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OPINIÃO | Acordo entre Governo e Samarco: Uma pizza de lama tóxica

Nesta quarta-feira (02) foi assinado acordo entre as empresas responsáveis pelo maior crime ambiental da história do país, ocorrido em novembro de 2015 em Mariana (MG), e o Governo Federal. O acordo irá “salvar a pele” dos responsáveis pela morte de 19 pessoas e pela destruição ambiental em vários aspectos irreparável e incomparável na história do país. Os valores acordados serão facilmente pago pelas gigantes mineradoras e totalmente insuficientes para a recuperação ambiental. O que está se passando diante dos nossos olhos é mais um episódio do “tudo acaba em pizza”; e essa é uma pizza de lama tóxica que segue a envenenar as entranhas do país.

quinta-feira 3 de março de 2016 | 11:23

Foto: Fred Loureiro/ Secom ES (25/11/2015)

Assim como ocorreu desde o começo com este crime, não houve investigação independente, a empresa usando da polícia e do exército isolou a cena do crime para fazer uma limpeza de tudo que a pudesse incriminar durante meses. Os responsáveis não foram presos, sequer seus bens confiscados. Especialistas, cientistas, moradores, pescadores, agricultores locais não puderam opinar se é possível a recuperação do meio ambiente e de suas vidas com os valores fechados no acordo. Nenhuma resposta capaz de trazer segurança e melhores condições de vida às famílias dos trabalhadores que morreram ou aos moradores que tiveram suas vidas destruídas e que sempre sofreram com a exploração, precarização do trabalho e a destruição de suas vidas perpetradas pela ganância capitalista brutal das mineradoras.

E de onde surgiu este acordo, os valores e as medidas definidas? Dos interesses dos políticos, burocratas do alto escalão do governo e dos empresários; ou seja, os mesmos gananciosos e criminosos responsáveis pelo crime (e que vem ocupando a capa de todos os jornais com seus escândalos de corrupção e privilégios pelo poder e pela riqueza) agora fecham um acordo para “recuperar” o prejuízo... deveria ser dito na realidade recuperar o prejuízo DELES, ganhando e explorando ainda mais.

O acordo

O acordo determina que em 15 anos as empresas Samarco, Vale e BHP invistam 20 bilhões de reais na recuperação social e ambiental. A satisfação foi evidente para governos e empresários. Dilma disse que a construção do acordo foi possível graças ao apoio das empresas "e também a certeza que elas assumiram as responsabilidades". Perguntado se a Vale estava satisfeita com o acordo, o presidente da companhia, Murilo Ferreira, afirmou: "todas as vezes que você faz alguma coisa em consenso e harmonia, eu acho que sempre tem muito mais chance que as coisas corram bem do que simplesmente uma situação de conflito e litígio".

Certamente estão felizes. Primeiro porque o valor de 20 bilhões não equivale sequer a 1 ano do lucro líquido (apenas o que “sobrou” após ganhos e custos) das três empresas. Apenas a BHP possui um lucro líquido de mais de 20 bilhões de reais no ano (6,4 bilhões de dólares em 2014). A Samarco teve mais 2,8 bilhões de reais como lucro líquido em 2014 e apesar de não haver dados sobre lucro líquido da Vale o total de sua receita em 2014 foi de 62,8 bilhões e o setor extrativista foi o único setor industrial que apresentou crescimento no PIB do Estado de Minas Gerais em 2015, o que certamente proporcionou lucros bilionários para a Vale.

Segundo porque as empresas “ganham tempo” para pensar processos jurídicos e reverter parcialmente o investimento que estariam fazendo, por exemplo, em uma situação hipotética, após alguns anos, passada a comoção popular e reduzida a vigilância sobre os processos, poderiam exigir judicialmente redução do valor, alegando que já houve recuperação suficiente, ou até mesmo pleitear propriedade de áreas de preservação ambiental (ambição antiga da Vale na região) como fruto do investimento que fazem.

Terceiro, será criado um fundo e uma fundação para a aplicação dos valores de 20 bilhões. E através de acordos financeiros controlados pelas empresas e políticos estes fundos podem ser usados também para especulação financeira, por exemplo não está claro como serão garantidos recursos para este fundo, se se poderá pegar dinheiro emprestado com juros reduzidos por supostamente se tratar de uma obra social, o que geraria receita para os investimentos feitos diretamente pelo caixa das empresas.

Por último, o acordo faz com que na prática o crime seja considerado um acidente, tentando evitar a possibilidade de uma luta pela reestatização da empresa Vale. Enfim, o acordo pode ser considerado um novo marco na história violenta da mineração no Estado de Minas Gerais e de todo o Brasil. O que Fernando Henrique Cardoso (PSDB) fez com a entrega da Vale para interesses dos ricos, Dilma (PT) continua, do mesmo jeito, com o acordo firmado ontem, que reafirma que menos importa as vidas dos trabalhadores e o meio ambiente, do que a ganancia capitalista dos empresários e políticos dos ricos.

“Passar a limpo” a história de exploração e opressão na mineração

Ficou famosa a mentira contada pelos ricos e a grande mídia de que os empresários e a direita querem “pouco Estado”. Com isso o governo de FHC dentre outras coisas entregou para interesses dos ricos empresas que eram estatais como a Vale (e estão fazendo o mesmo com a Petrobrás). O resultado foi a criminosa lama tóxica que de alguma forma tocou toda população brasileira.

No entanto, os ricos e seus governos ainda fizeram mais depois deste crime. Todo o aparato estatal serviu fortemente para blindar as gigantes da mineração. Os políticos saíram a negociar com as empresas e por sua vez a polícia militar e o exército fizeram a segurança para garantir que a empresa acusada tivesse livre acesso à cena do crime. Por fim, este acordo que sacramentou este processo foi articulado pelos governos Federais, através da figura da própria presidente, do Estado de Minas Gerais, com a presença de Fernando Pimentel (PT) que dias após a tragédia deu coletiva de imprensa na própria sede da empresa Samarco, um símbolo de quem ele estaria primeiro apoiando naquele momento e do governo do Estado do Espírito Santo, governado por Paulo Hartung (PMDB).

Isso mostra na realidade como funciona na verdade o Estado hoje e em parte de toda a história do país. A população trabalhadora sempre vimos os ricos estrangeiros e nacionais entregarem a riqueza de nosso meio ambiente, explorarem e escravizarem os trabalhadores brasileiros, usando do racismo (muitas das áreas da mineração foram quilombos atacados pelo Estado) e da miséria enquanto toda a riqueza retirada vai direto para o bolso dos empresários. Sempre vimos os políticos dos ricos criarem um sistema que chegou, nos dias de hoje, a ser “democrático”, mas na verdade é democrático apenas para os ricos, pois são eles os que tem poder para dirigir os governos e o Estado a serviço de seus interesses.

Por isso, ao contrário da falsidade de Dilma, uma verdadeira lição aprendida com o crime cometido pela Samarco, Vale e BHP faria com que toda a riqueza produzida estivesse em função de condições de vida dignas para todos os trabalhadores, acabando com a terceirização, diretamente efetivando os trabalhadores destas empresas para que todos tenham as mesmas condições de trabalho, salários dignos, para que deixem de morrer e viver boa parte de suas vidas em buracos insalubres e desumanos. Que a riqueza estivesse em função de uma vida digna para os camponeses da região que são responsáveis pela alimentação da população urbana e vivem miseráveis e ainda expostos aos acidentes que a qualquer momento podem levar um mar de lama tóxica que acaba com suas terras, com os peixes e as criações em troca. Que a riqueza estivesse em função da infraestrutura das cidades da região, hoje totalmente carentes de meios de transporte, de lazer e cobertas de poeira tóxica responsável por lesar constantemente a saúde de toda a população e fazer cidades como Congonhas (onde se encontram obras consideradas patrimônios culturais da humanidade) se tornarem um deserto econômico onde as únicas opções de sobrevivência são o trabalho precário e que passam por um crescente da criminalidade e da prostituição adulta e infantil.

Nesse sentido, do outro lado o “pulo do gato” de toda a população trabalhadora que nos sentimos explorados e oprimidos por esta situação seria poder “passar a limpo” o sistema econômico e político da região e do país. A mobilização dos trabalhadores e de todo o povo por uma Assembleia Constituinte Livre e Soberana seria uma forma de termos acesso a todas as negociações e informações que levaram a este acordo entre empresas e governos, além de outras medidas prévias ao crime que poderiam responsabilizar políticos que hoje estão protegidos por trás dos seus privilégios e foros políticos privilegiados, como Pimentel que meses antes já propunha flexibilizar as licenças ambientais para barragens.

Desta forma poderia ser colocada através do voto dos trabalhadores (e não da oposição de direita do PSDB, que foi quem fez parte da privatização da Vale e que governou o Estado nos últimos 16 anos sendo também responsável) a revogabilidade dos mandatos a qualquer momento de todo político e funcionário de alto escalão do Estado que fosse comprovado ter participação no crime da Samarco. Além de tirar outros privilégios fazendo com que ganhem no máximo igual a uma pessoa que trabalha na mineração ou a uma professora do Estado.

Finalmente, medidas como que poderiam ser as mais democráticas possíveis ainda dentro do capitalismo, poderiam levar aos trabalhadores tomarmos novamente o controle da Vale, reestatizando-a neste caso sobre controle dos trabalhadores e da população, para assim questionar a lógica da ganância e do “tudo pelo lucro” que impera e fazer que tudo que for produzido o seja de forma a respeitar o meio ambiente e trazer qualidade de vida a toda população trabalhadora. Poderíamos também finalmente punir os empresários responsáveis, confiscando seus bens e colocando a serviço da população atingida.

Por fim, esta luta não seria fácil e não poderia ser feita senão que através da mobilização e luta independente e unida dos trabalhadores com estudantes, através de greves, manifestações, com participação dos sindicatos e organizações de luta dos trabalhadores e da juventude, organismos independentes de pesquisa científica e ambiental, organizações de moradores da região, de mulheres e da população quilombola da região. Os sindicatos de trabalhadores da região e a verdadeira esquerda que não está comprometida com o governo de Dilma devem levar esta perspectiva a frente, a luta contra este crime capitalista não pode acabar.




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