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ENCONTRO BOLSONARO E TRUMP | Bolsonaro entreguista renuncia pequenas concessões da OMC em troca de apoio dos EUA na OCDE

Para fazer parte do “clube dos países ricos”, Bolsonaro abriu mão da proteção comercial que a OMC concede a países em desenvolvimento, criando as condições para uma invasão de produtos importados ao mercado nacional.

quarta-feira 20 de março de 2019 | Edição do dia

Alan Santos/PR

Os governos do Brasil e dos EUA emitiram um comunicado conjunto no final dessa terça-feira, 19, onde o Brasil se compromete a renunciar os direitos a tratamento diferenciado nas negociações comerciais da Organização Mundial do Comércio (OMC) em troca do apoio estadunidense ao pedido de entrada na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).

O comunicado afirma que "O presidente Trump demonstrou seu apoio ao Brasil iniciar o procedimento de adesão para tornar-se um membro pleno da OCDE. Em consonância com esse status de liderança global, o presidente Bolsonaro concordou que o Brasil começará a renunciar ao tratamento especial e diferenciado nas negociações da OMC, em linha com a proposta dos Estados Unidos".

O ministro da Economia Paulo Guedes já havia afirmado em entrevista nessa terça que os EUA exigiam que o Brasil abra mão do tratamento especial destinado a nações em desenvolvimento na OMC para apoiar a entrada do Brasil na OCDE e confirmou as notícias que vinham circulando desde ontem.

Segundo Paulo Guedes, o representante de comércio dos EUA, Robert Lighthizer afirmou que “vocês tem que entender que para entrar na OCDE, vocês tem que abrir mão do tratamento especial e diferenciado que vocês tem na OMC”.

O que o representante da rapinagem comercial dos EUA chama de “tratamento especial e diferenciado” nada mais é que os mecanismos de proteção comercial estabelecidos pela ONU e pela OMC para evitar que países industrial e comercialmente desenvolvidos possam dominar ainda mais as relações comerciais com países atrasados, em estágios de desenvolvimento capitalista anteriores.

Esses mecanismos consistem em prazos maiores para se adequar a legislações negociadas no órgão, flexibilidades e exceções que, longe de trazerem justiça e equilíbrio para o comércio mundial, servem apenas com uma mínima proteção dos países subdesenvolvidos diante do poder e do dinheiro das potências imperialistas.

Esse mecanismo de proteção entrou na mira da administração Trump como parte da guerra comercial movida pelos EUA contra a China nos últimos meses, que enxerga nesses mecanismos uma forma da China não arcar com as limitações próprias de uma potência. O fim desses mecanismos também são vistos como uma grande oportunidade comercial para os EUA, que poderiam inundar os países em desenvolvimento com seus produtos manufaturados, prejudicando a indústria e o comércio locais e aumentando muito o desemprego.

A proposta estadunidense sobre isso é cuidadosamente recortada tanto para atingir a China quanto para abrir novos mercados comerciais. Propõe excluir dos mecanismos de proteção todos os países que fizerem parte da OCDE ou estiverem em processo de adesão, todos aqueles classificados como países de alta renda pelo Banco Mundial, todos os participantes do G-20 e de todos aqueles que corresponderem a 0,5% do comércio Mundial.

Com esses critérios maliciosamente escolhidos, os EUA pretendem diminuir a proteção comercial de países como Brasil, Índia, México, Chile, Argentina, Coreia do Sul, Turquia, Indonésia, África do Sul, Singapura, Arabia Saudita e, claro, a China, principal alvo americano. Os americanos visam principalmente o comércio eletrônico, que gira em torno de 27,7 trilhões e foi abraçado por 76 países no último período, mas também apontam suas armas para produtos agrícolas, afetando frontalmente os países emergentes, que dependem muito desse comércio.

A entrada na OCDE não trará nenhum benefício para os brasileiros

A OCDE é composta em sua maioria por países com elevados índices de PIB e IDH, por isso é conhecida como o “clube dos países ricos”.

Também exige de seus membros um completo comprometimento com políticas econômicas neoliberais, ponto que muito agrada ao reacionário governo de Bolsonaro, que enxerga na entrada do Brasil na OCDE a concretização da obsessão da extrema direita brasileira em juntar-se ao países de “tradição judaico-cristã”.

O governo Bolsonaro também enxerga a entrada na OCDE como uma forma de enterrar qualquer política externa de orientação sul-sul, voltada para o comércio entre países em desenvolvimento, definida por eles como uma política externa ideológica, pautada pelo socialismo, a despeito da maioria dos países do mundo, inclusive os da OCDE, terem investido em acordos comerciais com países em desenvolvimento na última década.

A entrada do Brasil na OCDE significaria uma forma de agradar também o setor mais extremista de sua base, aqueles chamados pela grande imprensa de “ideológicos” pois afirmam que esse é mais um passo na construção do “Brasil dos novos tempos”, uma demonstração inequívoca da mudança na política externa do país, que estaria abandonando os anos das trevas petistas. Dessa forma a agrada unifica as duas grandes alas do governo Bolsonaro, a ala ideológica e a ala neoliberal, de Guedes.

Buscando apresentar uma justificativa de forma mais pragmática tamanho empenho em entrar na OCDE, Paulo Guedes afirmou que enxerga a entrada na OCDE como um selo de confiança internacional no Brasil.

Entretanto, economistas consultados pela grande imprensa discordam e afirmam que a entrada na OCDE tem poucas vantagens para o Brasil enquanto a renúncia dos direitos na OMC certamente será desvantajosa para os interesses brasileiros. Também apontam que os EUA não fizeram essa exigência para outros aliados no passado, o que permite que países como Turquia e Coreia do Sul sejam membros da OCDE e mantenham seus direitos de negociar acordos comerciais enquanto país em desenvolvimento.

Além disso, o apoio americano para a entrada na OCDE não significa a entrada de fato do Brasil. Em abril de 2017 o presidente argentino Mauricio Macri conseguiu uma declaração de apoio a entrada da Argentina na OCDE semelhante a obtida por Bolsonaro. Quase dois anos depois, a Argentina permanece fora.

Por fim, ainda que o Brasil entre para o “clube dos países ricos”, isso faria pouca diferença prática uma vez que o Brasil já é parceiro-chave da organização desde 2007 e como tal tem acesso a maioria dos benefícios da organização, exceto o tal “selo de confiança” de Guedes, que pode ser muito importante para a especulação financeira na qual ele é especialista mas pouco afeta a economia real, da qual dependem a imensa maioria dos brasileiros.

Enquanto isso, diversos setores da indústria e do comércio que estão em estágios iniciais devem sofrer com uma concorrência desleal de produtos importados com maior facilidade, o que deve reduzir ainda mais a pífia recuperação da economia, causar fechamento de empresas ou de postos de trabalho e ampliar o já exorbitante número de desempregados no país, que passam de 12% da população.

Para além da renúncia na OMC, Bolsonaro fez questão de demonstrar sua humilhante submissão aos EUA ao aceitar que 750 toneladas de trigo americano possam ser compradas sem a devida tarifa de importação e não receber nenhuma contrapartida real, apenas a promessa dos EUA avaliarem e, talvez, permitirem que a carne bovina brasileira volte a ser vendida nos EUA. Com todas as tarifas de importação sendo cobradas, é claro.

Essas últimas medidas se somam a outra concessões anunciadas anteriormente, como a isenção da necessidade dos EUA terem que tirar visto para entrar no Brasil, isenção que irá causar uma perda de arrecadação de R$60 milhões, e o acordo que permite alugar o centro de lançamento espacial de Alcântara para os americanos. De quebra, Bolsonaro ainda voltou a ameaçar uma participar de um intervenção militar na Venezuela em conjunto com os EUA, mesmo contra boa parte do Alto Comando militar.

Com todas essas concessões, Bolsonaro demonstra, de forma clara e límpida, a sua disposição de atuar como braço do imperialismo americano na América Latina e busca sacramentar uma submissão total e vexatória do Brasil aos EUA, em prontidão contínua para realizar alegremente todo o desejo de seu novo senhor. Resta saber como os distintos setores da burguesia nacional vão reagir diante dessa submissão, uma vez que agora seus próprios interesses correm o risco de serem afetados pelo americanismo deslumbrado de Bolsonaro.




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