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INTERNACIONAL | A queda de Robert Mugabe: de herói da independência a ditador

Depois de 37 anos no poder e uma semana de crise política, finalmente Robert Mugabe, o eterno autocrata de Zimbabwe, apresentou sua renúncia antes que o parlamento iniciasse sua cassação

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

quinta-feira 23 de novembro de 2017 | Edição do dia

O fim se precipitou em quinze dias. O primero movimento neste xadrez de frações rivais foi de Mugabe, que despediu Emmerson Mnangagwa, um veterano da guerra de independência que até então desempenhava a função de vice presidente e era o candidato a suceder o velho ditador.

O plano de Mugabe era colocar sua esposa, “Gucci” Grace Mugabe, na linha de sucessão direta, desprezando o centro de gravidade do poder das forças armadas à nova geração do partido oficialista, a União Nacional Africana de Zimbabwe – Frente Patriótico (ZANU – PF) conhecida como G40 (geração 40).

A resposta não tardou. Em 15 de novembro o exército decidiu que chegara a hora de tirar Mugabe. Os tanques saíram às ruas, as tropas ocuparam os principais locais do poder e os meios de comunicação, aonde, por meio da rede nacional, o comandante do exército, o general Constantine Chiwega, rodeado por centenas de uniformizados, insistia que não se tratava de um golpe (Ceci n’est pas un coup d’Etat, dirían Magrette y Foucault).

O único que parecia não ter se dado conta que o golpe palaciano já estava consumado era o próprio Mugabe, que tentou durante alguns dias, fez de conta que nada acontecia.

Mas no sábado, somou-se aos tanques uma mobilização de massas. Centenas de milhares cercaram Harare e exigiram a saída do ditador que há tempos já havia perdido a aura de herói da independência nacional para transformar-se num autocráta odiado.

Finalmente com a proposta de impeachement no parlamento, Mugabe chegou à conclusão de que não lhe sobravam fatores de poder para resistir: nem o exército, nem seu partido e muito menos alguma base popular. Decidiu retirar-se, provavelmente negociando impunidade e uma boa qualidade para o que ainda lhe resta de vida.

A queda de Mugabe foi produto de uma guerra no interior da classe dominante e de suas instituições de poder, e não de um levante popular. As massas operárias e populares que vivem em uma situação de calamidade, com índices de desemprego e inflação exorbitantes, e que tem suportado décadas de opressão política, foram convocadas pelo exército para legitimar seu golpe palaciano e para exercer pressão e desconvidadas uma vez que o objetivo havia sido atingido.

Em um curto prazo, E Mnangawa será a substituição do ditador deposto. Mas está claro que este personagem não tem nenhuma diferença relevante com Mugabe, a quem serviu com lealdade durante décadas. Mnangagwa ainda é o representante quase em estado puro do “estado profundo”, responsável pela segurança estatal, e portanto, tortura e perseguição de dirigentes sindicais, ativistas e opositores políticos.

Os militares e seus aliados políticos do ZANU-PF alegaram que Mugabe estava tratando de marginalizar a velha guarda dos “heróis da independência” para favorecer uma renovação que teria como alternativa sua esposa, conhecida por seus gostos extravagantes e sua debilidade pelo consumo suntuário.

Mas o que está em disputa não é o heroísmo, sepultado há décadas quando a guerrilha dirigida por Mugabe triunfou na guerra de liberação anticolonial e na guerra civil contra a maioria branca em 1980. Os velhos combatentes como Mugabe, Mnangagwa e o atual chefe do exército são grandes milionários que alcançaram suas fortunas administrando o estado e a economia.

O golpe palaciano também colocou em jogo os interesses geopolíticos e econômicos das grandes potências no continente africano. Não há nenhuma dúvida de que Mugabe não era um “anti-imperialista”, apesar de ter encabeçado a luta anticolonial pela independência do país (na época Rhodesia do Sul) da Grã-Bretanha. Algum ultrapassado pode ainda lhe chamar de “marxista” (por seu passado guerrilheiro e maoísta) mas o homem não só foi um ditador e um homofóbico confesso, senão também um aplicador dos planos do FMI. Ainda que ao ver-se encurralado tenha recorrido a certas medidas demagógicas nacionalistas. Entre elas, a mais importante foi a chamada “lei de indigenização” que obrigava as empresas estrangeiras a ceder 51% de suas ações à “população negra”, ameaçando setores rentáveis para o capital imperialista como a indústria mineira.

Isso comprometia intervenções da Grã-Bretnaha e de outros países da União Europeia, e fundamentalmente da China, afetando seus interesses na indústria de diamantes. Mugabe passou de “camarada” a um potencial perigo para o regime de Beijing. Talvez por isso, E. Manangagwa apelou à China, EUA e Grã-Bretanha em sua manobra contra Mugabe.

O presidente da África do Sul, Jacob Zuma, foi quem mais expressou preocupação pela estabilidade regional. O fim de Mugabe pode também ser um alerta para outros ditadores que seguem usufruindo de um longo passado ligado às guerrilhas de liberação nacional. É o caso de Yoweri Museveni na Uganda, Paul Kagame na Ruanda e Joseph Kabila na República Democrática do Congo, que no ano passado destruiu Manu militare, uma rebelião de massas que durante meses se mobilizou pela sua renúncia.

O futuro de Zimbabwe é incerto. O plano que parece mais plausível é uma “transição” ordenada e a realização de eleições no próximo mês de agosto. Vários analistas consideram a possiblidade de que se constitua um governo de unidade nacional que incorpore ao governo a débil e fragmentada oposição, representada por Morgan Tsvangirai, líder do Movimento por um Cambio Democrático que serviu como um peão de diversas potências imperialistas.

Os trabalhadores, a juventude e as massas populares em geral celebram a caída do ditador. Entretanto, sem muito tardar, descubrirão que o motor desse golpe palaciano é decidir que fração da classe dominante e da casta político-militar ficará com os ganhos dos negócios milionários como a mineria e, em particular, os diamantes. E para que consigam arrancar suas demandas, inclusive as mínimas, deverão enfrentá-los em todas as suas variantes.




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