×

REFORMISMO | Bolívia: O MAS negocia pelas costas da grande rebelião contra o governo golpista de Áñez

A grande rebelião antigolpista está sendo negociada pelo MAS na nova lei eleitoral. Grupos direitistas atacaram com bombas e dinamites a sede da Central Operária Boliviana. Enorme repúdio popular a dirigentes da postergação eleitoral para 18 de outubro. Por uma estratégia independente para derrotar ao golpismo e satisfazer as demandas da saúde, educação e trabalho dos trabalhadores e o povo.

segunda-feira 17 de agosto de 2020 | Edição do dia

Foto: Massivo Cabildo em repúdio ao acordo do MAS e as burocracias MASsistas com o golpismo, 14 de agosto na Ceja de El Alto, Bolivia (Fuente: ElDefensorSocial)

Depois de mais de 10 dias de mobilizações e bloqueios, os golpistas graças a Assembléia Legislativa Plurinacional (ALP), e aos parlamentares do MAS, celebram estar pacificando o país pela "segunda vez" depois de haver promulgado a nova lei eleitoral que consolida o 18 de outubro como data limite para as eleições. Esta lei foi elaborada pelo MAS e o TSE (Tribunal Supremo Eleitoral) com mediação da Igreja Católica e das Nações Unidas assim como a autorização outorgada previamente pela dupla presidenciável do MAS, Luis Arce Catacora e David Choquehuanca, e pelo próprio Evo Morales; quem desde 7 de agosto chamavam a levantar os bloqueios.

Nas primeiras horas da madrugada a sede da Central Obrera Boliviana (COB) e da Federação de Mulheres Campesinas "Bartolina Sisa" foi objeto de atentado com dinamites e coquetéis molotov como parte ofensiva de grupos fascistizantes que se puseram em movimento para agredir as mobilizações e pontos de bloqueio durante estes últimos dias. O atentado se deu após que autoproclamada presidenta Jeanine Áñez promulgou a lei Nº 1315 que estabelece como data limite 18 de outubro para que se realizem as eleições nacionais. Mesmo assim, entre as disposições desta lei se propõe a abertura de processos penais a qualquer um que pretenda mudar a data ou postergar novamente as eleições.

A lei foi recebida com desconforto por parte da burocracia sindical massista da COB e do Pacto de Unidade que pediam que as eleições sejam em 11 de outubro. E enquanto esta burocracia colocava a culpa nos parlamentares do MAS da desmobilização, novamente foram quem tomaram em sus mãos a decisão arbitrária de desmobilizar ao enorme movimento de massas declarando uma trégua até 18 de outubro. Estas decisões foram repudiadas por dezenas de milhares de vizinhos, trabalhadores e camponeses mobilizados, nestes diversos pontos de bloqueio ao longo do país, que qualificaram esta medida como uma traição das e dos parlamentares e os dirigentes já que sua exigência era e é a renúncia de Áñez.

Vídeo: Conferência de imprensa da COB e Pacto de Unidade diante da aprovação da lei de eleições pela bancada do MAS (Fonte: Erbol).

Hoje pela manhã, os ayllus do Norte de Potosí que começavam a levantar os bloqueios expressaram seu repúdio à COB reclamando que não mobilizaram a todas as suas bases, particularmente aos mineiros. Por exemplo, no distrito mineiro de Colquiri, depois de uma assembléia na qual ninguém apoiava ao bloco golpista se determinou a mobilização dos 70 delegados e dirigentes, sem alentar a incorporação da greve geral de todos os trabalhadores, colocando em evidência a miserável estratégia de pressão do MAS e da burocracia.

Por outro lado na região conhecida como a "Ceja" da cidade de El Alto na sexta 14 de agosto se realizou um massivo cabildo (espécie de assembléia) no qual estiveram a Federação de Juntas Vecinais, a Federação campesina Tupak Katari das 20 províncias do departamento de La Paz, a Cofecay, a CONAMAQ, a Federação de Gremios de Transporte de El Alto, a Federação de Mulheres Bartolina Sisa, delegações de sindicatos mineiros e algumas organizações juvenis entre outros, e aprovaram seis pontos nos quais resolve como primeiro ponto a renúncia de Áñez; em segundo lugar exigem a aplicação da lei de representatividade. Como terceira pedem juizo de responsabilidades ao Governo de fato mas também, como quarto ponto declaram a defesa de recursos naturais da Bolívia diante das tentativas de privatização e entreguismo por parte de Áñez e seus ministros representantes da agroindústria.

Como quinto ponto pedem a ALP uma lei de garantias para todos os dirigentes das organizações da Bolívia que deve ser promulgada em um prazo máximo de 72 horas, diante das reiteradas ameaças, já bem conhecidas, por parte dos ministros da Defesa e Governo, de processar aos dirigentes sindicais que impulsionaram a mobilização, e que estão sendo acusados de ser responsáveis de 30 falecidos por falta de oxigênio que os golpistas atribuem aos bloqueios. Está claro que os golpistas não atuarão com a delicadeza que a burocracia do MAS atua frente a valentia golpista.

Finalmente, a sexta resolução estabelece continuar com as medidas de pressão declarando como traidores aos dirigentes da COB e do Pacto de Unidade. Assim mesmo, em Cochabamba se informava da continuidade de alguns pontos de bloqueio que rechaçavam a negociação que no entanto, no início da tarde terminou-se de levantar com grande discussão que expressava a raiva contra as direções sindicais.

A bancada do MAS que controla a ALP aprovou, antes do acordo eleitoral, um auxílio "contra a fome" de 1.000 bolivianos (aproximadamente 140 dólares) e que dobra o auxílio de 500 bolivianos que estava gestionando Jeanine Áñez. Também aprovaram uma lei de representação para as autoridades do Estado que impedem que possam abandonar o país até 3 meses depois da posse do novo Governo. Isso fizeram prevendo e descontentamento que geraria com o acordo mencionado que referenda a quarta prorrogação da data das eleições. Com esta atitude negociadora, o MAS se coloca diante da burguesia como o único partido que ainda tem um controle relativo do movimento de massas, já que o racismo e a extração social branco-mestiça do bloco golpista, os exclui da possibilidade de incidir do movimento de massas com outros métodos que não sejam de coação ou repressão.

A pressa dos candidatos do MAS e de seus parlamentares, em aceitar finalmente a data que os golpistas estabeleceram para as eleições - 18 de outubro - foi a resposta diante das tendências que começaram a mostrar o conflito. Quer dizer, uma tendência a radicalizar-se e onde as burocracias sindicais e de movimentos sociais, alinhadas ao MAS, começavam a perder o controle da mobilização.

Recordemos que as mobilizações e bloqueios começaram a se desenvolver a partir de 3 de agosto e a cada dia que passava foram aumentando com mais de 200 pontos de bloqueios no país, paralisando estradas, inclusive com greve de fome em distintos lugares como Tarija e La Paz onde jovens de maneira autoconvocada começaram a aderir às medidas de luta. Isto motivou a agrupações paramilitares e fascistizantes como a Resistência Juvenil Cochala (RJC) e a União Juvenil Cruceñista (UJC) tenham começado a se mobilizar para desbloquear de maneira violenta e atuando de maneira impune e com a colaboração policial.

Em Cochabamba este grupo de racistas foi filmado chutando uma mulher de pollera caída no chão. A indignação que provocou essa brutal ação detonou não só o repúdio generalizado e massivo do povo trabalhador do país, mas também alentou a que em diversas comunidades os "ponchos vermelhos" e a juventude começassem a se organizar e desentocar os velhos fuzis. A juventude do trópico cochabambino organizou rapidamente uma grande brigada para garantir a autodefesa dos bloqueios de centenas de motoqueiros dispostos a enfrentar aos valentes das RJC.

Por outro lado:

“Começaram a surgir em alguns lugares como em Senkata (La Paz) vislumbres de coordenação dos pontos de bloqueio, que se tivessem desenvolvido haveriam permitido o surgimento de novos organismos de auto defesa, da mobilização de luta que se consolidando, teria impedido, ou pelo menos dificultado, a estratégia de desmobilização do MAS e as burocracias sindicais e dos movimentos sociais".

Esta é a primeira lição que as e os trabalhadores, os estudantes, camponeses e indígenas, e a juventude mobilizada devemos aprender para os próximos combates que, seja qual for governo, inevitavelmente devemos enfrentar.

Como defendemos no editorial do Esquerda diário Bolívia em 3 de agosto, quando se iniciava o conflito, se fazia urgente - e segue sendo- enfrentar a estratégia de pressão do MAS, que buscou a todo momento utilizar a mobilização e o sacrifício de centenas de milhares de mobilizados em todo o país para obrigar aos golpistas a negociar mas não derrotá-los nas ruas.

O resultado atual do conflito volta a postergar, como em novembro, a definição mais profunda da relação de forças entre as classe sociais no país, o que faz que a situação continue sendo fluida e imprescindível pelo menos em médio prazo. Entretanto também é possível afirmar que no momento o MAS se autodefine triunfante ao obrigar os golpistas a negociar e impedir novas postergações para os comícios, colocando um sério limite - expresso nas ruas- às tentativas de prorrogar indefinidamente as eleições que era objetivo do Governo e da direita golpista. O fazem expressando uma "ingênua" confiança no bloco golpista, pra dizer o mínimo, em que estes permitirão "eleições democráticas" e "transparentes", o que como já apontamos em diversas oportunidades é um enorme erro político. Desde esse ponto de vista, e no marco da profunda crise política, agravada pelas "outras" crises em marcha, este primeiro balanço é preliminar e está aberto devido a que um excesso na relação de forças por parte de grupos paramilitares da RJC e UJC nos pontos de bloqueio que ainda persistem pode detonar uma resposta do movimento de massas. Entretanto, vemos necessário fazer essa primeira avaliação sem dar por encerrado o conflito mas melhor, dando conta que vamos para a chegada de um novo momento.

Este "triunfo" do MAS, de caráter legal, no entanto foi obtido a um alto custo político e que a percepção de uma grande vanguarda de massas, de dezenas de milhares, é de haver sido traídos. E não é para menos, já que esse triunfo se faz contra as aspirações dos mobilizados que buscavam derrotar a Áñez agora e garantir educação e saúde que eram as demandas com as que o movimento se incorpora à luta. Há que se dizer então que falamos de um triunfo à medida da cúpula massista e seus exclusivos interesses partidários, porém sobre a base de uma enorme traição ao movimento de massas.

O MAS tentará reabsorver esse custo político no transcurso de uma campanha eleitoral que será sumamente polarizada tanto social como politicamente, o que significa que diferente das primeiras eleições da década passada, o MAS não conta com um cheque em branco por parte do movimento operário, camponês e popular. As profundas divisões que se evidenciaram neste conflito, primeiro entre as burocracias sindicais e a cúpula do MAS, e segundo, entre as bases mobilizadas e uma burocracia sindical cada vez mais deslegitimada, apresentam uma grande possibilidade de intervenção das organizações socialistas revolucionárias para a luta pela conquista das massas que devem ser disputadas a direção reformista e conciliadora do MAS, sobre a base de levantar uma estratégia operária independente, para vencer de maneira definitiva ao golpismo pró imperialista racista, patronal e clerical que só se sustenta sobre a base da polícia e das Forças Armadas.

A perspectiva que se apresenta no 18 de outubro, no caso de que as eleições se realizem efetivamente, é a de um governo débil que deverá lidar com uma crise econômica e social sem precedentes. Os "favoritos" como Carlos Mesa que não tem nenhum respaldo nas classes sociais subalternas e só conta ocm o respaldo da reduzida classe média, ou o MAS que a diferencia dos anteriores anos hoje se apresenta como um populismo de mãos vazias, com fortes críticas pela esquerda no movimento operário, camponês e popular, mas também com uma direita militante e fortalecida depois de um golpe de Estado. Neste cenário a única certeza futura é que vamos a uma luta de classes de alta intensidade e para isso nos preparamos.

Aqui podemos ver a resolução da COB ordenando a trégua:




Comentários

Deixar Comentário


Destacados del día

Últimas noticias