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Ortodoxia neoliberal | Argentina: Nova ministra da economia anuncia seu plano para pagar a dívida com o FMI

"Não vamos gastar mais do que temos", afirmou a nova ministra da economia argentina, Silvina Batakis. Suas medidas para cumprir o acordo com o FMI - cortes acentuados nos gastos públicos, elevação dos juros, congelamento dos salários de trabalhadores do setor público - revelam o cunho neoliberla do rumo econômico. Batakis falou aos "mercados", não houve anúncios para os trabalhadores e os setores populares para amenizar os efeitos da crise.

terça-feira 12 de julho de 2022 | Edição do dia

Os anúncios oficiais da nova ministra da Economia ocuparam a agenda da mídia argentina nesta segunda-feira, principalmente porque, após a saída de Martín Guzmán, havia a expectativa de conhecer o "plano" de Batakis, atrás do qual a Frente de Todos (de Alberto e Cristina) parece fechar acordo. Após semanas de corrida cambial e com aumentos do dólar paralelo, os anúncios acompanharam as declarações do chefe do FMI que disse dias atrás que “às vezes são necessárias ações dolorosas”.

"Não vamos gastar mais do que temos", disse a ministra e anunciou que a partir de agora as cotas orçamentárias mensais concedidas pela administração pública para alocar suas despesas estarão "de acordo" com a projeção de caixa real. Uma orientação clássica de ajuste fiscal, guiada por uma concepção "ortodoxa" da economia neoliberal.

“As medidas têm a ver com a garantia do equilíbrio fiscal” , disse Silvina Batakis no início da entrevista coletiva. Mas que implicações tem isso e quem afeta?

A trajetória de redução do déficit fiscal acordada com o FMI significa que este ano atingirá 2,5% do PIB, seguido de 1,9% em 2023 e 0,9% em 2024. Para cumprir a meta de 2022, os gastos reais devem diminuir 7,8% ao ano durante o segundo semestre do ano, trata-se de um corte de magnitude ampla. Para isso, o FMI sugere as receitas usuais que incluem um corte nas verbas destinadas à aposentadoria e programas sociais, educação e saúde.

O aumento das tarifas de serviços públicos, como eletricidade e gás, é outra forma de reduzir os gastos, reduzindo os subsídios econômicos para as empresas de energia e para que o custo recaia sobre os usuários. Será que Batakis conseguirá avançar na segmentação tarifária para que os 10% mais ricos não recebam subsídios? Guzmán não conseguiu, mas a nova ministra confirmou que a partir de sexta-feira, 15 de julho, quem quiser manter os subsídios poderá se registrar em um cartório.

O congelamento dos salários do setor público é uma medida que atingirá aqueles que dependem do governo central e também organizações descentralizadas. Um primeiro efeito dessa medida é a redução de funcionários públicos, pois diante das aposentadorias e demissões que continuam acontecendo, não haverá novas contratações. Por outro lado, isso pode implicar em uma sobrecarga de trabalho para os trabalhadores, aumentando a precarização das condições de trabalho em muitos casos de falta de pessoal, como nos hospitais.

Que a saída da crise não seja pela direita

No geral, se for analisado o efeito do programa Batakis para sair da atual crise econômica e social que atravessa a Argentina, o resultado é o aprofundamento das medidas ortodoxas que também trouxeram o país até aqui. Uma virada à direita que busca fazer com que o custo da crise recaia sobre os setores mais vulneráveis. Aqueles que defendem o equilíbrio fiscal ainda não buscam implementar medidas mínimas para aumentar a arrecadação de impostos sobre os setores mais concentrados da economia que aumentam seus lucros, vejamos:

Benefícios para o agronegócio: Os níveis de retenção de exportação de grãos são historicamente baixos em termos de seus preços e da taxa de câmbio real atual, permitindo que os empregadores rurais aumentem seus lucros. Além disso, os grandes exportadores usam seu nível de concentração para subfaturar suas vendas e sonegar impostos. 50% do comércio exterior da Argentina corresponde ao comércio de cereais e oleaginosas com seus derivados e 30% é do complexo da soja. Em 2021, apenas os nove primeiros exportadores de grãos e subprodutos agrícolas corresponderam a 90% do total de vendas ao exterior. As multinacionais Cargill, Cofco, Viterra, Bunge e ADM-Toepfer foram as 5 empresas que lideraram as exportações de grãos e derivados, com participação de 15, 14, 14, 13 e 11%, respectivamente.

A privatização do comércio exterior se agravou desde a década de 1990, quando algumas empresas ampliaram seu controle na logística de embarques para o exterior. As empresas de cereais gerem os seus próprios portos, uma vez que estes foram privatizados. Cargill, Bunge, AGD, Vicentín, Dreyfus, Toepfer (Alemanha), Molinos Río de La Plata e Nidera têm seus portos no rio Paraná. A Cargill possui frota própria e opera o Terminal 6 em Puerto San Martín. Em condições semelhantes está a Bunge. O Governo se recusa a exercer qualquer tipo de controle nessa área, respeitando uma lei da ditadura de Videla que dá espaço a este tipo de prática.

Impostos baixos para os ricos: Os empresários argentinos reclamam dos impostos, mas a realidade é que a maior parte da receita do Estado argentino vem do imposto sobre consumo pago pelos trabalhadores e suas famílias cada vez que compram alguma coisa. Guzmán renunciou, deixando a proposta de imposto de "renda inesperada" no ar e Batakis não propôs nenhuma medida que afete os milionários, com exceção da reavaliação fiscal, que, além de seus efeitos limitados, se aplicada rapidamente, só poderia obter resultados em 2023.

Perante a crise, nem sequer se propõem a reemitir o imposto "sobre as grandes fortunas", cuja escassa arrecadação destinava-se sobretudo a garantir a extração de hidrocarbonetos, incluindo o gasoduto Vaca Muerta que foi centro de polêmicas ambientais. Muito pouco afetam os bancos, que em 2021 acumularam lucros líquidos de US$133.720 milhões (o equivalente a US$365 milhões por dia) ou a receita financeira, que mal é tributada em 5% e sequer em todos os casos.

Batakis afirmou que "todas as metas" acertadas por Guzmán com o Fundo Monetário estão mantidas, o que ela não disse é que, ao não afetar os grandes empresários, para cumpri-las buscará fazer a crise recair sobre os de baixo. É contra esse objetivo que as organizações sociais e a Frente de Esquerda, dirigida pelo PTS, partido irmão do MRT e que impulsiona a rede Esquerda Diário na Argentina, se mobilizaram neste sábado na Plaza de Mayo. A forma de encarar o plano da nova ministra está ali, nas ruas.




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