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VIOLÊNCIA RACISTA | A violência racista na Alemanha e o papel da esquerda

sexta-feira 4 de setembro de 2015 | 00:30

Atualmente, em meio a crise migratória na Europa, cada dia se produz mais de um ataque xenófobo a centros de refugiados na Alemanha. Como chegamos a esta situação e como podemos enfrentá-la? O papel da esquerda frente à xenofobia e o racismo.

Janelas quebradas, edifícios ou ginásios queimados, manifestações furiosas contra imigrantes, violência física contra refugiados, ativistas e médicos solidários. Tem-se podido observar estas cenas em toda Alemanha nas últimas semanas e meses. Diariamente há notícias sobre atos de violência contra imigrantes.

Vale perguntar se a Alemanha, como em princípios da década de 90, se afunda em uma onda racista.

A “crise migratória” polariza a sociedade. Em uma enquete recente, 77% dos pesquisados elegeu o tema “imigrante” como a principal preocupação na situação atual. A chanceler Angela Merkel (CDU) na tradicional “entrevista de verão” disse que “nos próximos anos os fluxos migratórios nos ocuparão mais que a Grécia”.

Na verdade, existem cada vez mais pessoas em busca de refúgio da fome, guerra e perseguição, arriscando suas vidas. Ainda que, em 2008 apenas 28.000 pessoas solicitaram asilo na Alemanha, em 2014 eram 202.800 e na primeira metade de 2015 são 179.500. O Ministro do Interior espera 800.000 solicitações de asilo durante todo o ano. A estas cifras se somam dezenas de milhares que chegam sem registro na Alemanha.

Nos últimos anos milhões de refugiados e ativistas solidários, se mobilizaram em todo o país e protestaram contra as leis anti-imigrantes da Alemanha e da União Europeia (UE) com ocupações de praças, greves de fome e manifestações massivas. No entanto, no ano passado o movimento teve um refluxo importante. Primeiro, pela intransigência do governo e segundo, pela falta de uma estratégia que poderia unificar o movimento dos refugiados e seus ativistas solidários e estabelecer uma aliança social com a classe operária nativa.

Como conseqüência aumentou o clima reacionário nas ruas com as manifestações direitistas violentas como a HoGeSa (“Hooligans contra salafistas”) e o movimento anti-imigrantes e anti-europeu Pegida que juntou milhares de seguidores.

E enquanto o número de ataques racistas contra os refugiados e os seus centros atingiram os níveis mais elevados por 23 anos, a campanha de ódio dos partidos burgueses contra os imigrantes dos Bálcãs ocidentais segue. E se acordaram novas restrições ao direito de asilo e outras se estão discutindo, tal como a criação de uma “lei migratória".

Mas que alternativa tem que levantar o movimento dos refugiados, dos trabalhadores, estudantes combativos e a esquerda revolucionária frente à radicalização reacionária nas ruas e no parlamento, para superar as leis racistas e atender às demandas históricas do movimento de refugiados e da população migrante?

Clima reacionário e catástrofe humanitária

Nos últimos meses, a habitual campanha de difamação do governo contra os imigrantes foi acompanhada com uma onda de ataques diretos à esses imigrantes. Entre 2013 até 2014 estes ataques se triplicaram, chegando a 203 no ano passado. Em 2015, só nos primeiros seis meses houve 202 ataques documentados contra imigrantes e a violência da direita também se multiplicou até chegar a um caso por dia. Isso sem contar a cifra “não oficial” que será muito mais alta tendo em conta a cumplicidade de policiais, serviços de inteligência e grupos da ultradireita.

Além disso, se acumulam os ataques a médicos solidários ou inclusos políticos, como é o caso do conselheiro do partido Die Linke de Freithal na Saxônia cujo carro explodiu. Ainda que com o atraso, está clara a conexão entre este ato de violência aberta movimentos como Pegida ou iniciativas contra os centros de refugiados. Em meio a esta situação o partido anti-euro “Alternativas Para Alemanha” (AfD), que no ano passado pode ter importantes vitórias eleitorais, se rompe. A ala “moderada neoliberal” dirigida pelo fundador da AfD rompeu e fundou um novo partido chamado “Alfa”, que mesmo sendo abertamente racista e xenófobo tomou a direção do partido. É de se espera que agora se apresentará mais abertamente como expressão política da ultradireita.

Os partidos burgueses aproveitaram o clima agitado para avançar em sua agenda reacionária contra os refugiados. As novas leis anti-imigrantes aprovadas em junho possibilitaram o encarceramento de quase todos os imigrantes em cárceres de deportação. Já existe um consenso entre os partidos burgueses para novas restrições como a integração de países como Kosovo, Montenegro e Albânia na lista dos “países de origem segura” para evitar que pessoas dessas regiões solicitem asilo na Alemanha e facilitar sua deportação.

As duas caras da política migratória imperialista

Mas todas essas medidas xenófobas não impedem que milhões, sobretudo os que são oprimidos e perseguidos, busquem seu futuro na Alemanha. Como resposta, a Oficina Federal para migração e imigrantes (Bamf) quer suprimir a ajuda estatal de 142 euros aos solicitantes de asilo. O chefe do governo regional de Land Bavaria, Horst Seehofer do partido regional democristano CSU avançou na abertura de “campos” para refugiados do sudeste da Europa, perto da fronteira para “impedir o abuso do asilo”.

O financiamento para centros de refugiados é completamente insuficiente, uma vez que em muitas cidades se construíram acampamentos para refugiados, totalmente expostos a condições precárias de vida desumanas. Mesmo o chefe de Baden-Württemberg, Winfried Kretschmann, do Partido Verde ecologista, suscita a necessidade de reduzir o número de refugiados nos Bálcãs.

Distintos setores de direita exigem a intervenção do exército e a contratação de mais policiais contra os refugiados. Todo o espectro burguês tem uma só resposta a “crise migratória”: restrição de direitos democráticos e intimidação mediante a repressão e a deportação. É óbvio que não só cedem a pressão dos movimentos direitistas e a violência contra os imigrantes, mas também favorecem seu crescimento, o que constitui outra parte da política migratória alemã para solidificar a miséria social da privação de direitos, isolamento e incertezas.
Mas dentro da classe dominante iniciou-se um debate sobre a introdução de uma “lei migratória” levantada pelo SPD que quer combinar políticas de integração com uma “linha dura” agressiva.

Mais e mais vozes estão sendo levantadas em favor de separar os imigrantes "úteis" e os "inúteis" dando-lhes mais oportunidades para deportar alguns em troca de um acesso mais rápido para os verdadeiramente necessitados e remover qualquer oportunidade ou "motivação" para fugir de seus países origem.

A este respeito, a Federação da Indústria Alemã (BDI) e a central sindical DGB requerem a abertura das portas do mercado de trabalho aos imigrantes. O presidente da Câmara de Comércio e Indústria Alemã (DIHK) Eric Schweizer também rejeitou os ataques contra refugiados e apelou para uma "cultura de boas-vindas": "Isso eu também digo por próprio interesse, porque as empresas dependem de especialistas do exterior."

Mas, longe de garantir uma vida segura para os refugiados na Alemanha, este programa quer levar sua força de trabalho a ter lucros potenciais com mão de obra barata. Ou seja, um programa de exploração burguesa com que parte da burguesia quer tirar "proveito" da situação atual, apoiando transformar cada restrição da legislação de asilo.

Ofensiva militarista Europeia

Na Europa, há uma mudança em curso na política de imigração no contexto de cada semana aumentar as manchetes de todos os países sobre os desastres humanitários sofridos pelos imigrantes.

O grande número de refugiados que chegam em países vizinhos como a Grécia ou a Itália quebrou as "leis Dublin" que fizeram que a maior carga de refugiados recaísse sobre os países do sul da Europa, hoje em crise. O "sistema de Dublin", afirma que o primeiro país da UE que chega os refugiados é responsável pelos trâmites do pedido de asilo. Isso levou a condições desumanas nos centros de refugiados na Itália, a Grécia, a Bulgária ou a Espanha.

O novo "acordo de distribuição de quotas" para cada país pretende mudar esta situação, mas já se desenha o fracasso desta política. Nenhum dos países nórdicos que se aproveitam das "Leis Dublin" tem um interesse sério na promoção do novo programa. Mas mesmo se o seu programa de "partilha equitativa" dos imigrantes for seriamente aplicado, ainda não vai melhorar a situação, como pode ser visto atualmente na Alemanha. Além de privar ainda mais, um direito elementar como a liberdade de movimento.

Externamente, a UE está se movendo na militarização do Mar Mediterrâneo para intimidar os imigrantes antes de iniciar sua odisseia, que muitas vezes parte do coração da África. Há ainda planos para uma intervenção militar direta nos países do Norte Africano para dar tiros precisos contra as máfias de tráfico. Estes planos só reforçam a militarização e violência contra os imigrantes e aumentar as razões para fugir centenas de milhares. As verdadeiras "gangues de tráfico" são os capitalistas alemães, franceses e britânicos que exploram o continente Africano, exportam armas e estão envolvidos diretamente nas guerras na região.

Uma esquerda adaptada e inofensiva

Frente a semelhante clima reacionário, a esquerda e os movimentos sociais aparecem debeis e incapazes de dar uma resposta a altura dos ataques. O movimento dos refugiados foi o movimento democrático mais dinâmico dos últimos anos. Integrou milhões de ativistas na atividade política.

O comitê “greve estudantil em solidariedade aos refugiados” de Berlim é apenas um exemplo de muitos: organizou-se dezenas de estudantes secundaristas e universitários em comitês de base nos colégios e universidades e chamou a concentrações, negociações, ações criativas e três greves estudantis solidárias que reuniram entre 2.000 a 4000 pessoas. Estes foram importantes marcos, levando em conta a passividade dominante que a juventude alemã enfrentava.

Porém, ainda que o movimento tentou estabelecer as demandas, como o direito a permanência para todos, retrocedeu ano passado, devido à intransigência e a relativa força do governo, o asilamento imposto, a separação interna e a falta de solidariedade. Isto se explica por varias razões. A esquerda “antifascista” entretanto atrai muitos jovens, porém fazem anos que se encontram em uma crise profunda que levou a rupturas e a diminuição de militantes. Sobre tudo a ala reformista que está adaptada a estabilidade do regime alemão e/ou está está cooptada diretamente pelo estado.

Die Linke deixa de lado pontos programáticos chave como “não as intervenções militares” ou a proibição da exportação de armamentos. Como ala esquerda do regime tentam integrar algumas melhoras mínimas e parciais na política migratória pela via parlamentar, em vez de apostar na mobilização; eis que levam anos em postos de responsabilidade do governos em vários dos Länder alemães como Berlim e Brandeburgo que administram prisões de deportação e seguem as mesmas leis anti-capitalistas.

ONGs reformistas ou iniciativas anti-racistas de base prestam um apoio logístico constante e indispensável aos refugiados que visa minimizar temporalmente a situação desastrosa dos imigrantes, porém sua luta não vai até o fundo dos problemas do racismo estatal e social e muitos ativistas se desmoralizam. E a esquerda “antifascista” radical que entende a luta contra o racismo como uma luta contra o capitalismo está em uma crise estratégica: organizar semana após semana cortes de ruas contra manifestações nazistas é importante, porque a luz de movimentos direitistas como Pegida ou do racismo estatal, esta prática política se vê incapaz de organizar uma força social de magnitude, oposta a radicalização reacionária, Mesmo que fosse maior, não teria programa social para unir a classe trabalhadora (como uns sem passaporte alemão), para o que deveria incluir demandas como a redução das horas de trabalho mantendo o salário, o direito a trabalho e permanência para todos.

Finalmente, não se consideram chaves os métodos da classe trabalhadora como a greve política, que são imprescindíveis na luta pelos direitos dos explorados e oprimidos e não podem ser substituídos por um egoísmo individual.

Nós, desde a organização Internacionalista revolucionária (RIO), desde nossas modestas forças apoiamos todas as lutas dos refugiados nos últimos anos. Ao mesmo tempo, investimos constantemente que só a aliança com a classe trabalhadora organizada pode construir a força social necessária para vencer o governo e sua agenda reacionária. A classe trabalhadora na Alemanha vem nos últimos meses com experiências de lutas enormes depois de anos de passividade e derrotas. Porém, todavia segue atada as cadeias da burocracia sindical e seu chauvinismo para os trabalhadores da Europa e do mundo.

Esta burocracia é a razão fundamental pela qual o movimento operário ainda não superou os limites da luta econômica, para tomar as demandas dos refugiados como próprias. Neste marco, a esquerda sindical, apesar de alguns exemplos progressivos (como a indignação que foi suscitada pelo despejo dos refugiados que ano passado ocuparam a sede da central sindical DGB em Berlim entre os jovens docentes), não conseguiu desafiar efetivamente as posições nacionalistas de suas direções para que a classe trabalhadora ocupe um rol hegemônico na luta democrática dos oprimidos.

Porém, isto abre um problema de caráter estratégico: se a classe trabalhadora toma as demandas dos oprimidos como os refugiados em suas mãos, suas lutas facilmente são esmagadas e marginalizadas ou cooptadas pelas instituições do estado capitalista.

Uma resposta classista e combativa dos trabalhadores e da esquerda

É uma grande tarefa da esquerda dar uma resposta revolucionário ao clima reacionário, desde as fábricas e lugares de trabalho, os colégios e as faculdades. Somente com a solidariedade orgânica de estudantes e trabalhadores jovens, das mulheres e grupos LGBTs, com o conjunto do povo trabalhador, o movimento dos refugiados pode superar o beco sem saída estratégico.

Os refugiados e os ativistas têm que retomar as ações radicais, junto com a movimentação de milhares desde seus lugares de trabalho e estudo. Somente a luta de classes e a mobilização intransigente podem impor as demandas e fazer retroceder e a direita. Para isto é necessário que os refugiados junto à ativistas solidários se organizem em comitês de autodefesa nas estruturas, bairros e cidades como resposta concreta à violência xenófoba e a incapacidade, porque não será a polícia que irá proteger aos imigrantes.

É necessário um programa que retoma as demandas históricas do movimento dos refugiados: direitos democráticos como o direito à permanência para todos, direito a trabalhar e liberto de movimento, fechamento de todos os centros de refugiados e o fim das deportações, acabar com a militarização das fronteiras europeias e através da Frontex e cia., fim das intervenções militares do exército alemão e das exportações de armamento em todo o mundo, vivência e trabalho digno para todos e o fim da precarização laboral.

Para alcançar a unidade efetiva de toda a classe trabalhadora na luta pelo seus direitos, os refugiados tem que ser acolhidos pelos sindicados, juntos com seus companheiros legalizados. Isto não será possível sem uma luta antiburocrática e classista contra as cúpulas nacionalistas e burocráticas das organizações de massas dos trabalhadores, da esquerda, da juventude e dos refugiados.

Porém tudo isso não é suficiente se não ataca a base do sistema capitalista: a propriedade privada dos meios de produção. Por isso, a luta tem que ser uma luta anticapitalista e antimperialista, que tenha como horizonte estratégico a luta pelos Estados Unidos Socialistas da Europa.




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