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Em Neuquén, região da Patagônia argentina, há 47 dias os trabalhadores da saúde dão um exemplo de organização na luta por condições de trabalho em unidade com outras categorias e setores da sociedade. Um exemplo que serve de inspiração para os trabalhadores do mundo todo.

Zuca FalcãoProfessora da rede pública de MG

quarta-feira 14 de abril de 2021 | Edição do dia

Os trabalhadores da saúde na Argentina enfrentam desde o primeiro dia da pandemia um aprofundamento da precariedade das condições de trabalho que já eram péssimas, a mesma situação enfrentada por trabalhadores em várias partes do mundo. Na província de Neuquén, teve início no último fevereiro uma demanda por parte desses trabalhadores por um reajuste salarial imprescindível, já que a inflação no país resulta na desvalorização dos salários que no caso da saúde não sofreu reajuste no ano passado, diminuindo ainda mais o poder de compra destes trabalhadores.

Em 2 de março trabalhadores de diversos hospitais e centos de saúde se “autoconvocaram” em uma massiva assembléia composta pela base para impulsionar um plano de luta por um reajuste de 40% - que seria o necessário para eliminar a defasagem salarial –, pela efetivação de 1500 trabalhadores contratados pela ocasião da pandemia e por condições de segurança e higiene.

A autoconvocação foi a saída encontrada pelos trabalhadores após as entidades sindicais que dirigem a categoria – Associação dos Trabalhadores do Estado (ATE) e a União Pessoal Civil da Nação (UPCN) – negociarem com o governo provincial um reajuste de apenas 12%, mesmo contra a decisão dos trabalhadores em assembléia anterior que decidiram coletivamente o rechaço a esse valor, passando por cima da decisão da categoria e demonstrando claramente que não estava ao lado dos trabalhadores.

Mas enquanto as entidades sindicais adotando essa postura burocrática de desconsiderar as decisões dos trabalhadores cerraram fileiras com o governo, os trabalhadores da saúde de Neuquén tomaram um caminho oposto, buscando uma unidade com outros setores com interesses em comum: trabalhadores de outras categorias, estudantes, comunidades originárias e a população passaram a compor o horizonte da soma de forças necessárias que aqueles trabalhadores sabiam que seria necessário para impulsionar essa luta.

Os primeiros a se juntar foram os professores que já estavam paralisados por salário, e já em 3 de março realizaram juntos mobilizações em várias localidades da província. Nos dias que se seguiram as mobilizações cresceram em tamanho e em qualidade, incorporando métodos de luta operários como cortes de ruas e rodovias.

Mais adiante se somaram outras categorias como os trabalhadores das indústrias ceramistas de Neuquén. Também se somaram estudantes e membros da comunidade, que convocados pelos próprios trabalhadores da saúde responderam com enormes caravanas que se somavam à exigência de que os representantes eleitos pelos autoconvocados entre eles mesmos fossem recebidos pelo governo para estabelecer uma negociação.

Estudantes em apoio à mobilização dos trabalhadores da saúde.

Por outro lado os trabalhadores autoconvocados da saúde também incorporaram às suas pautas demandas de outros setores, como a marcha de repúdio aos 45 anos do golpe militar em 24 de março, o ato de 4 de abril em memória de Carlos Fuentealba, professor assassinado pela repressão policial enquanto protestava, e a marcha de mulheres do 8 de março onde as trabalhadoras da saúde, que são a maior parte da categoria e que estão na linha de frente dessa luta somaram suas demandas às das outras trabalhadoras .

A força desprendida pelos trabalhadores da saúde que já dura mais de um mês que ganha cada vez mais força e apoio é uma mostra da disposição de luta dessa categoria. Às tentativas das direções sindicais de deslegitimar as mobilizações estes trabalhadores respondem com uma demonstração ainda maior de força. Após o dirigente da ATE Neuquén em uma declaração a uma rádio local comparou o movimento a um elefante que segundo ele “não se sabe se agarrar pela cauda ou pela tromba, porque não tem forma”, os trabalhadores adotaram o elefante como símbolo de sua luta, como um animal que e capaz de “pisar forte” sobre o governo e a burocracia sindical.

Cartaz afixado na sede do governo de Neuquén durante protestos dos trabalhadores da saúde.

Houve uma tentativa por parte do governo de desmontar a mobilização, anunciando ontem o pagamento de algo que chamaram de “auxílio Covid”, um valor único que seria parcelado de três vezes, e sem nenhum tipo de diálogo com os autoconvocados. A medida do governo busca responder à radicalização dos métodos que na última semana incluíram o bloqueio das chamadas “rotas do petróleo”, que levaram à paralisação da produção de petróleo e gás. Os trabalhadores autoconvocados das diversas categorias envolvidas responderam à falta de diálogo com a convocação de uma assembléia hoje às 10h da manhã.

A condução burocrática das organizações sindicais tentaram silenciar a voz de milhares de trabalhadores da saúde com um acordo apesar da objeção da categoria. Mas essa voz foi amplificada pela unidade entre trabalhadores de diferentes categorias, estudantes e setores da sociedade, e pelos métodos democráticos de participação como as assembléias, para dar juntos esse combate onde os interesses e os inimigos são comuns.

A principal consigna adotada: “Se ganha a saúde ganhamos todos” sintetiza a importância dessa unidade, que serve de exemplo para trabalhadores do mundo todo, e não só da saúde, que desde o começo da pandemia tem a cada dia mais motivos para lutar.




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