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EDUCAÇÃO | Alfabetização no governo Bolsonaro: regressão rumo ao século XVIII

O ano de 2019 iniciou com o Decreto 9465/2019, que reconfigura a organização do MEC, com a criação, junção e extinção de secretarias. Nesse contexto, a novidade de uma Secretaria de Alfabetização que, no discurso do atual governo, tem como foco suprir as carências do Brasil nessa área, mas que, na verdade, se apresenta como uma verdadeira bomba de ataques reais e ideológicos a todo o sistema de ensino.

quarta-feira 20 de fevereiro de 2019 | Edição do dia

O ano de 2019 iniciou com o Decreto 9465/2019, que reconfigura a organização do MEC, com a criação, junção e extinção de secretarias. Nesse contexto, a novidade de uma Secretaria de Alfabetização que, no discurso do atual governo, tem como foco suprir as carências do Brasil nessa área, mas que, na verdade, se apresenta como uma verdadeira bomba de ataques reais e ideológicos a todo o sistema de ensino.

A Secretaria de Alfabetização está estruturada numa subdivisão em diversas diretorias, dentre elas a Diretoria de Alfabetização Baseada em Evidência; a Diretoria de Suporte Estratégico à Alfabetização; e a Diretoria de Desenvolvimento Curricular e Formação de Professores Alfabetizadores. Segundo declarações à imprensa do Ministro da Educação, Rodrigo Vélez Rodriguez, a alfabetização no Brasil deveria acontecer exclusivamente pelo método fônico, mas, como quase todas as pautas do novo governo, já foi desmentido por Tânia Almeida, Secretária de Educação Básica, na manhã de 19 de fevereiro, no debate do movimento “Todos pela educação”, em São Paulo, dizendo que serão utilizadas várias abordagens,respeitando as diferenças regionais,o que, também, é muito vago e evasivo e abre espaço para que muita gente não especializada em educação, tenha suas próprias “opiniões” e “evidências científicas”.

O método fônico, a grosso modo, baseia-se na relação grafema/fonema, até se chegar às palavras, frases e textos. Esse tipo de abordagem vai contra o que há anos, no Brasil e no mundo, vem se pensando sobre o que seria a aprendizagem formal da língua materna, tendo, no Brasil, muitas estudiosas, como Magda Soares, pesquisadora mineira, uma referência internacional do letramento, abordagem que entende a alfabetização enquanto conhecimento dentro de seu contexto, ou seja, a língua é uma apropriação cultural, social, e as palavras são cheias de significados e significantes, a criança não aprende simplesmente a ler as palavras, mas a entender que os textos têm destinador e remetente, têm contexto, muito além de seus sons
(ainda mais que, na Língua Portuguesa, nem sempre grafema e fonema coincidem e, com a grandeza territorial do país, cada região tem seus acentos).

Logo, além do uso de muitos termos que vão contra o que vem sendo feito no país por meio de pesquisas e motivo de luta durante décadas sobre a alfabetização, o documento apresenta excessiva importância à “criação de material didático e de manuais para professores”. Fato que cerceia a autonomia docente e gera lucro às editoras (que já ganham muito com os livros didáticos que, desde o ano de 2019, são consumíveis).

No mais, o que seria avaliar as competências de educação baseada em evidências científicas? Há uma diretoria somente para isso. Parece que todo o governo Bolsonaro vai criar um conceito novo de alfabetização e mudar tudo isso que está aí, como se nenhum pesquisador tivesse se dedicado a esse trabalho historicamente, o que, na verdade, busca limitar os alunos e professores a uma aprendizagem mecânica, como se a língua não fosse um importante meio de dominação hegemônica de um povo. Há a criação de uma nova Secretaria, a de modalidades
especializadas de educação, que abrange a educação especial, a do campo, indígena e quilombola, e tem como foco a valorização das tradições populares brasileiras. Isso parece muito a uma educação “moral e cívica” do que é (permitido) ser brasileiro, com a valorização das “tradições culturais”, um ataque ao movimento negro, ao indígena e ao das pessoas com deficiência.

O ano letivo mal começou e já tivemos o caso dos livros didáticos, que poderiam até ser entregues sem revisão ortográfica e sem as referências, além de não terem que, obrigatoriamente, respeitar as diferentes formas de organização familiar, de gênero, de raça, de diversidade sexual.

Além do caso da escolha de Maria Eduarda Manso para coordenar os professores alfabetizadores que, só cursou uma faculdade de direito, não tem experiência na área da educação e, mais especificamente, da alfabetização, gritando à sociedade que, para gerir uma pasta de tamanha importância, no Brasil, só precisa ter feito um TCC sobre educação domiciliar, desrespeitando todas as profissionais desse país que se dedicam, há anos, ao estudo e à prática docente.

A escola, desde sua origem nesse formato, na Revolução Francesa,
tem como objetivos claros a formação da burguesia e do proletariado,
oferecendo a cada classe o que a elas lhe espera o futuro. Ataques na
alfabetização são ataques para gerações, que ferem tanto professores, como
alunos, que serão submetidos a toda a precarização que aumenta cada dia mais no campo educacional.

Já passou da hora de todas as centrais sindicais se mobilizarem
contra todos os ataques à educação, desde o Escola Sem Partido a esse
decreto, que quer precarizar ainda mais o processo inicial de aprendizagem
escolar de nossas crianças e submeter as professoras e professores ao uso de
materiais didáticos famigerados, cerceando a liberdade de cátedra.




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