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A transformação da moral

Leon Trótski

A transformação da moral

Leon Trótski

Publicamos abaixo a tradução para o português do artigo conhecido como “The Transformation of Morals”, escrito em outubro de 1923, e publicado pela primeira vez em inglês em Inprecorr, Vol. 3, No. 67.

A teoria comunista está uma dezena de anos à frente de nossa atualidade russa – em algumas esferas, talvez até um século adiantada. Se não fosse assim, o partido comunista não seria um grande poder revolucionário na história. A teoria comunista, mediante seu realismo e acuidade dialética, encontra os métodos políticos para assegurar a influência do partido em cada situação dada. Porém, a ideia política é uma coisa, e a concepção popular da moral é outra. A política muda rapidamente, mas a moral se agarra com tenacidade ao passado.

Observar a vida como ela é

Assim se explica muitos dos conflitos entre a classe trabalhadora, em que os novos conhecimentos lutam contra a tradição. Esses conflitos são mais difíceis, porque não encontram sua expressão na publicidade da vida social. A literatura e a imprensa não falam deles. As novas tendências literárias, ansiosas para manter o ritmo da revolução, não se preocupam com os usos e costumes baseados na existente concepção moral, visto que querem transformar a vida, e não descrevê-la! No entanto, a nova moral não pode ser produzida a partir do nada, mas sim deve-se chegar a ela com a ajuda de elementos já existentes, porém capazes de serem desenvolvidos. Portanto, é necessário reconhecer quais são esses elementos. Isso se aplica não somente à transformação da moral, mas também de toda forma de atividade humana consciente. Desse modo, é necessário em primeiro lugar saber o que já existe, e de qual maneira está se desenvolvendo sua mudança de forma, se queremos cooperar para a re-criação da moral.

Primeiramente, devemos ver o que está está realmente acontecendo nas fábricas, entre os trabalhadores, na cooperativa, nos clubes, nas escolas, nos bares e nas ruas. Temos que entender tudo isso, ou seja, precisamos reconhecer os vestígios do passado e os germes do futuro. Devemos chamar nossos autores e jornalistas para que trabalhem nessa direção. Eles devem descrever a nós a vida tal como esta emerge da tempestade da revolução. O estudo da moral das pessoas trabalhadoras precisa se tornar uma das principais tarefas dos nossos jornalistas, pelo menos dos que têm olhos e ouvidos para essas coisas. Nossa imprensa deve cuidar para que a história da moral revolucionária seja escrita. E ela deve também chamar a atenção de seus colaboradores da classe trabalhadora para essas questões. A maioria dos nossos jornais poderia fazer muito mais a respeito disso.
Para poder alcançar um estágio superior de cultura, a classe trabalhadora – e sobretudo sua vanguarda – precisa alterar sua moral de modo consciente e deliberado. Precisa avançar conscientemente a esse objetivo. Antes da burguesia chegar ao poder, ela cumpriu essa tarefa em grande medida através de seus intelectuais. Quando a burguesia ainda era uma classe de oposição, havia poetas, pintores e escritores que já estavam pensando por ela.
Por que o Iluminismo burguês fracassou?

Na França do século XVIII, que foi chamado de “o século do Iluminismo”, foi precisamente o período que os filósofos burgueses estavam mudando as concepções de moral social e privada, e estavam tentando subordinar a moral ao domínio da razão. Eles se ocupavam com questões políticas, com a igreja, com as relações entre homens e mulheres, com a educação, etc. Não há dúvida que o simples fato das discussões de tais problemas contribuiu enormemente para o aumento do nível intelectual da cultura entre a burguesia. Porém, todos os esforços feitos pelos filósofos do século XVIII para subordinar das relações sociais e privadas ao domínio da razão foram destruídos por um fato - o fato de que os meios de produção estavam em mãos privadas e que essa era a base sobre a qual a sociedade deveria ser construída de acordo com os princípios da razão. Isso porque, a propriedade privada significa o livre jogo das forças econômicas, que não são de forma alguma controladas pela razão. Essas condições econômicas determinam a moral e, enquanto as necessidades do mercado dominarem a sociedade, será impossível subordinar a moral popular à razão. Isso explica os pouquíssimos resultados práticos produzidos pelas idéias dos filósofos do século XVIII, apesar da engenhosidade e ousadia de suas conclusões.

A jovem Alemanha

Na Alemanha, o período do Iluminismo e do criticismo chegou em meados do século passado (séc. XIX). “A jovem Alemanha”, sob a liderança de Heine e Boerne, encabeçou o movimento. Vemos aqui o trabalho do criticismo realizado pela ala esquerda da burguesia, que declarou guerra contra o espírito da servidão, à educação pequeno-burguesa anti-iluminista, e aos prejuízos da guerra, e que tentou estabelecer o domínio da razão, com um ceticismo ainda maior do que seu predecessor francês. Este movimento amalgamou-se mais tarde com a revolução pequeno-burguesa de 1848, que, longe de transformar toda a vida humana, não foi sequer capaz de varrer as numerosas pequenas dinastias alemãs.

Em nossa Rússia atrasada, o Iluminismo, e a crítica do estado existente da sociedade não atingiram nenhum estágio de importância até a segunda metade do século XIX. Chernishevsky, Pissarev, and Dobrolubov, educados pela escola de Bielinsky, dirigiram suas críticas muito mais contra o atraso e o caráter reacionário da moral asiática, do que contra as condições econômicas. Eles opuseram o "novo ser humano realista" ao "tipo de homem tradicional", o novo ser humano está determinado a viver de acordo com a razão e se torna uma personalidade munida da arma do pensamento crítico. Este movimento, ligado aos chamados evolucionistas “populares” (Narodniki), teve apenas um leve significado cultural. Pois, se os pensadores franceses do século 18 foram capazes de obter apenas uma leve influência sobre a moral - esta sendo regida pelas condições econômicas e não pela filosofia - e se a influência cultural imediata dos críticos alemães da sociedade foi ainda menor, a influência direta exercida pelo movimento russo sobre a moral popular foi muito mais insignificante. O papel histórico desempenhado por esses pensadores russos, incluindo os Narodniki, consistiu na preparação para a formação do partido do proletariado revolucionário.

Premissas para a Transformação da Moral
É apenas a tomada do poder pela classe trabalhadora que cria as premissas para uma transformação completa da moral. A moral não pode ser racionalizada, isto é, não pode ser trazida à congruência com as exigências da razão, a menos que a produção seja racionalizada ao mesmo tempo, pois as raízes da moral estão na produção. O socialismo visa subordinar toda a produção à razão humana. Mas mesmo os pensadores burgueses mais avançados se limitaram às idéias de, por um lado, racionalizar a técnica (pela aplicação das ciências naturais, tecnologia, química, invenção, máquinas), e, por outro, racionalizar a política (pelo parlamentarismo); mas não buscaram racionalizar a economia, que permaneceu como presa da competição cega. Assim, a moral da sociedade burguesa permanece dependente de um elemento cego e irracional.

Quando a classe trabalhadora assumir o poder, ela se dará a tarefa de subordinar os princípios econômicos das condições sociais a um controle e a uma ordem consciente. Por esse meio, e somente por esse meio, existe a possibilidade de transformar conscientemente a moral. Os sucessos que obteremos nessa direção dependem de nosso sucesso na esfera da economia. Mas mesmo em nossa situação econômica atual, poderíamos introduzir muito mais crítica, iniciativa e razão em nossa moral do que realmente fazemos. Esta é uma das tarefas do nosso tempo. É claro que a mudança completa da moral: a emancipação da mulher da escravidão doméstica, a educação social das crianças, a emancipação do casamento de todas as compulsões econômicas etc., isso só poderá ocorrer com um longo período de desenvolvimento, e acontecerá na medida em que as forças econômicas do socialismo vencerem as forças do capitalismo. A transformação crítica da moral é necessária para que as formas de vida tradicionais conservadoras não continuem a existir, apesar das possibilidades de progresso que já nos são oferecidas hoje por nossas fontes de ajuda econômica, ou pelo menos serão oferecidas amanhã.

Por outro lado, mesmo os menores sucessos na esfera moral, ao elevar o nível cultural do trabalhador e da trabalhadora, aumentam nossa capacidade de racionalizar a produção, e de promover a acumulação socialista. Isso nos dá novamente a possibilidade de fazer novas conquistas na esfera da moral. Assim, existe uma dependência dialética entre as duas esferas (moral e econômica). As condições econômicas são o fator fundamental da história, mas nós, como partido comunista, e como Estado operário, só podemos influenciar a economia com a ajuda da classe trabalhadora e, para isso, devemos trabalhar incessantemente para promover a capacidade técnica e cultural do elemento individual da classe trabalhadora. No Estado operário, a cultura trabalha para o socialismo, e o socialismo por sua vez oferece a possibilidade de criar uma nova cultura para a humanidade, uma cultura que não conhece e nada sabe sobre a diferença de classes.

Das reminiscências de Gorki sobre Lenin

Uma noite, Lenin estava na companhia de Gorki, ouvindo um excelente pianista tocar Beethoven na casa de um amigo. Depois de ouvir, com evidente prazer, voltou-se para Gorki e comentou ironicamente:

“Não conheço nada mais bonito que a Appassionata e poderia ouvi-la todos os dias. Invariavelmente, o pensamento me atinge e me enche de orgulho, talvez ingênuo, infantil: ‘Que maravilhas as pessoas são capazes de fazer!’”

E sorrindo com os olhos semicerrados, Lenin acrescentou nada alegremente:

“Mas é difícil para mim ouvir música com frequência. Isso me dá nos nervos.
Sinto vontade de proferir banalidades agradáveis ​​e de acariciar as cabeças daqueles que, vivendo num inferno tão imundo, ainda assim, são capazes de criar tamanha beleza. Mas hoje em dia não se pode acariciar a cabeça de ninguém, eles vão arrancar sua mão com uma mordida. Além disso, é preciso continuar batendo na cabeça deles, batendo impiedosamente, ainda que nosso ideal seja nos opor a toda violência contra o ser humano. Hum, hum — é uma responsabilidade infernalmente difícil."

Fonte: The Fourth International, August 1945, Vol. 6 No. 8. Digitalizado: “Marxists Internet Archive”. Tradução de Laura Sandoval.


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