesse 24 de Maio comprovam isso.

Nunca tivemos uma revolução brasileira. De fato, não tivemos a nossa queda da Bastilha, nossa revolta de São Domingos, nosso próprio assalto ao quartel de Moncada ou a nossa tomada do palácio de inverno. Esses eventos aparecem em nosso imaginário como exemplos de um tempo e espaço distantes da nossa realidade. Mas tivemos os nossos Palmares, nossa greve geral de 1917, nosso levante operário do ABC, nosso Junho de 2013 e agora a nossa batalha campal da praça dos três poderes em 24 de Maio de 2017. Foram revoltas fortes que, do ponto de vista histórico, botam abaixo o discurso de que o povo brasileiro é pacífico e nunca teremos a nossa revolução.

Suspeito que ele tenha sido inventado pelas elites, ou pelos conformados e arrivistas. A quem serve esse discurso senão aos que detêm o poder? E não são apenas os poderosos que o reproduzem, mas também os cultos eruditos que ocupam os departamentos de humanas das nossas universidades, grandes conhecedores da história nacional e altamente especializados em apaziguar os ânimos de revolta da juventude. Quantas vezes não ouvimos em sala de aula que a população aceita os ataques do governo tranquilamente?

Acho que de agora em diante devemos ser mais determinados com quem repete isso. Apenas este ano 35 milhões de trabalhadores cruzaram os braços na greve geral do dia 28 de Abril. 35 milhões! É mais de 10 vezes o tamanho do Uruguai e se iguala ao número de habitantes do Canadá. É 17% de toda a população brasileira e bem mais se contarmos apenas a parte que trabalha. Estatísticas interessadas a parte, mais de 100 mil trabalhadores e jovens dos quatro cantos do país marcharam até Brasília nesse 24 de Maio. Imagine se tivesse sido organizado junto a uma paralisação de 3 dias ou uma semana?

A batalha que se deu na esplanada foi de fato surpreendente. Infelizmente eu, assim como tantos outros trabalhadores e jovens, não pude comparecer. Mas o orgulho de ver os milhares de combatentes não abaixarem a cabeça para a polícia e o governo é de encher o coração de esperança. As imagens do ato furando o cerco policial com determinação, das barricadas organizadas de prontidão, do povo gritando e se defendendo da repressão policial… Isso é ódio de se emocionar, ódio que por tanto tempo nos disseram ser patrimônio exclusivo dos franceses do século XVIII. Numa operação ideológica às avessas, o que é bonito além-mar, ou democrático na Venezuela, aqui é vandalismo. Mas esse discurso está caindo por terra também. A questão agora é como canalizar esse ódio para uma estratégia acertada.

Apenas ódio não basta. Apenas luta também não basta. É necessário força e uma estratégia acertada. Quantos processos revolucionários, preenchidos de fúria, revolta e muita luta não foram desviados por direções que instauraram regimes políticos tão ruins quanto ou ainda piores do que os anteriores? Quantas mobilizações não levaram os trabalhadores a confiarem em direções que se aliavam à direita por cima? A história é recheada de acontecimentos como esses. Peguemos o enorme levante do ABC ao final da década de 1970 como exemplo. Se era possível tomar o poder naquele momento ou não, eu não posso dizer. Mas que a greve dos operários, cuja liderança principal era de Lula, tinha força para voltar seus canhões contra o regime militar, isso sim. Mas a separação entre a “política” e os “interesses dos trabalhadores” vingou no momento, separação esta que até hoje o PT promove nos sindicatos. Recentemente soltamos um texto na revista Ideias de Esquerda, que aprofunda mais esse tema. O resultado foi a contenção daquele enorme levante operário com o objetivo de não derrubar os militares.

Entretanto o fato é que numa guerra, a escolha do nosso estado-maior é de fundamental importância. O mesmo para a política. Querendo ou não, neste momento em que se desenvolve a luta contra as reformas de Temer, o movimento de massas está sendo dirigido principalmente pelo petismo através da CUT, CTB, UNE, etc. A sua estratégia, assim como não foi na década de 80 com relação ao regime militar, não é a de derrubar Temer pela força dos trabalhadores e avançar contra toda a casta política de corruptos e capitalistas que querem descarregar a crise em nossas costas. E sim tentar pactuar uma saída, assim como foi na década de 80 sob o lema das Diretas Já, que restabeleça a “ordem” institucional e eleja um novo presidente, conservando os mecanismos de dominação das classes dominantes. E se utilizam do movimento de massas para isso, contêm a fúria operária e popular com esse objetivo.

Mas a eleição de um novo presidente não vai alterar de fato as regras desse jogo podre que é o regime político brasileiro, muito menos zerar os ataques já aplicados por Temer no último período. Lula mesmo já afirmou a necessidade de se “mexer na previdência”, manter um ajuste mais light… E se o grito dos milhares em Brasília fosse por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana ao invés de Diretas Já? E se todo esse ódio fosse animado por uma nova greve geral, construída desde baixo, que vá ainda mais além do que apenas 24 horas, para derrubar de fato o governo e todas as reformas? Com uma força dessas, poderíamos avançar inclusive contra os meios de comunicação que tanto mentem sobre nós e sobre os objetivos dos ricos.

Não se trata aqui de especularmos sobre o que poderia ocorrer num futuro imaginário ou num passado que nunca ocorreu, e sim de pensarmos o agora - de nos enxergarmos como sujeitos que no futuro lerão sobre nós, ouvirão sobre nós e, se tomarmos o caminho certo, terão orgulho de nós. Para isso precisamos não só de ódio e luta, mas de força e de estratégia. Nós do MRT, sob os acúmulos que o trotskismo internacional já nos trouxe, colocamos toda a nossa disposição nesse sentido. Parafraseando o próprio Trotsky, a crise do movimento de resistência contra Temer é a crise de suas direções. Seremos engolidos pelas reformas anti-populares e pelos pactos palacianos ou avançaremos com os históricos métodos da classe trabalhadora contra os ataques e o regime político de conjunto?




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