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INTERNACIONAL | Artigo inédito dos 70´s: “O potencial revolucionário das demandas de liberação sexual”

Pela rede internacional do Esquerda Diário estamos traduzindo artigos históricos do movimento LGBTI dos anos 1970 que são inéditos para o português. Neste artigo apresentamos extratos do debate interno ocorrido no norte americano Socialist Worker´s Party, sobre as demandas acerca da liberação sexual. Os artigos em inglês estão no marxista.org.

domingo 28 de junho de 2020 | Edição do dia

Tradução: Flavia Valle

As noites de combate com a polícia em 1969 na Revolta de Stonewall converteram-se na faísca que daria origem a um movimento de diversidade sexual que lutaria contra a moral patriarcal e a LGBTIfobia, as forças repressivas e a legislação reacionária do Estado, mas também pela liberação sexual total.

Nesse contexto, com um ascenso da luta de classes, antirracista, anti-imperialista e pela emancipação das mulheres, surgiu este texto que traduzimos. Trata-se dos extratos mais sintéticos de “O potencial das demandas de liberação sexual”, um artigo de Kendall Green, originalmente publicado no boletim de discussão do Socialist Worker´s Party (SWP) dos Estados Unidos, em agosto de 1972. Artigo que encerra a sétima das nove publicações que conformam o volume 30 de discussões internas do SWP. Nesses nove números que foram publicados entre junho e setembro de 1972, há um debate teórico sobre a definição dos movimentos de liberação sexual, com o objetivo de determinar qual a estratégia para atuação neles.

O artigo que selecionamos e traduzimos em quase sua totalidade é um dos mais sintéticos e globais desse intercâmbio teórico que está presente em seus 49 artigos, recentemente disponibilizados em inglês no site marxists.org. A tônica do artigo é o debate aberto acerca das caracterizações anteriores neste debate, ou seja, se a análise e a elaboração do programa sobre a liberação sexual tratavam de demandas democráticas ou superavam esta definição somando-se ao conceito trotskista de “programa de transição” .

O Congresso do SWP realizado em 25 de maio de 1971 havia aprovado “apoio incondicional às lutas de homossexuais pelos direitos democráticos plenos (cit. en Vol. 30, nº1, junho 1972). Esse debate foi aberto no SWP através de uma moção de 14 de maio de 1972, pelo Comitê Nacional que aprova: “abrir no período imediatamente posterior a este plenário um intercâmbio de discussão partidário sobre o movimento de “liberação gay” e a orientação do partido para o mesmo, levando a tomada de decisões pelo plenário subsequente” (Vol. 30, nº1, junio 1972).

Nesse debate participam membros das seções como as de Nova Iorque, São Francisco, Seattle e Chicago, com posições sobre aspectos como a origem da opressão e a dissidência sexual, a existência de preconceitos sexuais dentro das organizações e do movimento operário e a relação entre a luta de classes e a liberação sexual.

O potencial revolucionário das demandas de liberação sexual
24 de agosto de 1972
Por Kendall Green, Seção de Upper West Side, Nova Iorque

O programa socialista revolucionário para o movimento operário, as lutas das nacionalidades oprimidas e o movimento de mulheres enfatiza a necessidade de avançar nas demandas democráticas e transicionais nesses movimentos. Temos analisado uma série de consignas para estes movimentos para determinar seu potencial revolucionário. Ao longo da discussão sobre o movimento de liberação gay é importante analisar as demandas atuais e futuras deste movimento. O camarada Weinstein (Vol. 30, Nº. 4), por exemplo, considera que a liberação gay é uma luta por demandas democráticas com um potencial limitado. Sudie e Geb (Vol. 30, Nº. 4), por outro lado, consideram que o movimento gay vai além de uma simples luta democrática, uma luta de “poder gay”.

É possível acabar com a opressão gay sob o capitalismo? Se a opressão gay pudesse ser eliminada sob o capitalismo, então as demandas para terminar com essa opressão teriam um significado mais limitado na luta revolucionária. Sudie e Geb em sua contribuição “Liberação Gay e a Luta de Classes” esboçam seus argumentos sobre por que a opressão gay não pode terminar sob o capitalismo. Dizem que “o comportamento homossexual ameaça o bom funcionamento da família patriarcal”. Dado que a família patriarcal é a instituição necessária para a sociedade capitalista, uma ameaça para ela é uma ameaça para a sociedade.

O papel sociológico da família

Se Nat Weinstein tivesse argumentado o contrário, ou seja, que o comportamento gay é compatível com a família e portanto não ameaça o capitalismo, não haveria chegado mais longe. A sociedade capitalista precisa de uma instituição que insira os jovens nos eventuais papeis como trabalhadores, donas de casa, pais e consumidores. A família fornece esse treinamento precocemente. Ensina os jovens a obedecerem às autoridades, a suprimirem seus desejos sexuais e a trabalharem em tarefas indesejáveis em troca de uma recompensa posterior. Essas atitudes são necessárias para que os capitalistas tenham uma mão de obra em casa e no trabalho que possa ser controlada.

As donas de casa e os trabalhadores devem obedecer à autoridade, devem limitar seus desejos heterossexuais no tempo, lugar e maneira, e devem estar dispostos a trabalhar por salários que chegam dias e semanas depois. Ao invés de exigir empregos desejáveis que deem satisfação. A família também treina os jovens para aceitar os papéis sexuais que lhes são atribuídos pela sociedade patriarcal.

Aos homens é atribuído fazer trabalhos perigosos e pesados, ser sexualmente promíscuo com as mulheres e comprar certos artigos de consumo como automóveis devido a áurea de promiscuidade sexual associada a eles. Às mulheres é atribuído o papel de parteiras, criadoras de crianças, companheiras fiéis de um homem, escravas e administradoras de um lar, compradoras da maioria de artigos de consumos que geralmente é apresentado como se eles tivessem o poder de manter cônjuges e filhos em casa.

O comportamento homossexual é destrutivo para essa função sociológica da família. Mina a autoridade porque é um comportamento atípico que não tem lugar na família patriarcal. O comportamento homossexual enfraquece o conceito de papéis sexuais.

Se os homens só fazem sexo com mulheres e vice-versa, e essa parte dos papéis sexuais é questionada pelo comportamento homossexual, então todo o papel é questionado e enfraquecido. À medida que os papéis sexuais se enfraquecem, os homens não podem ser motivados para realizar tarefas perigosas - como a guerra - apelando à sua masculinidade; nem as mulheres à monotonia por apelar aos seus instintos maternos.

O papel reprodutivo da família

A família também existe para continuar a reprodução das espécies sob certas condições. Antes de tudo, é necessário garantir ao capitalista que o filho que sua esposa dá à luz é geneticamente relacionado a ele, para que ele se sinta à vontade para transferir a riqueza que obteve para esse filho no momento de sua morte. Em segundo lugar, é necessário que um trabalhador, seja homem ou mulher, assuma a responsabilidade do sustento de um lar; e uma dona de casa, sempre uma mulher nesta sociedade, com responsabilidade física pelo cuidado e bem-estar deste lar. Para justificar esse altruísmo forçado, os apologistas capitalistas apontam para uma relação biológica entre os membros desta família.

A manutenção dessas condições para o papel reprodutivo da família requer não apenas a supressão do comportamento homossexual, mas também a supressão de todo comportamento erótico fora do sexo procriador no casamento. A moral oficial da sociedade de classes lutou contra o conceito hedonista de que o comportamento erótico é suficientemente justificado pelo prazer que traz aos participantes. Os moralistas da Igreja e o do Estado, ao louvar a maternidade, taxando casais e indivíduos sem filhos e aprovando leis contra qualquer outra forma de atividade sexual, impuseram a ideia de que a procriação é a única justificativa para o comportamento erótico. A atividade homossexual é um desafio direto a essa moral oficial, bem como ao conceito de gratificação tardia discutido acima, por não ser procriativo, em todas as suas formas.

Dado que o comportamento homossexual é uma ameaça para a família, e que a família é uma instituição necessária para o capitalismo e que continuará até e após a derrubada do capitalismo, podemos concluir que a tentativa de suprimir o comportamento homossexual - a opressão dos homossexuais - continuará até que uma sociedade socialista seja estabelecida. Portanto, as demandas pela libertação gay podem ter um potencial revolucionário na derrubada do capitalismo.

Demandas de outros movimentos

Outras demandas democráticas e de transição formuladas e levantadas pelos sindicatos, movimentos de liberação nacional e das mulheres também são relevantes para o movimento de liberação gay, porque os homossexuais incluem mulheres, membros de nacionalidades oprimidas, assim como em sua maioria esmagadora os trabalhadores. Grupos gays reagiram prontamente ao chamado de contingentes gays em manifestações anti-guerra, pois entendem que a discriminação contra gays nas forças armadas e os estereótipos de papéis sexuais no movimento anti-guerra são questões que ligam as duas lutas.

Da mesma forma, a discriminação contra lésbicas como mulheres e como gays, dentro e fora do movimento gay e do movimento das mulheres, vincula essas lutas. No movimento negro, escritores como James Baldwin foram reprimidos por sua homossexualidade, enquanto gays de destaque como Jean Genet se pronunciaram contra a vitimização policial do Partido dos Panteras Negras. O Partido dos Panteras Negras foi uma das primeiras organizações do movimento a falar sobre a opressão dos homossexuais.

No movimento de trabalhadores, acusações de homossexualidade costumam ser usadas para desacreditar os organizadores sindicais. Como os gays tendem a ocupar os setores mais mal pagos da economia, as lutas militantes de trabalhadores seriam de grande importância para eles e poderíamos esperar muitos organizadores de trabalhadores militantes provenientes desses setores. Assim, apesar da afirmação contrária de Nat Weinstein, existem vínculos efetivos entre o movimento gay e os outros movimentos de mudança social. Esses vínculos proporcionam lutas conjuntas entre esses movimentos.

1 - O Programa de Transição é um programa de ação elaborado pelo revolucionário russo Leon Trotsky em 1938, apresentado no congresso fundador da Quarta Internacional, sendo uma das bases do trotskismo. Essencialmente, persegue o fim de que “as massas em suas lutas cotidianas encontram a ponte que une suas demandas atuais ao programa da revolução socialista. Essa ponte deve ser composta de um conjunto de demandas transitórias, baseadas nas condições e na consciência atual de amplos setores da classe trabalhadora, para levar a uma única conclusão final: a tomada do poder pelo proletariado. ”




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