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ELEIÇÕES DOS EUA | Biden e Sanders: diferenças superficiais, unidade no fundamental

Joe Biden e Bernie Sanders se enfrentaram em um debate neste domingo (15), em meio a crise do coronavirus. Além de alguns cruzamentos, ambos prometeram se apoiar e mostraram unidade diante da crise.

terça-feira 17 de março de 2020 | Edição do dia

O debate democrata na noite de domingo foi marcado pelo coronavírus e pela crise sanitária e economica resultante que esta arrasando o mundo. No lugar de debater frente a uma audiencia, Joe Biden e Bernie Sanders se reuniram no estudio da sede da CNN em Washington e falaram diretamente entre eles e com os moderadores - tudo isso enquanto estavam de pé a dois metros de distancia e sem esticarem as mãos. As perguntas se centraram em sua maioria no coronavirus, com ambos candidatos criticando fortemente a resposta de Donald Trump à crise e dando argumentos sobre como responderiam melhor. Biden se apresentou como hegemonico do Partido Democrata, retomando aspectos do programa de Sanders e Warren, prometendo uma companheira de chapa mulher, anunciando o legado de Obama e tentando demonstrar que ele representa a classe empobrecida. Embora tenha tido momentos hostis - especialmente durante uma seção em que Biden atacou Sanders com tons claros mcartistas, alegando que apoiava Fidel Castro, China e antiga União Soviética - os candidatos estavam fundamentalmente unidos. Ambos se comprometeram a fazer campanha um pelo outro e concordaram que derrotar Trump era a principal preocupação. Eles discutiram suas diferenças políticas, mas concordaram que essas diferenças se reduziam a “detalhes”.

Biden: "Os resultados não são uma revolução"

A mensagem de Joe Biden pode ser resumida em sua exasperada afirmação de que "as pessoas querem resultados, não revolução". Sua posição é que, com ele, serão obtidos resultados concretos e, com esses resultados, estabilidade. Nesse sentido, Biden se opôs a Sanders, enfatizando que ele pode "fazer as coisas", principalmente porque ele fazia parte do governo Obama. Ele também colocou o governo Obama contra o governo Trump pelas respostas que ambos deram às diferentes crises médicas.

A fraca resposta de Donald Trump ao coronavírus e ao colapso econômico que isso acarreta colocou em dúvida sua campanha de reeleição. Isso deixa a porta aberta para outro candidato entrar e ser o herói do grande capital. Para isso, ele se apresenta como candidato da estabilidade. Repetindo o mantra constante de sua campanha, ele pediu à platéia que se lembrasse dos anos de Obama e de como todos se sentiam confiantes, referindo-se em profundidade a como Obama reagiu às crises de saúde do Ebola e H1N1. "Vote em mim", diz Biden, "e farei você se sentir seguro novamente."

Ele também defendeu fortemente o resgate de Wall Street em 2008, argumentando que, se não tivessem sido realizados, as "pessoas que Bernie diz que se importa com" teriam sofrido e "quebrado". Essa defesa é outra mensagem aos capitalistas de que eles serão protegidos durante sua presidência. Essa defesa é especialmente importante, dado o atual contexto econômico. Wall Street está entrando em colapso e, à medida que a atual crise se aproxima, é muito provável que o governo seja solicitado a socorrer certas indústrias. Joe Biden, ao defender os resgates de 2008, está expressando seu acordo em fazê-los novamente, se solicitado.

Biden começou a noite atacando fortemente o Medicare for All (a proposta de criar um sistema de saúde estadual e universal, NdelT) - que é uma proposta política muito popular - apontando para a Itália como um exemplo de sistema universal de saúde que foi incapaz de lidar com o coronavírus. É claro que essa perspectiva é altamente tendenciosa, pois os problemas com a resposta da Itália não têm nada a ver com o fato de terem um sistema de saúde público. De fato, o problema é resultado da falta de financiamento desse sistema de saúde como resultado de uma política neoliberal. Pode-se argumentar com muita facilidade que a situação na Itália seria muito pior sem um sistema em que as pessoas pudessem ir ao médico sem medo de custos.

O ataque de Biden é um cálculo cínico. Em vez de girar à esquerda e reverter sua posição de querer vetar o Medicare for All, ele usou a crise na Itália para desacreditar a teoria da saúde universal. Ao se referir retoricamente à emergência de saúde e prometer que a classe trabalhadora seria atendida, ele não ofereceu nenhuma proposta que tornasse isso possível. Em vez disso, ele se inclinou mais para socorrer os bancos do que a classe trabalhadora. Ainda não se sabe se essa tática funcionará ou não, mas Biden provou ser um forte amigo do setor de seguros de saúde. Isso faz parte de uma estratégia mais ampla de atrair republicanos moderados e (mais importante) grandes empresas.

Unidade para além das diferenças

O debate às vezes era bastante hostil, com ambos os candidatos levantando suas vozes enquanto expressavam suas opiniões. As divergências foram calorosamente debatidas e quase todas foram sobre votações e declarações passadas de cada um. Durante uma troca particularmente tensa, Sanders instou o público a procurar no YouTube discursos que Biden alegou nunca ter feito. Biden atacou seu oponente por controle de armas e imigração, Sanders rebateu questões como aborto e previdência social, e ambos tentaram usar o histórico de Obama para justificar seus próprios votos. No entanto, embora existam diferenças ferozes, é importante notar que o debate mostrou grande unidade entre os dois.

Biden lidou com vários aspectos do programa de Sanders durante o debate. Ele falou a favor do Green New Deal e concordou que os cuidados médicos para o coronavírus deveriam ser gratuitos. Isso mostra que, pelo menos em retórica, Sanders conseguiu mudar o Partido Democrata. É importante que o favorito do establishment seja a favor de alguns serviços de saúde serem gratuitos. A maneira como o Partido Democrata discute ou se refere a algumas questões mudou graças a Sanders. No entanto, também é importante lembrar que Biden era vice-presidente de Obama, revelando que está perfeitamente disposto e capaz de usar a retórica progressiva para ser eleito e depois largar tudo para buscar um programa neoliberal. Biden é um mentiroso - ele até mentiu sobre seu histórico várias vezes durante o debate! - e não pode ser confiável. Ele usará promessas de campanha vagamente progressivas para conquistar o apoio da ala Sanders e depois traí-las quando chegar na Casa Branca.

Um dos argumentos dos apoiadores de Sanders é que é um problema existencial do Partido Democrata. Embora isso seja verdade de certa maneira, o que o debate da noite de domingo revelou é que, no final, Sanders estará subordinado ao partido. Depois que Biden prometeu não apenas apoiar, mas fazer campanha por Sanders se ele vencesse, Sanders fez a mesma promessa. O autodenominado socialista prometeu fazer campanha pelo capitalista de longa data Joe Biden, não como uma hipótese, mas como uma realidade. Parece bastante claro que Joe Biden será o candidato democrata: o site FiveThirtyEight lhe dá 99% de chance de ganhar. Sanders não se compromete em fazer campanha pelo partido, mas por Joe Biden. E esse é o essencial. Isso se demonstrou mais uma vez quando eles concordaram que suas principais diferenças estavam nos "detalhes" - que Sanders afirma serem detalhes importantes, mas detalhes. Apesar das diferenças, no final do dia, Biden e Sanders estão do mesmo lado.

A crise é agora

O erro de ambos os candidatos é que, apesar de todos os seus planos e propostas, eles se concentram no que fariam como presidente. Isso significa que precisamos essencialmente esperar até janeiro e fazer X, Y ou Z. Mas em janeiro, a crise será resolvida ou o número de mortos terá aumentado para proporções verdadeiramente monstruosas. Não podemos esperar até janeiro por um novo presidente, não podemos esperar até novembro para votar, precisamos agir agora e precisamos de mudanças imediatas.

Isso é especialmente espantoso vindo de Sanders, cujo mantra para a campanha foi “não eu, nós”. afirma que está construindo um movimento, mas agora, em um momento de crise, não precisa de medidas drásticas. De fato, obteve o apoio dos principais sindicatos. Por que não convocar esses sindicatos a entrar em greve para receber licença médica, como na Itália? Por que não falar com sua ampla base da classe trabalhadora sobre a necessidade de organizar uma greve geral massiva por licenças remuneradas, uma proibição de demissões durante a crise e uma moratória de aluguel, de empréstimos para estudantes e das contas médicas?

Por que não fazer as ousadas propostas que esse momento exige e mobilizar os sindicatos e outras organizações que o apoiaram para tornar essas propostas realidade? Ele não fez essas exigências; em vez disso, voltou à sua antiga estratégia: escolha-me e eu farei essas reformas. Mas não precisamos delas em janeiro; precisamos delas agora. As hipóteses sobre o que alguém faria "como presidente" não são úteis e, em vez disso, devemos considerar o que estão fazendo agora.

Isso revela os limites da estratégia de Sanders: alcançar reformas por meios eleitorais, não pela luta de classes. Sanders afirma ter construído um movimento, mas esse movimento não pode ser visto em nenhum lugar neste momento de crise.
Além disso, as reformas que Sanders propõe são categoricamente insuficientes para lidar com a crise atual. Se houvesse o Medicare for All e uma rede de segurança social maior, a situação nos Estados Unidos seria mais semelhante à da Europa. Como Biden apontou, a situação na Europa continental é verdadeiramente catastrófica. Isso não ocorre porque esses países têm programas de saúde pública - como sugere Biden -, mas porque esses programas de saúde, abalados por décadas de austeridade neoliberal, não são suficientes para enfrentar a atual crise. O capitalismo é a crise atual.

A crise é o capitalismo

Não há como conceber ou estruturar o capitalismo de uma maneira que não resulte em uma crise capitalista recorrente. Isso não significa, é claro, que no socialismo haveria uma utopia sem doença ou desastre natural. Claro, sempre haverá coisas que estão além do nosso controle. No entanto, sob um sistema socialista - com uma economia planejada - a resposta a esta crise seria muito, muito diferente. Os trabalhadores podem ficar em casa com facilidade e rapidez, sem precisar se preocupar com os impactos econômicos sobre eles e suas famílias. Os planos de produção podem ser modificados para fabricar suprimentos médicos e evitar escassez ou falta de vagas nos hospitais. Haveria colaboração internacionalista em vez de competição, para que diferentes áreas do mundo compartilhassem suas pesquisas e aprendizagens sobre o vírus, em vez da atual preocupação excessiva com propriedade intelectual e patentes de medicamentos. O objetivo não seria desenvolver uma vacina para que uma empresa possa lucrar. Poderíamos ter números exatos de quantas pessoas foram infectadas porque não haveria risco de perda de emprego ou preocupação com os custos associados à consulta com o médico. Mas isso não é possível no capitalismo.

Foi-nos mostrado mais uma vez quão profundo e inerentemente quebrado está o o sistema capitalista. A solução para isso não são reformas em pequena escala e pacotes de financiamento para Wall Street. A solução em si não é o Medicare for All (embora isso certamente ajude a combater a atual crise), e certamente não é votar em Joe Biden e seus sonhos neoliberais de estimular os grandes negócios. A solução não está no Partido Democrata e em seu compromisso ao longo da vida com o desenvolvimento capitalista e a proteção da burguesia. A solução está em rejeitar a falsa dicotomia que Biden tratou de expor no debate: não são resultados ou revolução; são resultados através da revolução.




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