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ECONOMIA | Autonomia do BC: entenda o projeto aprovado que aprofunda a submissão do país

Na última terça feira, quando todos os olhos estavam voltados para as conturbadas eleições nos Estados Unidos, o Senado Federal avançou num importante ataque com a aprovação do projeto sobre a autonomia do Banco Central. Esta medida é um grande passo na submissão do Brasil ao capital financeiro estrangeiro. Entenda seus impactos.

sábado 7 de novembro de 2020 | Edição do dia

Na última terça feira, quando todos os olhos estavam voltados para as conturbadas eleições nos Estados Unidos, o Senado Federal avançou num importante ataque com a aprovação do projeto sobre a autonomia do Banco Central do Brasil (BCB). O Projeto de Lei Complementar PLP 19/2019 foi elaborado pelo senador Plínio Valério (PSDB/AM). Com a aprovação, o projeto será encaminhado para votação na Câmara dos Deputados, onde Rodrigo Maia já disse que garantirá a tramitação. O ministro da economia Paulo Guedes, ultraliberal e representante do mercado financeiro, evidentemente comemorou a decisão, já que o projeto fazia parte da sua plataforma desde a campanha para as eleições de Bolsonaro.

A burguesia ao utilizar o termo de autonomia (ou independência) do Banco Central, pretende confundir os trabalhadores e fazer parecer que uma medida como essa significaria um avanço para o país. Mas ao contrário, a autonomia do BC é um grande passo na submissão do Brasil ao capital financeiro estrangeiro. Entenda os impactos dessa medida.

Quais as funções do Banco Central brasileiro?

O Banco Central é uma instituição de fundamental importância para o país. Ele é responsável pela formulação e execução da política monetária, cambial e de crédito. Ou seja, é o responsável por duas variáveis chaves na economia nacional: a taxa de juros e a taxa de câmbio.

É função do BCB coordenar o nível da taxa de juros básica do país, a SELIC, que funciona como um piso para os juros praticados pelos bancos nos financiamentos e empréstimos pessoais, por exemplo. Também é sua responsabilidade intervir no mercado de câmbio para evitar desvalorizações cambiais. O Brasil está entre os países que possui maior oscilação cambial e o real é uma das moedas que mais se desvalorizou neste ano. Os impactos do câmbio são muito relevantes na economia porque altera o nível de preços dos produtos consumidos. Por exemplo, quando desvaloriza o real, as importações do país encarecem e produtos, como combustível, aumentam de preço.

O BCB também é responsável por gerir as reservas internacionais do país. O Brasil possui uma quantidade significativa de reservas em moedas estrangeiras, especialmente o dólar, que é um instrumento muito importante para, entre outras coisas, fazer frente as chantagens como fuga de capitais estrangeiros no país.

O BCB também organiza e fiscaliza as instituições financeiras. Por uma série de mecanismos ele tem capacidade de influir no nível de liquidez dos bancos comerciais. Durante o ano de 2020, o Banco Central foi quem entregou trilhões de reais aos bancos para garantir seus lucros em meio a crise, comprando, por exemplo, títulos de dívidas dos bancos comerciais e outras instituições financeiras. Ou seja, ele possui uma capacidade de influenciar diretamente nos resultados dos bancos.

Além disso, é o responsável pela emissão de moeda e pelos meios de pagamentos utilizados na economia. A decisão de fazer uma nota de 200 reais, por exemplo, ou a autorização do Pix no Brasil, são exemplos disso.

Ou seja, embora as funções ou decisões do BCB não ganhem tanta repercussão para os trabalhadores e a população em geral, inclusive pela própria dificuldade de entender o seu funcionamento, o que é importante remarcar é que esta é uma instituição fundamental para a burguesia, na relação do Estado brasileiro com o capital financeiro estrangeiro, na concorrência intercapitalista e, consequentemente, para a realização de qualquer política estatal, como, por exemplo, novos investimentos. Ou seja, as ações do BCB têm reflexos diretos na vida de toda a população.

O que muda com este projeto?

O projeto aprovado tem como objetivo modificar a forma como o presidente do Banco Central e a diretoria são nomeados e demitidos. Atualmente o BCB é uma autarquia federal que responde ao Ministério da Economia, o seu presidente e, também a diretoria, são nomeados pelo Presidente do país e podem ser demitidos a qualquer momento.

Caso o projeto aprovado no Senado entre em vigor, o presidente do BCB e a diretoria deverão ser nomeados pelo Presidente brasileiro na metade do seu mandato, eles cumprirão uma gestão de quatro anos (que seria intercalada com o mandato presidencial e prorrogada por mais quatro anos) e só poderão ser demitidos por condenação criminal transitada em julgado, por pedido de dispensa formulado pela própria pessoa e por iniciativa do Presidente da República com justificativa e deve ser aprovada no Senado.

Em resumo, significam medidas que separam a gestão do BC da política do governo, dificultam a demissão por parte do poder executivo e, na prática, entregam a decisão de comando dessa instituição inteiramente para os bancos nacionais e estrangeiros.

De onde vem a discussão de autonomia ou independência do Banco Central?

O projeto de autonomia (ou independência do Banco Central) não é uma questão propriamente nova. Na literatura econômica existe um amplo debate sobre isso, que não vamos entrar neste artigo. Mas a autonomia aqui é entendida como a ideia de que os objetivos perseguidos pelo Banco Central devem ser alheios à política econômica do governo, com a justificativa de que, grosso modo, isso traria maior eficiência para economia.

Traduzindo isso, é a visão de que as variáveis chaves para a economia do país – taxa de juros e taxa de câmbio- sejam inteiramente reguladas pelo mercado – leia-se pelo capital financeiro estrangeiro- e não pelo governo. É a garantia total para o mercado financeiro de que a economia do país atenderá aos seus interesses, independentemente de quem esteja governando.

Os debates sobre isso no Brasil se intensificaram a partir da década de 1990, quando Fernando Henrique Cardoso, seguindo as determinações do Consenso de Washington, aplicou uma série de medidas neoliberais. Dentre essas medidas estava o regime de metas de inflação, adotado em 1999, que coloca como objetivos para o BC o combate a inflação e amarra a política monetária e o orçamento público, por consequência, aos interesses dos banqueiros.

Essas medidas, que foram iniciadas no governo de FHC, seguiram também durante os governos petistas. Os presidentes do Banco Central durante a era petista eram pessoas como, por exemplo, Henrique Meirelles, conhecido representante do mercado financeiro.

O projeto atual procura aprofundar ainda mais esse processo, modificando a lei e tirando qualquer tipo de margem de manobra do Estado brasileiro para definitivamente entregá-lo aos ditames do capital financeiro estrangeiro.

Por que essa proposta pode avançar agora?

Uma aprovação como essa é impossível de ser entendida se não levamos em conta o pacto que vigora no país entre as diversas instituições do regime e as pressões exercidas pelo imperialismo, no marco das disputas para o orçamento de 2021. O governo quer seguir com as políticas como o auxílio emergencial, mas para isso é necessário romper com o Teto de Gastos. O capital financeiro coloca como exigência para esse rompimento medidas como reforma administrativa e reforma tributária.

No entanto a reforma administrativa e a reforma tributária para passarem exigem articulações políticas muito mais difíceis de serem feitas. A primeira porque se enfrenta com o funcionalismo público, uma das categorias mais organizadas do país; e a segunda porque se enfrenta com interesses de diferentes frações da burguesia. Avançar numa medida como a autonomia do Banco Central, que possui pouco apelo público, significa a entrega do BCB ao mercado financeiro e, portanto, a garantia de que a agenda de submissão do país ao imperialismo e de ataque aos trabalhadores, iniciada após o golpe institucional, seguirá a todo vapor.

O avanço em medidas como essa, assim como outras, tais quais o teto de gastos, a reforma da previdência e a trabalhista, mostram que a burguesia está promovendo mudanças profundas, alterando as leis e a constituição brasileira pelo alto, à revelia dos trabalhadores e da população pobre. Por isso, é fundamental um processo de mobilização da classe trabalhadora para que este projeto não seja aprovado. Mas que este seja também o início de uma mobilização por uma assembleia constituinte, livre e soberana, que anule todos os ataques aprovados desde o golpe institucional, que reverta as privatizações, questione a Lei de Responsabilidade Fiscal. Mas que os trabalhadores decidam também sobre questões fundamentais do país, como por exemplo, pelo não pagamento da dívida pública. Essa defesa é fundamental para que se possa avançar na perspectiva de um governo dos trabalhadores.

Não basta, como coloca o PT e outros setores da esquerda, a defesa de uma política de taxas de juros mais baixas que deixam os trabalhadores a reboque de outros setores da burguesia. É necessário que a esquerda levante uma política anticapitalista, que ataque os lucros dos bancos e do capital estrangeiro e se enfrente com a política imperialista de ajustes fiscais, de submissão do país e ataque aos trabalhadores e ao povo.




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