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ELEIÇÕES ESTADO ESPANHOL | Ascenso do Podemos, esquerdização eleitoral e problemas para a regeneração do Regime

O grande resultado do Podemos expressa, em chave reformista, as aspirações de milhões a uma mudança política e social. A questão catalã se mantém candente. Elementos que, junto à dificuldade dos pactos, põem em risco os projetos de regeneração do regime.

Santiago Lupe@SantiagoLupeBCN

terça-feira 22 de dezembro de 2015 | 01:03

As eleições gerais confirmam o ascenso de uma nova formação da esquerda reformista: o Podemos e as distintas coalizões com as quais se apresentou em outros territórios. Uma formação com apenas dois anos de vida, que conquista 69 deputados e 20,5% dos votos.

É inegável que os cinco milhões de votos recebidos são a expressão, através de uma formação com uma estratégia reformista, do rechaço massivo a um regime associado ao nepotismo e à corrupção e aos anos de políticas para que os trabalhadores e setores populares paguem pela crise. Isso inclusive apesar de que Pablo Iglesias venha imprimindo um acelerado giro ao centro na sua organização, chegando a reduzir seu projeto de “mudança” a 4 reformas constitucionais e uma segunda Transição que re-edite o consenso perdido de 1978.

Este ascenso eleitoral expressa uma tendência oposta ao giro reacionário que prima no continente com a ofensiva militarista de Hollande e o ascenso da Frente Nacional francês como linha de frente. Expressa a esquerdização de amplos setores nos últimos anos, com amplas aspirações de mudanças políticas e sociais. Serão estas aspirações um obstáculo às tentativas de convencer projetos de regeneração cosméticos – como os que vem defendendo também o mesmo Podemos em forma de reforma constitucional – e que podem colocar-se encima da mesa nos próximos meses?

Paralelamente, o bipartidarismo espanhol fica ferido gravemente. A soma do PP e do PSOE passou de um total de 73,35% dos votos em 2011, para 50,86%. Uma péssima notícia para o Regime de 78 que vê como se abre um cenário incerto ao perderem fôlego os seus principais partidos. Foram os socialistas que ficaram com a pior parte, com 22,05% dos votos, a pior votação de toda a etapa democrática. O PP foi a força mais votada, no entanto, teve seu pior resultado desde 1989. Rajoy, presidente do Estado Espanhol pelo PP ficou com 65 deputados e perdeu quase 16 pontos porcentuais. Se a sua decadência em votos não foi maior, é graças à lei eleitoral pré-constitucional que beneficia às zonas menos povoados e de voto mais conservador.

Ademais, as tentativas de impulsionar um “Podemos de direita”, Ciudadanos, encontrou um fracasso importante, com 13,98% dos votos – que jogam por terra toda a campanha midiática e as pesquisas de voto que queriam situar seu líder, Albert Rivera, na segunda ou terceira posição.

Esses resultados tem especial significado se nos atentamos à divisão geográfica do voto. O Podemos obteve seus melhores resultados em lugares tão importantes como Madri, Comunidade Valenciana, Galícia e as ilhas Baleares, onde ficaram como segunda força, superando ao PSOE. Mas o mais notável é que ficou como primeira força nada menos que no País Basco e na Catalunha.

Nesta última localidade conseguiu recuperar-se de sua fraca eleição catalã de setembro, com 24,72% dos votos e 12 deputados. Conseguiu esse resultado graças a haver feito sua bandeira a defesa de um referendo para exercer o direito a decidir. As forças defensoras desse direito obtiveram 29 deputados (e 55,78% dos votos) frente aos 18 dos que o negam (39,88 dos votos).

Isso sugere não só a confirmação da profundidade das aspirações democráticas de milhões de catalãos, senão que esta teve uma expressão “pela esquerda”, quase igualando-se ao bloco ERC-CDC que colocaram sua coalizão Junts pel Sí em 27 de setembro com mais de 40% dos votos e hoje somam 31%, com os republicanos ligeiramente acima dos convergentes.

Por último, o partido de Iglesias se consolida como a força hegemônica do espaço da esquerda reformista. IU, que se apresentava por trás da marca de Unidade Popular, obtém o pior resultado de sua história com 3,67%, que o deixa com apenas dois deputados. Também sofre um retrocesso importante a esquerda abertzale, que passa, em consequência da ascensão do Podemos, de 1,37% a 0,87% dos votos e de 7 para apenas 2 bancadas no parlamento.

O panorama que se apresenta para as próximas semanas e meses vai ser de alta complexidade. Todo mundo coincide que a aritmética parlamentar resultado destas eleições desenha um cenário de forte instabilidade institucional, tanto para formar um novo governo, como ainda mais para que se possam desenvolver os distintos projetos de regeneração do Regime de ’78 que tem se apresentado nesta campanha.

A questão territorial aparece como um obstáculo de difícil solução para encontrar uma saída institucional ao previsível bloqueio.

Para o PP não basta o apoio de Ciudadanos para formar governo, e é mais difícil somar apoios ou abstenções, pois o obstinado espanholismo de ambos afasta a possibilidade de que os nacionalistas conservadores bascos ou catalães se somem ou se abstenham. O PSOE também se encontra em situação difícil, pois além de somar os votos do Podemos, teria de convencer o ERC ou outras forças nacionalistas. Sua negativa a ceder na questão do referendo catalão também torna as coisas complicadas. Um pacto entre o PP e o PSOE, do tipo “grande coalizão”, tampouco é uma opção simples de digerir para os socialistas, que não podem tirar da mente o fantasma de seu irmão grego, o PASOK, que depois do pacto de governo com o Nova Democracia ficou reduzido à marginalidade parlamentar.

Pablo Iglesias já apresentou sua oferta de pacto. Assinalou que só está disposto a chegar a um acordo que inclua algumas reformas legais e constitucionais “imprescindíveis e inadiáveis”: a blindagem constitucional aos direitos sociais, a inclusão de uma moção de confiança na metade da legislatura sobre o governo em caso de que não cumpra seu programa eleitoral e a modificação da lei eleitoral em favor de maior proporcionalidade. Foi cuidadoso para por como “condição” o acordo do referendo catalão, preferindo referir-se à fórmula ambígua de “uma nova arquitetura constitucional para a Catalunha”. Ainda que frente às perguntas de um jornalista tenha declarado que era partidário da consulta. Não obstante, o apoio recebido neste território, assim como o fato de que seus 12 deputados terão grupo próprio – entre os quais há membros de Iniciativa per Catalunya Verds e a Esquerra Unida i Alternativa – não tornarão fácil essa “renúncia” em favor de um acordo sobre o resto dos pontos.

Durante a campanha eleitoral o conjunto dos meios de imprensa e todos os partidos apresentaram o 20D como uma data histórica, quase de mudança de época. Uma das expectativas que, ainda que não conseguissem uma mobilização maior que em anteriores eleições (de fato a participação é somente dois pontos superior à de 2011, 73,2%), levou milhões de votantes a rechaçar nas urnas os partidos mais identificados com o Regime de 78 e dessem apoio, no caso do Podemos, a um partido que é visto por muitos como o representante de uma mudança política e social.

Todo processo de negociação de um “novo consenso” não pode fugir de duas contradições fundamentais. Em primeiro lugar que no marco deste novo mapa de partidos, atravessado pela questão territorial, torna-se sumamente difícil que se possa chegar a um “consenso por cima”. E o que é mais importante, se todos estes obstáculos “por cima” pudessem conjugar-se – algo nada fácil – nenhum “novo consenso” baseado nas reformas superficiais do regime político poderá dar satisfação às profundas aspirações que hoje tiveram expressão distorcida no voto massivo no Podemos.

O rumo do Podemos vem justamente preparando-se para ser parte destacada deste “novo consenso”, como se não se tivessem cansado de repetir seus dirigentes durante toda a campanha eleitoral. A estratégia de Iglesias e seu núcleo vem girando aceleradamente ao centro político, empregando abertamente um programa de regeneração democrática burguesa e tímidas reformas redistributivas. Um projeto político que só irá defraudar as aspirações de grande parte dos milhões que hoje lhe deram seu voto.

A nova situação que se abre depois do 20D, apesar das enormes ilusões reformistas, apresenta importantes oportunidades à esquerda revolucionária para dirigir-se a esses milhões de jovens e trabalhadores que questionam os aspectos mais grosseiros desta democracia para os ricos, que querem conseguir uma saída à crise social sem ajustes e cortes, ou os milhões de catalães que não querem abandonar o direito à decidir em troca de uma reforma cosmética da Constituição de 78.

Tanto o cenário de bloqueio institucional, de acordo desesperado dos partidos do Regime de 78 (PSOE e PP), como o de um novo pacto por cima que incorpore o Podemos, colocam a necessidade de fortalecer a organização e a mobilização social com os trabalhadores à frente. Será imprescindível colocar em marcha as forças sociais que foram desviadas de 2012 em diante pela burocracia sindical e o novo reformismo, para que estas aspirações não fiquem marginalizadas uma vez mais e possam impor-se abrindo um verdadeiro processo constituinte sobre as ruínas do Regime de 78, que realmente possa dar solução às grandes demandas democráticas e sociais e abra o caminho a um governo dos trabalhadores e dos setores populares.




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