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OPINIÃO | Beyoncé: um símbolo à altura da luta contra o racismo?

terça-feira 16 de fevereiro de 2016 | 23:11

Não é mistério algum que Beyoncé roubou a cena do intervalo do Super Bowl.Mesmo dividindo o palco com Coldplay e Bruno Mars, ao som de sua nova música, “Formation”, atraiu olhares atentos e vem pautando a discussão sobre questão racial nos EUA.

Foi uma sacada de gênio. Um dia antes da apresentação, Beyonce lançou o clipe de Formation, causando a ira de setores reacionários e racistas dos EUA (policiais foram orientados a desligarem suas TV´s no intervalo!); a isso se somou a apresentação que junto com a música, trouxe figurino que homenageava os Panteras Negras. Uma apresentação que traz à tona importantes aspectos da cultura de resistência negra, junto com uma canção e um clipe, no principal país imperialista do mundo, acabaram por impactar profundamente tanto admiradores, simpatizantes e lutadores quanto detratores e racistas.

Beyoncé “dividiu” o debate racial nos EUA porque aquele país se encontra fissurado pelo racismo. Trata-se do país onde a população carcerária é majoritariamente negra, sendo que os negros são minoria na população. É o país no qual os negros foram discriminados legalmente até a década de 60. É o país onde os negros vivem nas piores condições de vida e são assassinados sistematicamente pela polícia. Não é surpresa alguma que uma atitude como a de Beyoncé causasse tanta empatia com a população negra e os que se identificam com a luta contra o racismo. Os jovens negros estão ávidos por se fazerem ouvir, isso explica o essencial da influência da apresentação e do clipe da Beyoncé.

Meu objetivo, neste pequeno (e primeiro!) artigo, é relacionar alguns elementos do clipe com a letra de Formation e, expor alguns de seus limites e consequências ideológicas.

Algumas palavras sobre o clipe e a letra ou a quem a Beyoncé se dirige

1 - Formation é gravado em Nova Orleans, cidade de importante tradição negra, desde a época da escravidão até hoje. Nova Orleans é um dos símbolos da força criativa do povo negro, e palco de forte violência policial.

2 - Representatividade LGBT: o áudio apresentado no início do clipe é a voz de Messy Mya, rapper gay e comediante, reconhecido também por suas críticas à violência policial de nova Orleans, assassinado a tiros em 2010 na mesma cidade. A população suspeita que tenha sido a polícia local a responsável pelo assassinato. O segundo áudio apresentado se trata de Big Freedia, rapper trans também de Nova Orleans.

3 - Blue Ivy Carter, filha de Beyoncé, já foi vítima de ataques racistas por seu cabelo black: Em 2014 racistas chegaram a levantar uma petição na internet recomendando que Beyoncé e Jay-Z “penteassem” o cabelo de sua filha. Durante o refrão, queen bey responde aos racistas quando diz que gosta do cabelo de seu bebê, cabelo estilo afro. Bey segue exaltando a beleza negra no próximo verso e faz menção aos Jackson 5. Ao exaltar traços negros como belos, Formation se choca com a indústria da beleza dominante que diz que só é belo cabelo liso e o nariz fino...

Alguns elementos visuais e simbólicos

Beyoncé reivindica no clipe Os Panteras Negras, Martin Luther King e Malcolm-X através da performance. Bey também aparece sobre uma viatura da polícia que aos poucos vai afundando na água, em Nova Orleans, como quem diz: afundaremos a polícia como a negligência das autoridades públicas afundaram a vida de milhares de negros depois da tragédia do furacão Katrina em 2005.

Ao expor personalidades históricas da luta contra o racismo, Beyoncé diz para o mundo todo que heróis negros existem. Esse é um elemento progressista, pois reivindica alguns daqueles que o racismo e o capitalismo fazem questão todos os dias de apagar da história, o que nos leva a crer que não temos uma história de resistência.

Sua maior vingança é o dinheiro vs Não existe capitalismo sem racismo

Beyoncé, apesar de reivindicar Malcolm-X coloca para os negros uma saída que esse repudiou, ou seja, Malcolm entendia que o racismo nasce para justificar a expansão capitalista, e sintetizava isso em sua mais famosa frase “Não há capitalismo sem racismo”.

Beyoncé ao reivindicar o consumo, o dinheiro e o capitalismo para os negros, demonstra sua posição sobre as bases de sustentação do capital, ao mesmo tempo faz coro com a hegemonia norte-americana sobre o mundo e dá as costas aos negros do continente africano e dos países colonizados pela Europa, como é o caso do Brasil.

Quem fala é sempre importante... Beyoncé defende os Estados Unidos da América. Defende um país mais plural, com mais negros na politica (com destaque para as mulheres), e com mais negras e negros à frente dos negócios. Apoia fortemente a presidência de Barack Obama, o que significa defender a ação imperialista daquele país sobre todo o mundo. A crítica ao racismo de Beyoncé se depara com um limite essencial: sua defesa do principal imperialismo mundial. Ao defender os EUA, Beyoncé defende um sistema politico e econômico que espolia o conjunto da classe trabalhadora no mundo.

Aqui no Brasil, por exemplo, o enorme montante da dívida externa retirado do bolso do trabalhador é uma das causas da população negra se ver obrigada a morar em favelas e ser carente de direitos básicos, como saneamento e infraestrutura de moradia. Para dar outro exemplo, a exploração da força de trabalho da população negra através da diferença salarial entre brancos e negros é suporte da exploração imperialista dos EUA.

Alguns trechos da música revelam sua carga ideológica neoliberal e alimentam o discurso de meritocracia e sonho americano. Beyoncé canta “Eu sonho, eu trabalho duro Eu me esforço até conseguir” [“I dream it, I work hard, I grind ’til I own it”], ou seja, a ideia de que se você se esforçar você pode ser, como diz outro trecho da música, um Bill Gates em construção [“You just might be a black Bill Gates in the making”].

O que tem a oferecer uma ideologia que se apoia na saída individual e baseada no consumo como alavanca para superação do racismo? A última frase da música é “dinheiro é sua maior vingança” [“best revenge is your paper”]... Nos EUA há uma parcela muito minoritária da burguesia que é negra e, principalmente, existe uma classe média negra considerável a quem esse discurso pode encontrar ouvidos. Mas como considerar algo assim em um país como o Brasil, onde o negro não tem a menor chance de se afirmar na sociedade através do consumo, em grande medida justamente porque é oprimido pela burguesia dos EUA?

As multinacionais americanas devoram tudo o que encontram na África deixando o continente na miséria. Será mesmo que a Beyoncé pode ser vista como um símbolo de resistência negra? Imaginemos o que significa para uma jovem nigeriana ouvir uma suposta voz de resistência dizer que “o dinheiro é a melhor vingança”? Faz algum sentido?

Não foi a Beyoncé quem colocou a questão racial no centro do debate. Foram os milhares de lutadores nos EUA e ao redor do mundo! Foi Baltimore, Ferguson; foram os herdeiros de Troy Davis e Micheal Brown; foi o “Black Lives Matter”. E se os EUA tremem quando Beyoncé se apresenta no Super Bowl, imaginem quando a força dos negros, dos latinos, junto com os trabalhadores brancos e a população pobre se voltarem contra seus verdadeiros inimigos, a burguesia imperialista e seus defensores políticos? Acaso não merecem um símbolo à altura?




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