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As duras perspectivas para a América Latina ante o coronavírus

Entre os especialistas há um forte temor sobre os estragos que pode causar o vírus na América Latina, uma região com enormes bolsões de pobreza e um sistema de saúde muito degradado.

segunda-feira 6 de abril de 2020 | Edição do dia

O coronavírus está se estendendo perigosamente pela América Latina, envolvendo a países cujo os sistemas de atenção médica já estão lotados de pacientes por diversas enfermidades, com populações empobrecidas e amontoadas em locais onde o distanciamento social pode ser praticamente impossível.

Se bem que os números da America Latina não se comparam com os do Estados Unidos, Itália, Espanha, China, Alemanha, França e Reino Unido que individualmente registram mais contágios que os 24.544 casos somando todos os países da região até o dia 2 de Abril de 2020, o vírus poderia ter golpeados muito mais forte nestes países. Segundo a Universidade de Johns Hopkins, que está realizando um acompanhamento em tempo real da evolução da pandemia, o vírus triplicou ao final desta semana, e poderá golpear a região com muita mais força. Por quê? Porque nenhum dos países latinoamericanos conta com recursos materiais de infraestrutura dos países imperialistas e potências mundiais. Para se ter uma ideia, Brasil destina para a saúde pública cerca de 3,8% de seu PIB, contra 7,9% do Reino Unido, e 8% da Espanha e 10% da França e Espanha. Ao mesmo tempo, Brasil tem três vezes a população destes países.

Porém o gasto em saúde não é o único indicador. Na América Latina há de ser agregado que está abarrotada de regiões empobrecidas que carecem de sistema hídrico para minimizar os riscos de contágio lavando as mãos, higienizar superfícies, etc.

Todos tem acesso a água?

Ainda que o continente guarda os maiores reservatórios hídricos do mundo, milhões de pessoas não têm acesso a água potável, uma das normas básicas da OMS para minimizar os contágios do coronavírus, entre muitas outras enfermidades.

O deslocamento populacional produzido especialmente nos últimos 30 ano desde regiões agrícolas pela informatização do campo, a despojo da terra em favor das grandes safras, e o desenvolvimento das minerações super contaminantes, tem expulsado milhões de pessoas em todo o continente, sem equilibrar-se com o desenvolvimento da indústria ou serviços que absorvam esta população. Assim, milhões se viram obrigados a instalarem-se na chamadas “vilas de emergência”, favelas ou comunidades, que o intelectual Mike Davis tem chamado áreas urbanas hiper-degradadas. Referindo-se a regiões das cidades com aglomerações extremas, vivências precárias, sem acesso aos serviços básicos como eletricidade ou água potável, entre outros.

O sistema sanitário na maioria dos países se encontra desmantelada e a lógica para prover alimentos é totalmente deficiente. As respostas que o governo tem dados a pandemia do novo coronavírus, tem sido centralmente o fechamento das fronteiras, ou diferentes tipos de confinamento massivo com restrições punitivas levando o exército às ruas, como quarentena obrigatória na Argentina e Colômbia, “toque de recolher” no Chile, ou estado de exceção no Equador. A máxima expressão se dá no Peru onde Martín Vizcarra isenta a responsabilidade do exército em caso de disparo contra aqueles que rompem a quarentena obrigatória.

Junto a isto, todos os governos, em meio a uma crise como esta, tem tomado medidas para garantir a ganância e os negócios dos grandes capitalistas nacionais e estrangeiros, pondo em grave risco a saúde de milhões. Apesar dos anúncios como da Cepal de que a crise poderá deixar 22 milhões de pessoas a mais na pobreza extrema.

Mesmo que o distanciamento social seja necessário, é insuficiente se não acompanhado de outras ferramentas básicas como testes massivos, um correto abastecimento de recursos aos hospitais e trabalhadores da saúde,e medidas de segurança em outros locais de trabalho essenciais. Além disso, o confinamento cria enormes problemas na hora de sua aplicação da maneira que os governos desejam, já que em muitas regiões é quase impossível quando dezenas de milhares trabalham com vendas ou outras atividades de economia informal. Uma trágica consequência destes confinamentos forçados tem sido o aumento da violência de gênero para as mulheres e a diversidade sexual, sendo que o Estado não garanta medidas básicas de segurança, como abrigos adequados, e devem seguir convivendo com seus abusadores e agressores

Até o momento nenhuma destas medidas serviu para “ achatar a curva”. Inclusive na Argentina que, diferente do resto, tomou medidas de quarentena cedo, reconhece que não tem dados seguros, já que os testes realizados até agora foram mínimos. Apenas alguns países como Argentina, Uruguai e Cuba tem um sistema de saúde pública, ainda muito degradada, enquanto Peru e Chile, por exemplo a saúde está privatizada. Em todos os casos prevalecem a falta de suplementos médicos e testes massivos para ter dimensão de quantos contagiados existem.

A situação é desigual em cada país, porém o que é certo é que a deficiência infraestrutural é generalizada, produção de anos de aplicação dos pacotes do FMI com cortes na saúde pública, educação, salários e infraestrutura. Isto é, produto da exploração imperialista realizada com o auxílio dos governos nacionais.

Desta maneira países como Bolívia tem problemas por falta de água, ou de água potável por sua localização geográfica, além da falta de obras públicas, já que as tubulações são deficientes e contaminaram a água por anos de privatização da água (agora estatizada). No Brasil, quase 31 milhões de pessoas não têm acesso ao serviço de água potável e 74 milhões não têm esgoto 16% e 37% respectivamente dos 210 milhões de habitantes.

Na Venezuela, a pandemia chegou em meio a maior crise de fornecimento de água da história do país dos últimos 50 anos. Se estima que entre 85 e 90 % das pessoas não têm acesso a água encanada de maneira regular, entre estes uma porcentagem próxima de 20% não recebe água por períodos que podem oscilar entre três semanas e vários meses. A situação obriga a muitas pessoas a comprarem água contaminada, mas os custos são cada vez maiores, ou a recorrerem a fontes alternativas, que incluem água da chuva como no México, ou da neve no Peru, porém majoritariamente nas cidades se recorre a água mais ou menos contaminada.

No México, a situação também, é crítica. Segundo o Conselho Nacional de Avaliação da Política de Desenvolvimento Social (Coneval), apenas 53,6% dos mexicanos têm acesso diário a água em sua residência. Igualmente, o acesso a rede de água não garante que o precioso recurso esteja disponível 24 horas por dia na América Latina.

Casos testemunhados

O impacto mais forte da pandemia parece estar no Brasil e Equador, dando um exemplo do que pode acontecer nos países restantes. Se o vírus impacta na proporção de propagação que está tendo nos Estados Unidos, que já superou os 250.000 casos, será catastrófico na América Latina. Por isso o impactante colapso que está sofrendo o Equador. As imagens neste país nos deixam paralisados. Os hospitais transbordam durante o “toque de recolher” imposto pelo governo de Lenin Moreno. A quantidade de contagiados supera os 3.200 casos e a falta de testes rápidos impede que os dados oficiais de falecimentos vão de acordo com a realidade, marcando apenas 140 mortes, ainda que nas redes sociais mostram pessoas mortas nas ruas de Guayaquil, a cidade mais afetada e que tem grandes bolsões de pobreza.

No Brasil, o país mais populoso da América Latina, tem 8.500 casos confirmados, a resposta do governo de Bolsonaro tem sido um monumento a insolência. Os especialistas em saúde como Ashish Jha, diretor da Harvard Global Health Institute, teme que possam ocorrer consequências devastadores. Os estados mais populosos, na costa sudeste do país, fecharam efetivamente. Mas o presidente qualificou a crise como uma “fantasia” impulsionada por “um pouco de frio” pedindo em um discurso nacional na semana passada, que os brasileiros voltem às ruas, ao comércio e as escolas.

Os números são mais aterradores se pensarmos nos trabalhadores informais e no imigrantes, onde grande parte são mulheres. Como aquelas 200 famílias paradas na fronteira entre a Bolívia e Chile. Milhares de pessoas que migram através da centroamoerica até os Estado Unidos, que foram presas pelo fechamento da fronteira no México.

Na Bolívia, por exemplo, grandes comunidades indígenas foram esquecidas. Diversa organizações enviaram cartas para a golpista Jeanine Añez solicitando “ coordenação com as autoridades indígenas para enfrentar a pandemia”, exigindo uma imediata atenção médica, equipamentos, medicamentos, informações claras e provisões de alimentos.

Ainda assim, os números do Banco Mundial mencionam que os trabalhadores não registrados no subcontinente alcançaram ao menos 50%, ao menos 200 milhões de trabalhadores. Neste contexto, governos como o de Piñera - e Bolsonaro, ainda que longo retrocedendo - anunciaram (com o apoio dos partidos com bancadas no parlamento) medidas para resgatar empresas e bancos permitindo a destruição massiva de empregos.

Na Colômbia a situação também é desesperante, a fome toca na porta de milhões. Por isso milhares de trabalhadores da construção e trabalhadores informais saíram às ruas de Bogotá e iniciaram uma greve, ao mesmo tempo que o exército reprimia os indígenas e imigrantes aglomerados em habitações de até 10 pessoas. Ademais, trabalhadores da saúde vêm protestando pelo pagamento de seus salários. O governo do direitistas Ivan Duque não havia enviado ajuda prometida aqueles que não tem nenhuma forma de renda.

Qual é a saída?

Durante 2019, até o início da pandemia, distintos países do mundo e América Latina viveram situações agudas de luta de classes. Alguns governos, como de Piñera e Lenin Moreno, tentarão utilizar a pandemia para enviar as suas casa os manifestantes com “toque de recolher”. Uma forma de barrar o problema debaixo do tapete.

A situação da pandemia está expondo mais fortemente os problemas estruturais latino americanos, enquanto se prevê um panorama econômico catastrófico que já está deixando os Estado Unidos a 10 milhões de pessoas sem trabalho. Onde predomina trabalho precários como na América Latina - 50% dos trabalhadores segundo o Banco Mundial - essa situação pode ser ainda mais aguda após a pandemia.

É necessária uma saída como que mostram os trabalhadores colombianos ou os distintos exemplos dos operários industriais na França, Espanha ou Itália que tem exigido converter a produção para atender as necessidades de respiradores e insumos sanitários; aos trabalhadores da Amazon no Estados Unidos, que foram a greve por condições melhores de saúde nos galpões do homem mais rico do mundo.

Nos países latino americanos é urgente que as trabalhadoras e trabalhadores imponham ao governo e aos capitalistas que nossas vidas valem mais que seu lucro. Isto é, que todos os recursos disponíveis se ponham a serviço das necessidades do povo. Para isto são indispensáveis medidas como o não pagamento das dívidas públicas, completamente fraudulentas e o fim dos bloqueios econômicos criminosos que são impostos pelo Estados Unidos sobre Cuba e Venezuela, que assolam sua população. Ao contrário, o imperialismo norte americano e britânico aumenta a pressão neste momento enviando navios de guerra ao Caribe ameaçando a Venezuela que, por sua vez, enfrenta a queda de preço do petróleo, sua principal entrada de divisas.

É cada vez mais claro que é necessário nacionalizar com o controle dos trabalhadores as indústrias estratégicas, os laboratórios farmacêuticos e as clínicas privadas para retirar estes recursos da lógica da ganancias capitalista e por elas a serviço da luta contra a pandemia e as necessidade básicas da população.

Artigo traduzido do La Izquierda Diario




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