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ENTREVISTA | “A pergunta não é se o Irã responderá, mas quando e em quais proporções”

O assassinato do general iraniano Soleimani por parte dos Estados Unidos em um ataque seletivo ameaça precipitar uma guerra com consequências imprevisíveis. Para compreender melhor a situação, entrevistamos Philippe Alcoy e Max Demian, membros do comitê editorial do site Révolution Permanente da França, parte da rede internacional La Izquierda Diario (da qual o Esquerda Diário no Brasil é também parte).

sábado 4 de janeiro de 2020 | Edição do dia

Reproduzimos a seguir a entrevista de Philippe Alcoy e Max Demian, membros do comitê editorial do site Revolução Permanente da França e parte da Rede Internacional La Izquierda Diario.

Como se encaixa este ataque na escalada recente entre Estados Unidos e Irã?

Max Demian: Para voltar aos fatos, devemos ver que esta é uma agressão importante e muito grave perpetrada pelos Estados Unidos. É parte de todo um ciclo de crescentes tensões iniciadas por Donald Trump a partir de sua decisão de se retirar unilateralmente do acordo nuclear com Irã e seguir uma política de “máxima pressão” para dobrar o regime teocrático com sanções e asfixia econômica. Esta política levou ao Irã a uma situação catastrófica e desencadeou uma série de escaladas.

Houve ataques seletivos contra navios petroleiros no Golfo, seguidos em setembro por um ataque por drones e mísseis contra a infraestrutura petrolífera da Arábia Saudita, reduzindo a quase metade de sua produção de petróleo no reino saudita. Tudo isto indica que o regime iraniano não estava pronto para ceder ante a estratégia de pressão máxima de Trump. Mas desta vez, com o assassinato de Suleimani, sem dúvida terá consequências muito mais importantes.

Philippe Alcoy: De fato, nos últimos dias ocorreu uma nova escalada de tensões entre os Estados Unidos e o Irã. Na quinta-feira passada, um ataque com mísseis contra uma base de habitação de soldados e civis no Iraque resultou na morte de um segurança paramilitar norte-americano e deixou vários soldados estadunidenses e iraquianos feridos. Washington acusou uma milícia pró iraniana, Kataib Hezbollah, e atacou cinco de suas posições no Iraque, mas também na Síria. Em resposta, os partidários de Kataib Hezbollah atacaram a embaixada estadunidense em Bagdá, o que provocou a brutal resposta norte-americana que culminou no assassinato do principal general iraniano, Qassem Suleimani, mas também do líder da milícia Kataib Hezbollah, Abu Mahdi Al-Muhandis.

É um golpe para o Irã. Suleimani foi quem pensou e dirigiu a política regional iraniana durante várias décadas. O Irã pode, apesar da morte de Suleimani, continuar levando a cabo sua política regional, claro. Mas é óbvio que os norte-americanos queriam de alguma maneira “decapitar” a liderança político-militar iraniana na região, e em particular no Iraque, e desde esse ponto de vista obtiveram uma vitória importante. E isso terá consequências, inclusive no caso de uma confrontação direta entre Estados Unidos e Irã: Teerã perde um de seus generais mais experimentados e capazes de organizar e levar a cabo tal confronto.

Existe um risco de escalada entre os dois países?

PA: Não só existe um “risco de escalada”, como há um risco real de guerra entre os Estados Unidos e o Irã. Neste sentido, os Estados Unidos acaba de anunciar o envio de 3 mil soldados adicionais para a região. É uma agressão imperialista muito importante que tem impacto inclusive entre os líderes ocidentais.

Portanto a pergunta não é se o Irã responderá, mas quando e em quais proporções. Dada a desproporção de forças entre os dois Estados, o mais provável é que o Irã ataque um aliado estadunidense na região, como Israel ou a Arábia Saudita. Mas o Irã também poderia decidir realizar ataques desde suas posições no Iêmen ou no Líbano. Os ataques contra diplomatas na região não devem ser excluídos, e tampouco contra as bases militares estadunidenses no Golfo Pérsico (especialmente Bahrein e Qatar). Uma ação mais arriscada, mas nesta etapa não podemos excluir nada, seria um ataque contra um porta-aviões estadunidense.

Qual pode ser a resposta do Irã nesta situação com o risco de escalada dado?

MD: Para o Irã é muito difícil não responder, além do mais já anunciaram que responderão. Mas, ao mesmo tempo, esta situação revelará suas debilidades e contradições. Responder à altura da ofensiva estadunidense expõe o Irã a uma guerra devastadora. O regime já está em uma situação desesperada devido às sanções estadunidenses. O Irã experimentou recentemente levantes populares e os sufocou com sangue e impondo um apagão informático generalizado. Por outro lado, as posições em sua esfera de influência estão desestabilizadas, especialmente no Líbano e no Iraque, pelos levantes populares em curso que questionam a ingerência iraniana nesses países.

Trump confia nas contradições do regime iraniano. Até agora sua política de máxima pressão buscava debilitar significativamente o Irã, evitando o risco de um conflito maior. Mas este ataque muda o jogo. Washington aposta que é a hora de desferir um golpe decisivo no Irã. Está claro que para os Estados Unidos foi uma manobra arriscada, mas que lhes permite ter o jogo em suas mãos. Neste sentido, também devemos ver que estes ataques chegam em um momento crucial para Trump, em meio à campanha por sua reeleição, e enquanto a Coréia do Norte retoma seu programa nuclear, o que significa o fracasso da política de negociação posta em cena por Trump.

PA: Se o Irã não responde ao desafio será uma derrota com implicações importantes para o regime. Se responde proporcionalmente será um maior risco de guerra, com consequências ainda piores que na Síria, e inclusive possivelmente fatal para o regime. Os únicos que podem decidir uma escalada ainda mais dramática são os norte-americanos.

Mas para isso necessitam de uma vitória, ou seja, que a resposta iraniana seja proporcionalmente inferior a deles.

Quais podem ser as consequências na região, dados os levantes populares em muitos países?

MD: O regime iraniano tem posições em muitos países vizinhos que hoje estão desestabilizadas pelo retorno da luta de classes. Este é particularmente o caso no Iraque, onde os manifestantes cantaram consignas anti-iranianas, denunciando a corrupção das elites e a interferência do Irã nos assuntos internos do país. Temos que ver como a situação influenciará nas manifestações no Iraque, mas é possível que este ataque reforce o sentimento de unidade contra o imperialismo, ainda que as milícias iranianas no Iraque não são populares entre a população.

Ao mesmo tempo, a posição do Iraque a respeito dos Estados Unidos é ambivalente. O Iraque depende em termos econômicos, políticos e militares tanto do Irã como dos Estados Unidos. Os anos da guerra imperialista deixaram o país em ruínas e sem uma estrutura estatal funcional. Esta é uma das razões pelas quais o governo iraquiano não exigiu a retirada das tropas estadunidenses, ao menos até agora. Uma vez mais este ataque poderia mudar o jogo: teremos que ver qual será a resposta do governo iraquiano a esta grande agressão imperialista em seu território.

As consequências deste ataque seguem sendo em grande medida imprevisíveis. Seja no político, militar ou inclusive nos efeitos sobre o preço do petróleo, que aumentou 3% depois do ataque. Uma coisa é certa, o acionar do imperialismo volta a levar a região à beira de uma guerra. É essencial que os setores que estão se mobilizando hoje na região e em todo o mundo, a classe trabalhadora, a juventude, os movimentos de mulheres e as minorias se unam contra essa grande agressão do imperialismo, enquanto denunciam a política reacionária dos poderes regionais, em um momento em que as revoltas populares ameaçam a derrubá-los. Só a ação internacionalista da classe operária pode pôr fim aos ciclos de agressão e guerra que estão destruindo a região.

PA: De fato, esta agressão do imperialismo norte-americano sem dúvida terá um impacto nas mobilizações populares em curso na região. No Iraque foi sobretudo a população chiita que se manifestou contra o regime e inclusive contra a ingerência iraniana (o que não significa que foi hostil à população iraniana). Este ataque pode representar uma oportunidade para que o reacionário regime iraniano recupere influência entre os chiitas iraquianos, se apresentando como garantidor da soberania iraquiana contra os estadunidenses.

É muito paradoxal, mas é uma possibilidade. Também é paradoxal que seja o assassinato de Suleimani o que abre esta oportunidade ao regime iraniano na região. O general começava a ser muito questionado, particularmente no Iraque, porque dirigiu diretamente a repressão contra os manifestantes para manter o status quo.

Sobre este ponto gostaria de fazer um comentário sobre o ataque à embaixada dos Estados Unidos. De fato, desde outubro passado, um dos pontos geográficos mais importantes de confrontação se localizava na entrada da chamada “zona verde”, em Bagdá, onde habitam instituições estatais, e também embaixadas estrangeiras, incluída a dos Estados Unidos. Então, enquanto as milícias pró iranianos disparam balas de chumbo aos jovens e trabalhadores que se manifestam contra o regime nesta área da cidade, a liberaram para que os milicianos e seus partidários se manifestem e consigam ingressar à embaixada estadunidense.

É um pequeno exemplo do caráter da influência iraniana no Iraque e na região. Suleimani era um general nefasto que começou a ser odiado pelos trabalhadores e jovens iraquianos mobilizados, assim como a todo o regime corrupto estabelecido desde 2003 pelo Irã e pelos Estados Unidos. No entanto, não é da mão do imperialismo que os explorados poderão se desfazer deste regime aberrante. Neste sentido, o assassinato do Suleimani segue sendo uma agressão imperialista e de nenhuma maneira é uma boa notícia para os trabalhadores e os jovens. São os trabalhadores e as classes exploradas e os oprimidos os que se desfazem de seus carrascos.




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