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POESIA | Ainda sobre a FLIP 2016 – Kate Tempest e Ramon Nunes Mello

Gabriela FarrabrásSão Paulo | @gabriela_eagle

quarta-feira 20 de julho de 2016 | Edição do dia

Se a FLIP tentou se manter imparcial politicamente, seus convidados não, e a mesa “O palco é a página” foi um exemplo disso com a presença da inglesa Kate Tempest e do carioca Ramon Nunes Mello permeando suas falas com muita política.

O encontro entre dois autores que fazem da poesia uma genuína arte do palco.

Kate Tempest (Londres, 1985) não demorou a surgir na cena da spoken word inglesa, transitando entre o rap e a poesia clássica. Em seus discos (Balance e Everybody Down), coletânea de poemas, shows e peças de teatro, combina elementos eruditos, como a poesia épica, à referência pop, em especial o hip hop. A mistura de registros poéticos e a atitude iconoclasta lhe valeram o Ted Hughes Award, que premia a inovação na poesia britânica, e também a fama de rebelde nos meios mais tradicionais da literatura de seu país. Em Paraty, lança seu primeiro romance, Os tijolos nas paredes das casas, pela Casa da Palavra/Grupo LeYa.

Desde a sua estreia em livro, com Vinis mofados (Língua Geral, 2009), o ator, poeta e pesquisador Ramon Nunes Mello (Aruana – RJ, 1984) é apontado como um herdeiro da contracultura literária dos anos 1970 e 80. Em 2011 publicou Poemas tirados de notícias de jornal (Móbile Editorial). Seu trabalho de pesquisa e curadoria literária inclui a organização de Escolhas (Língua Geral/Carpe Diem, 2009), autobiografia intelectual da professora de literatura Heloísa Buarque de Hollanda, com quem assina a organização da antologia digital Enter. É organizador das obras do escritor carioca Rodrigo de Souza Leão (1965 – 2009) e da poeta carioca Adalgisa Nery (1905 – 1980). Na Flip, lança os poemas de Há um mar no fundo de cada sonho (Verso Brasil, 2016)”.

  •  apresentação da mesa na programação da FLIP –

    Ramon abriu a mesa dedicando sua fala a duas minorias, que são diariamente agredidas e massacradas: gays e indígenas. A influência indígena será muito forte na obra de Ramon pelas inúmeras viagens que fez a tribos buscando de fato conhecer esse povo. O autor seguiu impondo um tom político a mesa questionando o fato de apenas duas mulheres terem sido homenageadas pela Flip, fala que se ligou muito ao fato de logo depois Kate colocar sobre o fato de ser invisibilizada pela sua sexualidade, por ser mulher.

    A última obra de Ramon, Há um mar no fundo de cada sonho, conterá em si muito da vida pessoal do autor, que se descobriu soropositivo e considerou que seria uma farsa se ele não falasse disso em sua literatura. O autor seguiu relatando a sua relação com a AIDS e se disse profundamente envergonhado por um governo Temer, pela sua ilegitimidade e pela demissão do diretor do departamento de AIDS, Fabio Mesquita por incompatibilidade com esse governo golpista.

    Questionada sobre a sua presença no spoken world, que seriam os slams na Inglaterra, competições de poesia, Kate colocou que acredita que a literatura se trata de um relação triangular que envolve escritor, texto e leitor, que o texto não termina no papel, por isso a relação da literatura também com a música, e também porque são dois meios de conectar as pessoas.

    À época da mesa, a Grã-Bretanha havia recém saído da União Europeia, o que não poderia passar batido na presença de uma escritora inglesa. Perguntada a respeito, Kate tentou colocar sua orientação política de lado, o que na leitura de sua literatura é impossível, disse que não obstante o alinhamento político de cada um, se de esquerda ou de direita, o que está por vir inegavelmente é um futuro ainda mais sofrido para a juventude, com empregos precarizados e o desmonte dos serviços de bem estar social. E a escritora diz com conhecimento de causa, pois esses são justamente muito dos elementos que ela explora nas suas obras. Nascida na região sudeste de Londres, área mais periférica da cidade, no romance de Kate são retratados esses jovens desiludidos com perspectivas pessimistas, sobrevivendo e subsistindo a partir de empregos precarizados; ou imigrantes batalhando por seu espaço numa sociedade cada vez mais hostil a sua presença.

    Sem muitas dificuldades podemos interligar a realidade pessimista para a juventude e a classe trabalhadora, comentada na fala e retratada na obra da artista, ao nosso próprio contexto nacional. Numa mesa que de início parecia desconjuntada, sua proposta inicial era tratar da dimensão performática da literatura, após breve introdução de cada um no tema, tão logo a ideia foi abandonada em benefício da discussão de particularidades de cada um e suas obras, o que, por um acaso, deu muito mais liga do que a intenção original, que se manteve unicamente nas performances isoladas de cada um, com Kate em particular agraciando a plateia com suas declamações vividas e instigantes.

    Ramon e Kate, muito por conta própria, fizeram a mesa mais politizada e progressista da FLIP. A obra dos dois é muito carregada de suas subjetividades, - uma mulher bissexual, sem as prerrogativas naturalmente vinculados a imagem da mulher, como ela mesmo colocou, delicadeza, feminilidade; um gay, soropositivo, com inclinações para o misticismo e a cultura indígena – que não são os perfis típicos na literatura. Por isso, foi justamente nessa mesa que se exprimiram os discursos mais progressistas, onde a diversidade teve voz.


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