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JUSTIÇA SUSPENDE E LIBERA WHATSAPP | A suspensão do Whatsapp e a liberdade na internet

Por uma decisão da justiça de Sergipe, o aplicativo seria bloqueado para o uso de mais de cem milhões de usuários no Brasil por 72h. Após cerca de 24h de bloqueio, a decisão foi revertida e o Whatsapp voltou a funcionar.

quarta-feira 4 de maio de 2016 | Edição do dia

Foi a segunda vez em menos de seis meses que a justiça brasileira determinou o bloqueio do funcionamento do Whatsapp. A primeira vez foi em novembro de 2015, por uma decisão da Primeira Vara Criminal de São Bernardo do Campo, que fez com que fosse retirado do ar por 48h, obrigando as operadores telefônicas a suspenderem o fornecimento do aplicativo a seus clientes. A decisão foi revertida após 12h, mas foi o suficiente para causar um imenso transtorno aos milhões de usuários, que procuraram recorrer a diversas formas alternativas para conseguir se comunicar, como o uso de VPNs (Virtual Private Network) ou a migração para aplicativos similares, como o Telegram, que recebeu um imenso afluxo de usuários.

Nesta segunda-feira, 02/05, novamente uma decisão judicial, dessa vez da Vara Criminal de Lagarto, em Sergipe, deliberou pela suspensão do fornecimento do aplicativo por 72h em todo o país. Após pouco mais de 24h de suspensão, nova decisão judicial reverteu o veto e o Whatsapp voltou a funcionar.

Os motivos para essas suspensões do aplicativo que hoje é propriedade do Facebook, de Mark Zuckerberg, foram os mesmos, bem como os que quase chegaram a suspender o serviço pela justiça do Piauí em fevereiro de 2015: o não fornecimento à Justiça de informações solicitadas à empresa que poderiam ajudar na solução de crimes. No caso de São Paulo, o processo estava em segredo de Justiça e sequer chegou a conhecimento público o motivo da suspensão do aplicativo; no caso de Piauí, o Juiz solicitou informações referentes a um caso da Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA), e no recente caso de Sergipe, tratava-se de informações referentes a tráfico de drogas que teriam sido veiculadas em mensagens no aplicativo.

O Marco Civil da Internet e o Poder Judiciário

Sendo provavelmente o aplicativo de celular mais popular no país, a proibição do Whatsapp teve repercusão instantânea entre toda a população. Desde comunicações pessoais até relações de trabalho foram instantaneamente prejudicadas. A base legal para as decisões judiciais que interromperam o funcionamento do programa é o Marco Civil da Internet, apelidado de a “Constituição da Internet” no Brasil.

O projeto, que causou inúmeras polêmicas entre sua primeira proposiçãoem 2009 e a aprovação na Câmara e a sanção realizada pela presidente Dilma em 2014, visa estabeler uma legislação que regulamenta o uso da internet no país. O que se esconde, contudo, por trás do “combate ao crime virtual”, é a possibilidade do poder judiciário interferir diretamente no direito ao uso da Internet, o que pode gerar inúmeras consequências; se o inconveniente de não poder usar o Whatsapp é hoje a mais escandalosa, certamente está longe de ser a pior possível.

O Marco Civil foi tema de muita discussão, e com diversos setores da esquerda participando ativamente, mas cujo enfoque central se deu quase sempre limitado em torno da questão da neutralidade da rede, um princípio de que toda a informação deve trafegar na mesma velocidade. Esse princípio está garantido no Marco Civil brasileiro, assim como marcos gerais em relação à liberdade de expressão, o que garantiu que recebesse o apoio de diversos setores da esquerda, com destaque ao PSOL, que por meio de seus parlamentares referendeu integralmente o texto aprovado, com declarações como as de Jean Wyllys, que afirmou após a aprovação do projeto que “Teremos uma internet neutra, livre e segura para todos”. E, ainda, Ivan Valente, que, tendo discursado na tribuna da Câmara contra o que chamou de “vigilantismo”, citando a escandalosa espionagem feita pelo governo dos Estados Unidos e reveladas por Edward Snowden, também louvou o Marco Civil aprovado no Brasil e seu combate ao crime, dizendo que: “O cidadão não pode primeiro ser considerado culpado e depois investigar. Temos que tomar cuidado com o vigilantismo.”

O que foi comemorado pelo PSOL e diversos setores foi que, em comparação com outras legislações, a brasileira fornece maiores liberdades de expressão aos usuários. Mas, o que não é criticado por esses setores é justamente que o Marco Civil abre a possibilidade de que o Poder Judiciário obrigue as empresas a fornecer informações sigilosas sobre os usuários; e que isso pode ser utilizado para todo tipo de perseguições políticas por parte do estado, como, por exemplo, valendo-se da Lei Antiterrorista recentemente sancionada pelo governo de Dilma, cuja finalidade principal é criminalizar protestos. O Marco Civil da Internet é a legalização da perseguição policial e jurídica a todo tipo de atividade política que possa ser considerada “subversiva” ou “criminosa” pela burguesia e seu estado, questão que um partido de esquerda adaptado aos limites desse estado burguês, como é o PSOL, é incapaz de compreender.

Como temos visto no apoio direto e escancarado que o Poder Judiciário e a Polícia Federal – representados na figura do Juiz Sérgio Moro e na Operação Lava Jato – ao golpe institucional orquestrado pela direita e em curso no país, a “justiça” brasileira está longe de ser cega. Ela tem um lado, e é o ricos. Isso é o que podemos ver cotidianamente na absolvição ou na ausência completa de julgamento de todos os crimes de “colarinho branco”, enquanto as cadeias seguem superlotadas com uma população carcerária composta pelos negros e pobres. A política de combate às drogas, em nome da qual se realizou o recente bloqueio do Whatsapp, nunca leva à cadeia os donos dos helicópteros com meia tonelada de cocaína, mas sim os “varejistas” do tráfico, aqueles que não tem as costas quentes com os privilegiados juízes que, à semelhança de Moro, ganham salários de cinco dígitos e vivem como nenhum trabalhador pode sonhar em viver.

A hipocrisia do discurso de “liberdade” de Mark Zuckerberg

A disputa entre o judiciário brasileiro e o Facebook rendeu, no início de março, a prisão de Diego Jorge Dzodan, vice-presidente da empresa na América Latina. Isso ocorreu como parte do mesmo processo que levou ao atual bloqueio do Whatsapp, decorrente da recusa da empresa em fornecer as informações exigidas pela justiça. Antes da prisão de Dzodan, já haviam sido estipuladas multas diárias ao Facebook, primeiro de R$ 50 mil diários, e depois aumentadas para R$ 1 milhão.

Após o recente bloqueio e a posterior liberação do Whatsapp, Zuckerberg comentou o episódio em uma postagem em seu perfil no Facebook, na qual afirma que “A ideia de que todos os brasileiros possam ter seu direito à liberdade de comunicação negado desta forma é muito assustadora em uma democracia” E conclama os brasileiros a apoiar a Frente Parlamentar pela Internet Livre e a assinar uma petição.

Contudo, a liberdade de Zuckerberg é a de que ele controle, com o poder de sua propriedade sobre o Facebook, aquilo que ele considera próprio ou impróprio. Não são poucos os relatos de páginas de movimentos sociais ou organizações de esquerda ou ativistas que receberam sanções, que iam desde suspensões até o banimento permanente de seus perfis. Até mesmo a vlogueira Jout Jout teve seu perfil bloqueado em virtude de uma enxurrada de denúncias de que seria um perfil “fake”, uma atitude que ocorreu em represália à ação que levou ao banimento da página misógina, machista e LGBTfóbica “Orgulho Hétero”. Contudo, para que a “Orgulho Hétero” saísse do ar, foram necessários literalmente anos de denuncias contra ela. Já páginas como a de Jout Jout saíram quase que instantaneamente (e graças a sua popularidade ela foi recebida de volta com um pedido de desculpas do Facebook, coisa que não acontece com milhares de outras pessoas e páginas). É fácil encontrar no Facebook conteúdo racista, LGBTfóbico, machista, reacionário e preconceituoso de toda espécie. Esse tipo de conteúdo não ofende Zuckerberg. Mas poste uma foto de uma mulher com os seios expostos e provavelmente em poucas horas ela terá sido deletada e seu perfil suspenso.

O fato é que a Internet não poderá ser livre enquanto tivermos sua regulação sendo feita por empresários bilionários como Zuckerberg ou um poder judiciário feito por e para os ricos. É só com o controle trabalhadores que ela poderá ser verdadeiramente democrática. Banir todo o conteúdo de intolerância e garantir a liberdade de expressão e o acesso democrático de todos.




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