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OPINIÃO | Alckmin propõe self service da educação

quinta-feira 2 de julho de 2015 | 03:57

Que a educação básica em São Paulo vai mal não é novidade. Salas hiperlotadas, falta de material (até mesmo coisas simples e essenciais como papel higiênico!), o salário mais baixo dentre as profissões que requerem ensino superior... Tudo isso levou à mais longa greve da história dos professores estaduais (mais sobre isso aqui), recebida pelo Governador Geraldo Alckmin com corte no salário de grevistas e intransigência nas negociações. Agora, pouco após o fim da greve, a Secretaria Estadual de Educação divulgou um plano de mudança curricular para o Ensino Médio.

O novo modelo educacional de Alckmin, que entrará em vigor já em 2016, em fase de testes, dará aos estudantes dos últimos anos do Ensino Médio a possibilidade de direcionar seus estudos para as áreas que acharem mais importantes. Um olhar superficial dará a impressão de que é uma medida que aumentará o interesse dos alunos e contribuirá para reduzir a evasão, pois parece colocá-los como agentes centrais na reformulação pedagógica. Porém, ao nos aprofundarmos, veremos que essa medida precariza ainda mais a educação em nosso estado e não tem nada de progressista. Trata-se de mais uma manobra do Governo Alckmin para esvaziar o conjunto de ferramentas que a escola pública é capaz de dar hoje aos estudantes pobres, em sua maioria negros.

Primeiro, nada se diz sobre como se dará a oferta das disciplinas, quantas vagas, tamanho das salas etc., e não está havendo contratação de professores em áreas onde a procura pode ser maior (não se divulga ao menos se há estudos em relação a isso), o que nos leva a acreditar que a superlotação em muitas salas continuará, ou até se agravará. Segundo, disciplinas historicamente mais rejeitadas, por exemplo matemática ou física, ou consideradas “chatas”, como história ou filosofia, ao terem uma possível menor procura podem acabar sendo diminuídas cada vez mais, legitimando o fechamento de salas e a demissão de professores (principalmente os que têm contratos frágeis, como os da categoria “O”) sob um discurso de “falta de demanda” (o mesmo usado hoje para acabar com o turno da noite em muitas escolas). E terceiro, o sistema dos vestibulares não mudará, e a formação “incompleta” na rede pública alargará ainda mais o abismo entre estudantes vindos da rede particular e aqueles que estudaram nas escolas estaduais.

Além de tudo isso, dados divulgados pelo IBGE [1] mostram que 28,8% dos jovens entre 15 e 17 anos, ou seja, em idade ideal para estarem no ensino médio, não têm o ensino fundamental completo. Portanto, essa mudança fecha os olhos para a situação de mais de um quarto dos jovens nessa idade, o que representa mais de 500 mil pessoas. Ou seja, essa mudança não resolve os problemas estruturais que os governos municipais são incapazes de sanar, sendo assim francamente incompleta, ao contrário de ser a grande solução que se está anunciando.

Vale lembrar que Alckmin não é o único a propor uma reformulação pedagógica que, no limite, reduz e compartimenta o campo do conhecimento para os estudantes do sistema público de ensino. Em 2014, ainda durante a corrida eleitoral, Dilma Rousseff propôs que a grade de disciplinas das escolas técnicas fosse diminuída, com a desculpa de que 12 disciplinas é desestimulante para o estudante. Disciplinas que foram alvo da proposta? História e filosofia.

Assim fica patente o interesse, tanto do PSDB, quanto do PT, em voltar a educação cada vez mais para o mercado, retirando qualquer possibilidade de uma formação que dê ferramentas para se questionar o mundo, tentando criar apenas trabalhadores-engrenagem. Se houvesse a prioridade real no protagonismo estudantil, as mudanças propostas iriam no sentido de uma educação que focasse menos em transmissão de conhecimentos específicos e mais em aquisição de capacidades, como a habilidade para analisar e relacionar dados e informações, apoiada em conhecimentos básicos.

Mas para o jovem pobre e negro, que é quem constitui a maioria dos estudantes, a forma como o novo modelo está sendo implementado soa como se o Estado dissesse: “Aproveite o ensino médio porque é o máximo que vamos proporcionar. ” Além disso, ao criar esse sistema de self service de disciplinas para o aluno, o Estado transfere qualquer responsabilidade pela insuficiência da educação ao próprio aluno, como quem dissesse: “Queria uma educação melhor? Se matriculasse em outros cursos! ” Uma melhor saída, hoje, seria oferecer um núcleo comum de disciplinas elementares, necessárias para uma formação crítica de mundo e, enquanto ainda existir, para o vestibular. Para complementar a grade, poderiam também ser oferecidas disciplinas optativas, onde o aluno pudesse desenvolver suas habilidades e ter autonomia para se aprofundar naquilo que mais gosta de estudar. No entanto, é apenas com o fim do vestibular, e a expansão das vagas do ensino superior por meio da estatização das universidades privadas, que se poderá de fato garantir que o ensino médio não seja o horizonte máximo ao qual os jovens podem aspirar, e que todos tenham acesso pleno a todos os níveis da educação; só então as mudanças no ensino básico poderão ter um efeito real, só então poderemos falar em educação pública, gratuita e de qualidade para todos.

Nota:

[1] Fonte dos dados: Censo Escolar Estado de São Paulo Informe 2014, p. 14 disponível aqui e aqui




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