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Ataque dos Estados Unidos contra Síria: uma mensagem com vários destinatários

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

domingo 9 de abril de 2017 | Edição do dia

Traduzido: Letícia Parks

Aparentemente, a decisão de Trump de lançar um ataque militar diretamente à Siria não tem como objetivo a mudança do regime, mas sim enviar uma mensagem para fixar a imagem caótica de seu governo e projetar a liderança norte-americana.

Em uma primeira leitura, pareceria que a decisão de Donald Trump de lançar um ataque militar direto contra as forças de Bashar Al Assad, o primeiro dos Estados Unidos desde que começou a guerra civil em 2011, não tem como objetivo a mudança de regime na Siria, mas sim enviar uma mensagem para fixar a imagem caótica de seu governo frente ao anterior e projetar a já decadente liderança norte-americana no mundo.

Se existem debilidades, que não se notem. E para isso, nada melhor que uns bons bombardeios.

As características do ataque - contra apenas uma base aérea, avisando a Rússia, ou seja, Assad - vão na direção da interpretação de que se trata de uma ação punitiva limitada e não o início de uma intervenção de grande envergadura. Tudo indicaria que não há setores significativos no Pentágono que estejam a favor de outra aventura similar à ocupação do Iraque ou Afeganistão, ou o desastre da intervenção na Líbia. A prioridade segue sendo derrotar o Estado Islâmico e evitar que no vácuo de poder, alguma variante fundamentalista se coloque no poder na Síria.

De fato, a principal campanha militar dos Estados Unidos na região e o bombardeio contra posições do EI em Mosul e Raqqa, com um recorde de vítimas civis. Mas dada a complexidade da guerra civil síria na que intervêm potências e atores regionais com interesses diversos, não se pode descartar nada. Inclusive um eventual acidente com tropas russas cujas consequências seriam imprevisíveis.

O que levou Trump a esse giro copernicano na política exterior?

Para além da certeza de que não foram as imagens horrorosas de crianças sofrendo do ataque químico na Siria que o fizeram mudar de ideia, não há explicações simplistas sobre as motivações profundas deste ataque. As pistas devem ser procurar em uma combinação de fatores internos e da política exterior, que tem como resultado uma situação em estado fluido.

Trump e o presidente com mais baixa popularidade da história durante seus primeiros meses de governo. Nos meses que está à frente da Casa Branca, ainda não foi possível exibir nenhum êxito em sua gestão, nem tampouco impor-se sobre sobre as distintas frações de sua coalizão de governo que expressam uma divisão sem precedentes da classe dominante e do aparato estatal imperialista e, em última instância, uma polarizarão política e social sem precedentes.

As fraturas cada vez mais expostas, atravessam desde a orientação da política exterior e o uso de poderio militar até a reforma impositiva e a política comercial. Nesta guerra surda que se desenrola nas altas esferas do poder, Trump perdeu seu assessor de segurança nacional, Michel Flynn, acusado de colaborar com o governo russo para debilitar as sanções impostas por Obama ao final de seu mandato. Foi substituído pelo general H. McMaster, um opositor da política "friendly" em relação à Rússia, assim como o secretário de Defesa, J. Mattis, relacionado com a ala "realista" do establishment.

O presidente também fracassou na tentativa de se fazer votar uma nova lei de saúde. O projeto, defendido por Paul Rua , chefe da Câmara de Representantes, foi derrotado pelo Freedom Caucus, um grupo parlamentar ultraconservador do Partido Republicano.

A última crise dessa envergadura foi o afastamento de Steven Bannon, seu assessor estrela, que foi ejetado de seu lugar de privilégio no entorno íntimo das decisões presidenciais. Entre outras coisas, Bannon foi responsabilizado por alguns dos fracassos mais ressonantes do governo, como o veto contra os muçulmanos.

É interessante deter-se um momento nos pormenores dessa batalha, porque em si mesma fala bastante das contradições do governos de Trump. Bannon, um militante da "alt-right" que foi um arquiteto do discurso nacionalista do presidente, foi derrotado por uma fração de financistas e "globalistas" dirigida nada mais nada menos que pelo genro de Trump, Jared Kushner, que milita junto com a "ala Goldman Sachs" do governo, e está colocando em lugares estratégicos funcionários advindos dos diretórios de empresas e de Wall Street.

Neste marco, com o ataque na Siria, Trump conseguiu pela primeira vez desde que assumiu, que fosse aplaudido pelo conjunto do establishment: à imprensa que o vinha atacando, como o New York Times e o Washington Post; o Partido Democrata e o Republicano por completo; Hillary Clinton; a "comunidade internacional"; os líderes da União Europeia, a OTAN, Israel, Turquia, Arabia Saudita, e a lista continua. Só os setores mais teimosos de seu núcleo duro se opuseram. E, obviamente, Rússia e Irá.

Mas está claro que isto é apenas um respiro na atmosfera tensa que se respira em Washington. O governo Trump esta em xeque pela investigação de sua relação com a Rússia, em particular, pelos ciberataques russos que segundo informes do FBI e da CIA, interferiram na campanha eleitoral a favor do candidato republicano. O ex acessórios Flynn havia pedido imunidade em troca de informações ao Senado sobre essa relação. Por hora, é um processo estancado, Mas sabe-se que a investigação dança ao ritmo dos interesses em jogo.

A ação militar na Siria permitiu mudar o cenário. O governo norte-americano acusou Putin de estar encobrindo Assad ou de ter sido impotente para cumprir o compromisso assumido em 2013 de garantir que Assad se desfaça de suas armas químicas.

Com essa crise de tudo, na semana que vem o secretário de estado Rex Tillerson tem uma reunião com o presidente russo Vladmir Putin agendada. O secretário de Estado provavelmente se apresente a partir de uma nova correlação de forças e exija de Putin que cumpra o papel de conter seu aliado. Com a esperança de que esta jogada permita afugentar os fantasmas de "traição" que entusiasmam os partidários do impeachment contra Trump.

Alguns analistas sinalizam a contradição entre a intervenção na Síria e a consigna "América First", lema do governo de Trump (e consigna histórica dos isolacionistas anteriores a segunda guerra mundial).

Como se sabe, Trump não é isolacionista, e na verdade um grande partidário do unilateralismo militar para reafirmar o poderio imperialista. O mandatário considerou a política de Obama na Siria, em particular seu retrocesso a respeito da "linha vermelha" do uso de armas químicas em 2013 para lançar um ataque contra o regime de Assad, como um símbolo escandaloso de debilidade norte-americana. Essa debilidade foi notada por Putin, que aproveitou a situação para transformar-se no principal ator externo em apoio ao regime sírio.

É questionável se o uso de armas químicas que se atribui a Assad põe em risco algum "interesse nacional vital" dos Estados Unidos, como afirmou Trump enquanto anunciava o bombardeio. Mas o que sim fica claro é que a perda de liderança da principal potência imperialista, que havia ficado por fora das negociações para por fim à guerra civil na Siria, conduzidas exclusivamente por Rússia, Irá e Turquia. Talvez esta seja a via de retornar a um cenário geopolítico que possa definir em grande medida o futuro do Oriente Medido.

O momento do ataque, que coincidiu com a visita do presidente chinês Xi Jinping, tampouco parece ter sido casual. A China sempre se opôs à ingerência externa e ao unilateralismo. No caso da Siria, ainda que não seja uma de suas prioridades na política externa, se alinhou com a Rússia contra os EUA e seus aliados. Não está claro, inclusive, se o líder chinês havia sido informado da ação militar enquanto posava sorridente junto a Trump.

Haveria, além disso, uma metamensagem para a China: que se esforce mais em manter controlado o regime da Coreia do Norte, que está mesma semana acaba de lançar outro teste míssil apontado para o Japão. Já Trump havia condenado a política de "paciência estratégica" de Obama. E em uma entrevista recente que deu ao jornal Financial Times, declarou que se a China não se da essa tarefa, os EUA deterão sozinhos o programa nuclear do regime norte-coreano. É uma tentação jogar essa carta para arrancar da China concessões comerciais.

Ainda se está por ver se Trump vai poder transformar a intervenção na Síria em algo mais que apenas uma demonstração simbólica de forças.




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