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Agronegócio | A quem serve o toque reacionário do berrante de Sérgio Reis?

As declarações do cantor e ex-deputado chamando uma paralisação nacional de caminhoneiros para dia 7 de Setembro, em manifestação contra os 11 Ministros do STF, ganhou notoriedade nos noticiários. Ainda que se geraram rumores em torno da realidade do acontecimento, se fazem notar, por um lado, as disputas entre forças reacionárias no regime político, e por outro, um cenário de ataques dos capitalistas que unificam estes setores contra nós.

João SallesEstudante de História da Universidade de São Paulo - USP

terça-feira 17 de agosto de 2021 | Edição do dia

Imagem: Divulgação Record TV

A ideia inicial seria fomentar um setor social que recentemente se postulou como base de apoio para Bolsonaro, os caminhoneiros, em especial as frotas do agronegócio. Neste movimento “engrossariam o caldo” das manifestações de apoio ao atual presidente marcadas para o próximo dia 7 de Setembro, dia da comemoração pela "Independência" do Brasil - um país que tem se mostrado cada vez mais dependente, aprofundando traços semi-coloniais de subordinação aos interesses imperialistas, sobretudo de Washington. Um detalhe importante é de que o proeminente general da retórica golpista do governo e ministro da Defesa, Braga Netto, já declarou que não haverá desfile militar neste dia, um dado interessante para pensar os limites da última cena grotesca dos tanques desfilando pelo Planalto.

Sérgio Reis parece partir de uma verdade: o aumento exponencial no preço dos combustíveis certamente tem gerado um descontentamento no setor de caminhoneiros. Aumento esse que é fruto do avanço na privatização da Petrobrás pelo conjunto dos atores desse regime, somado a ingerência de Bolsonaro e dos militares na direção da empresa.

Mas se observarmos mais de perto, essa constatação não passa de fator marginal no cálculo do chamado, isso porque o cantor se movimenta por interesses de classe que extrapolam a questão dos preços. Suas declarações estão alinhadas com as do presidente da Aprosoja Brasil, que vem de sucessivas manifestações de apoio a Bolsonaro, de críticas ao STF, da defesa do tratamento precoce para a Covid-19 e em defesa do voto impresso auditável. O presidente também declarou que a entidade estará presente nas manifestações do dia 7 de Setembro, fato que gerou desconforto e divisões dentro do setor do próprio Agronegócio, mas que deixam claro quais são os interesses por trás dessa última movimentação.

Apesar da declaração de Plinio Dias, presidente do Conselho Nacional do Transporte Rodoviário de Carga (CNTRC), ao UOL ser de que o cantor não representa a categoria e que desconhece os supostos participantes, acrescentou que os caminhões que vão participar são bancados pelo Agronegócio. O presidente da Associação Brasileira de Veículos Automotores (Abrava) também declarou que não farão parte desse processo.

Ao que tudo indica temos os seguintes fatores em jogo:
Bolsonaro já não encontra em caminhoneiros a mesma base de apoio que tinha antes, um setor bastante heterogêneo importante dizer.

Mas é provável que ocorra sim uma manifestação de setores da categoria em apoio ao governo dia 7, por sua vez, esses setores seriam bancados pelo Agronegócio, com duas frotas particulares.

Não seria a primeira vez, já que Bolsonaro organizou diversas manifestações de apoio junto aos ruralistas e latifundiários assassinos que o amam e que tem suas próprias disputas com o STF - como por exemplo a questão da Ferrogrão que já sofreu interferência do Ministro do STF Alexandre de Moraes, fato que gerou críticas abertas via declaração da Aprosoja, além de manifestações em Brasília e que foram muito menores dos que seus organizadores anunciavam.

Se trata de um setor social, esse do Agronegócio, que tem uma composição de classe burguesa e também pequeno burguesa ascendente. Com a intensificação da reprimarização econômica e da desindustrialização do país, inclusive durante os anos de governo federal do próprio PT, os ruralistas e latifundiários envolvidos nas atividades agro exportadoras têm ganhado cada vez mais poder e importância econômica no país, inclusive com um deslocamento do eixo central de atividade econômica do país para o Centro-Oeste e avançando a fronteira agropecuária nos territórios do Norte amazônico. Mas contam com um entrave na obtenção de uma representação política equivalente ao avanço do poder econômico.

O fato de serem regiões com baixa densidade demográfica dificulta uma representação política maior pela via do voto e das bases do regime de 88. É justamente por esta razão que este setor é entusiasta de medidas bonapartistas no regime, fortalecendo atores não votados para favorecimento de seus interesses. Foi assim no golpe institucional de 2016 pela via do judiciário e também na manipulação das eleições de 2018. De lá pra cá o peso e a importância econômica e política do Agronegócio vem avançando a passos largos, e buscando intensificar esse processo, hoje grande parte se movimenta para sustentar e apoiar ativamente o projeto de Bolsonaro e também o encastelamento dos militares na política.

Isto se relaciona com a escalada na retórica golpista de Bolsonaro e também de setores das FA como Braga Netto, em torno do voto impresso e do questionamento das eleições de 2022, pautas compartilhadas por setores graúdos do Agronegócio. Neste contexto, dois fatos da semana passada foram especialmente importantes:

O desfile militar que mostrou coesão importante do oficialato da ativa do conjunto das forças armadas em apoiar e sustentar o presidente. Além de mandar um recado de que os militares teriam “chegado para ficar”.

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Também a obtenção de uma vitória por maioria simples na votação do voto impresso, insuficiente para aprovar a mudança, de fato, mas mostrando que Bolsonaro conta hoje com uma maioria parlamentar no Congresso Nacional após a entrada de Ciro Nogueira no Ministério da Casa Civil e do repasse bilionário de emendas parlamentares.

Um pequeno adendo digno de nota foi o fato de Ciro Nogueira ter aparecido ao lado de Bolsonaro na Operação Formosa no dia de ontem, inclusive operando artilharia com tiros e sorrindo junto ao presidente. Esta é uma representação bastante gráfica da atual composição do governo, onde o Centrão cavou seu espaço bem no coração (Casa Civil) com a chantagem da CPI, e que se colocou em novo patamar no regime para negociar entre os poderes que disputam a proeminência autoritária nos rumos da política, tais quais os militares.

Para além disto um outro fato chamou atenção, e ainda não está totalmente claro o que está por trás. Sergio Reis deu uma entrevista ao bolsonarista Oswaldo Eustáquio (que diga-se de passagem já foi preso a mando de Alexandre de Moraes) onde chorou pelo medo de ser preso por suas declarações, ainda que sustentando o discurso pelo impeachment de Alexandre de Moraes e Luiz Barroso, ambos ministros do STF, que Bolsonaro indicou apresentar os pedidos nesta quarta-feira. Isto não é por acaso.

Estamos observando uma crescente constante do autoritarismo judiciário no país, que culminou na recente prisão do crápula reacionário e inimigo de primeira ordem dos trabalhadores e oprimidos, o ex-deputado Roberto Jefferson. É importante ressaltar que não compartilharmos um átomo sequer de solidariedade com essa figura nojenta e emblemática da extrema direita, bolsonarista de carteirinha e que não deixa dúvidas sobre as aspirações golpistas. Neste marco Roberto Jefferson atacou o STF e a resposta do Supremo não deixou nada a desejar no quesito da arbitrariedade.

Em uma ação sem qualquer prerrogativa legal, descumprindo os trâmites do processo jurídico, é a primeira vez na história desde a Constituição de 88, onde o STF foi ao mesmo tempo vítima das agressões, quem abriu o inquérito, investigou as denúncias, julgou o acusado e tratou de puni-lo com mandado de prisão à revelia de qualquer outro órgão e instância. Sendo assim é compreensível que Sérgio Reis busque se vitimizar, ao mesmo tempo que mantém seu discurso golpista e reacionário, para não ser o próximo da fila.

Importante também dizer que apesar de hoje esta ação inquisitorial se voltar contra a extrema direita bolsonarista pelas disputas intra burguesas do regime, ela está longe de representar qualquer avanço para a luta dos trabalhadores, muito pelo contrário.

Basta lembrarmos que recentemente o judiciário decidiu pela manutenção por mais de 10 dias da prisão política e absurda do companheiro recém libertado Paulo Galo, mesmo após determinada liminar de soltura, além da condenação do militante e ativista Macapá, ex-presidente do Sindicato dos Metalúrgicos de São José dos Campos. Mostrando sua verdadeira cara, de ataque a vanguarda operária e movimentos sociais, é questão de tempo até que ações como a protagonizada contra Roberto Jefferson se voltem contra nós, e se utilizem dos métodos autoritários para esmagar qualquer perspectiva de revolta e de luta contra os ataques capitalistas.

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Podemos concluir deste cenário político complexo, e que se reatualiza a cada dia, que estamos inseridos em um processo de aprofundamento da degradação bonapartista do regime político brasileiro, onde atores não votados passam a exercer um peso ainda maior no cenário nacional. Após uma entrada em cena notável dos militares na política, em declarações e ações de aspirações golpistas alinhadas à retórica estridente de Bolsonaro, o judiciário, pela via do STF em particular, voltou a campo na disputa pelo título de "árbitro maior” nos rumos da política nacional. Um tensionamento na crise institucional.

Isto se liga, como viemos analisando, com o nível extremo de pressão que o imperialismo dos EUA, sob o comando do Partido Democrata de Joe Biden, vem exercendo no governo e no regime político de conjunto. Lembremos que pela via do judiciário esse mesmo partido, utilizando-se da Lava-Jato e também do próprio STF, articularam o golpe institucional de 2016 para aprofundar os ataques capitalistas que já vinham sendo aplicados em menor ritmo pelo PT. Em seguida contaram com a manipulação completa das eleições de 2018, com a prisão arbitrária de Lula, para seguir com um neoliberalismo ainda mais agressivo e que abriu ainda mais espaço para a extrema direita e os militares no regime.

Este Partido Democrata hoje se vê sem um representante legítimo da chamada “terceira via”, e se utiliza destes mecanismos autoritários da justiça para “destrumpizar” o governo, alinhando-o mais aos interesses de Biden, buscando também evitar um cenário no Brasil como a invasão do capitólio por trumpistas em Washington, questionando o resultado das eleições, o que daria fôlego para o político republicano dentro dos EUA neste momento. Para além dos efeitos imediatos conta ainda como um movimento preparatório para exercer uma tutela mais direta a um possível governo Lula frente à falência do PSDB, principal representante deste setor democrata na política nacional.

Porém o governo já não se encontra em um nível de fragilidade tão grande como estava há algumas semanas atrás, apesar de seguir com índices de aprovação bastante ruins. As crises política, social e econômica empurram as massas para a miséria, o desemprego e a fome. Vimos um momento auge das tensões fruto da CPI com os escândalos em torno da aquisição de vacinas que envolviam também militares, além de se expressarem atos de rua com uma vanguarda ampliada reivindicando a saída do presidente. Após o recesso parlamentar o nível de articulação para os atos decaiu substancialmente, ao mesmo tempo a articulação entre os poderes para a aprovação das reformas aumentou em velocidade e intensidade ainda maiores.

Tendo cedido ao Centrão o Ministério da Casa Civil e tirado o foco das tensões na CPI, Bolsonaro conta hoje com maioria parlamentar, financiada por bilhões do orçamento secreto, para o avanço do projeto econômico neoliberal. Este é o ponto de convergência entre as frações da burguesia beligerantes entre si, descarregar a crise nas costas dos trabalhadores, da juventude, indígenas e o conjunto do povo pobre e oprimido. Tanto é que se aprovou a MP 1045 em um ataque histórico aos trabalhadores, a privatização dos Correios, querem pautar a Reforma Tributária. Estes ataques citados não terão uma resposta por parte do STF, nem do Congresso, que os aprovam em alegria máxima. Mas onde estão Lula e as Centrais Sindicais neste momento?

Este sim é um fator determinante da passividade que hoje impera, apesar da disposição em lutar que exibe a classe ao exemplo da fortíssima greve dos trabalhadores da MRV em Campinas. A questão é que as grandes Centrais Sindicais, em especial a CUT e a CTB (dirigidas pelo PT e o PCdoB), nada fazem para unificar e coordenar as lutas em curso na perspectiva de massificar o movimento, fazem justamente o contrário. Tratam de isolá-las e limitá-las a um horizonte corporativista, isso enquanto seguem negociando o arco de alianças escusas com os golpistas e reacionários em uma “frente ampla” em torno da candidatura de Lula para 2022. Lula por sua vez cumpre exatamente o papel para o qual foi reabilitado pelo regime político, contendo o descontentamento e canalizando-o para uma expectativa passiva das eleições de 2022 e uma confiança na institucionalidade autoritária.

É urgente que nos articulemos em perspectiva de responder de maneira decidida ao aprofundamento da degradação das condições de vida da população trabalhadora, operado pelo governo Bolsonaro-Mourão, bem como a escalada do autoritarismo na degradação do regime político. Soma-se aí o combate ao aumento da interferência do imperialismo dos EUA no país, e contra o projeto de ataques capitalistas que unificam a todos os setores em disputa neste momento. Mas como podemos ver, não é possível esperar até 2022 para tal, sem contar que a política do PT e de Lula para as eleições vai na contramão de apostar as forças na nossa mobilização em uma luta independente, negociando nossas vidas com setores podres da política como Sarney e até mesmo buscando diálogo com os reacionários das forças armadas.

Justamente por isto é que chamamos a esquerda para conformar um polo antiburocrático que se configure em um comitê nacional pela Greve Geral, onde fosse possível batalhar pela auto-organização dos trabalhadores e da juventude em cada local de trabalho e estudo e exigindo das grandes Centrais que rompam com sua paralisia. Isto poderia evitar cenários como o que se desenha para dia 18/08, dia nacional de luta dos servidores públicos contra a reforma administrativa, onde o nível de organização das categorias mais historicamente mobilizadas é mínimo, isso quando chegam a existir. Poderia também servir para fortalecer a possível e extremamente necessária luta dos trabalhadores dos Correios contra a privatização da empresa, que ainda está em aberto se irá efetivar-se em uma paralisação da categoria no dia de amanhã.

É com esta perspectiva de unificar, fortalecer e ampliar a luta dos trabalhadores em aliança com todos os explorados e oprimidos que nós, do Esquerda Diário e do MRT, seguiremos batalhando por um plano de lutas e por uma Greve Geral contra Bolsonaro, Mourão e os ataques capitalistas, para que possamos apresentar uma alternativa política independente destes setores que não espere 2022, tampouco aposte suas fichas em uma frente ampla de Lula com os capitalistas para responder às nossas reivindicações.




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