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A recessão mundial, um fantasma cada vez mais real

As bolsas tiveram nesta segunda-feira um dos piores dias desde a crise de 2008. Apontam contra o coronavírus e a competição petroleira entre a Rússia e a Arábia Saudita. Mas isso só desmascara problemas de fundo.

terça-feira 10 de março de 2020 | Edição do dia

Enquanto os governos de alguns países afetados tomam medidas cada vez mais extremas (Itália impôs uma quarentena para toda sua população de 60 milhões de pessoas), o pânico financeiro iniciado na semana passada está cada vez mais profundo.

Nesta segunda-feira, Wall Street teve a maior queda em uma jornada desde dezembro de 2008, alcançando uma retração de 7,6%. A bolsa de São Paulo caiu mais de 11%. Nos dois locais as operações foram suspensas para conter a retração. Em Frankfurt a queda se aproximou dos 8%. Tóquio caiu 5 %. Na bolsa argentina o naufrágio foi mais dramático: 14%.

Os gatilhos no pânico das ações não são nenhum segredo: a expansão do coronavírus que não encontra contenção e, derivada desta, a briga petroleira entre a Rússia e a Arábia Saudita, que produziu uma queda no preço do barril de petróleo cru de mais de 30% neste domingo.

Segundo a maior parte dos especialistas, o COVID-19 provavelmente alcançará seu pico em alguns meses. E com ele os transtornos econômicos gerados pelas medidas para contê-lo. Mais aberto ainda é o prognóstico do que acontecerá com o petróleo, já que tanto a Arábia Saudita, como a Rússia, se mostram dispostos a sustentar suas posições (nem a Rússia em ceder com cortes na produção, nem a monarquia do Golfo retroceder com os aumentos de embarques de petróleo e cortes de preços que realizou como resposta a esta postura).

Mas ainda que fossem episódicos, permitiram colocar luz sob os problemas que vem arrastando a economia mais de fundo, que começaram a ser ao menos intuídos por investidores financeiros. Isso seguramente explica a virulência da resposta que vem mostrando os mercados desde a semana passada, e sobretudo, durante a jornada de ontem.

O primeiro, é que os indícios de que poderia acontecer uma recessão já vinham de antes. A economia dos Estados Unidos estava provavelmente deixando para trás o momento mais “alto” de um ciclo de crescimento em taxas moderadas, porque já vinha de vários anos: começou a crescer desde 2010, deixando para trás a Grande Recessão, mas não seus piores efeitos sociais. Foi uma década de queda do desemprego mas piora geral das condições de trabalho. Somente os mais ricos obtiveram benefícios da recuperação.

O mesmo se pode dizer de outras importantes economias, ainda que na União Europeia a recuperação tardou mais e foi mais débil (porque muitos países como Portugal, Grécia, Espanha, Itália e Irlanda tiveram severas crises de dívida). O coronavírus agarra a economia enfraquecida após um ciclo de crescimento. Por isso, os prognósticos iniciais, de que restaria um ponto no crescimento da economia da China e alguns décimos da economia mundial, que mostraria assim seu pior desempenho desde a Grande Recessão, poderia, ser revisados para baixo.

O segundo elemento preocupante é a debilidade das ferramentas para enfrentá-la. A política monetária não pode cumprir hoje o mesmo papel que em 2007/08. Quando começou essa crise, as taxas de juros da Reserva Federal (Fed), o banco central dos Estados Unidos, estavam em 5%, enquanto na semana passada estavam em 1,75%. Depois da redução de emergência da semana passada, estão em 1,25%. Em alguns países da Europa as taxas dos bancos centrais estão em zero, inclusive até pouco tempo eram negativas.

O terceiro elemento, que é uma consequencia do anterior, é a magnitude alcançada pela dívida. Como afirma Larry Elliot em The Guardian "durante a última década, a fragilidade subjacente da economia global foi mascarada por taxas de juros continuamente baixas. O dinheiro barato foi o combustível para a alta sideral dos preços de ativos, ações e bonus particularmente, mas se fez pouco para estimular o investimento e o historicamente débil crescimento da produtividade”.

O Banco Mundial adverte em um recente informe que a “onda da dívida global” gerada desde 2010 é a mais estendida e de maior crescimento dos últimos 50 anos. A nível mundial, o endividamento tem escalado até o equivalente ao 230% da economia global. Nos países ‘emergentes’ as dívidas (do setor público e privado) alcançam 55 bilhões de dólares, que equivalem a 168% do seu PIB. No caso da China, o endividamento chega a 255% do seu PIB. Desta vez “não vai ser tão fácil apelar com o truque” de estimular a subida das bolsas para bombear a economia e tirá-la da crise, adverte Elliot.

Quarto: diferentemente de 2008, o imperialismo norteamericano não aparece, pelo menos por hora, interessado em orquestrar uma resposta em grande escala coordenada entre os países mais poderosos, quando o fez então através do G20.

Nesta segunda-feira o governo de Donald Trump anunciou que tomarão medidas para estimular a economia, ainda que sem mais precisões com exceção do anúncio de que buscarão evitar que os assalariados que não possam comparecer ao trabalho percam salário. A China e outros países também anunciaram medidas de estímulo.
Ao mesmo tempo, o FMI colocava que considerando “os amplos efeitos na confiança que impactam a atividade econômica e os mercados financeiros e de bens, é claro o argumento a favor de uma intervenção internacional coordenada”.

Por hora primam as respostas não coordenadas, o que, da extensão das turbulências financeiras, poderia limitar a capacidade de contê-las. Diferentemente do crash de 2008, o que prima hoje não é fragilidade dos bancos por exposição de ativos financeiros “tóxicos” como os derivados financeiros das hipotecas incobráveis. Mas dada a magnitude das dívidas geradas nestes anos, o clima rarefeito poderia dar lugar a uma ou a várias crises de liquidez que rapidamente possam se transformar em riscos sistêmicos.

Há pouco mais de um mês, quando ainda eram mais vaporosos os indícios de que uma nova recessão poderia estar ao virar a esquina, a reunião anual em Davos (na qual os ricos do mundo fingem que vão encontrar a “solução”, definitivamente capitalista, para todos os problemas da humanidade), convidavam Joseph Stiglitz para expor suas ideias para um “capitalismo progressista”.

Trata-se de uma reciclagem de velhas receitas para moderar os piores efeitos deste modo de produção baseado na apropriação privada dos lucros (apoiada na exploração) e a socialização das perdas (do mercado de ações, econômicas, ecológicas, etc.)

As turbulências destes dias, independentemente de que se afundem no imediato ou se contenham por um (breve) tempo a mais, voltam a mostrar que não são tempos propícios para estes ensaios de humanização desta ordem social. Precisamos lutar para derrubá-la, para estabelecer sobre suas ruínas uma sociedade sem exploração, nem opressão.




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