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SÍRIA | A ofensiva de Assad em Alepo e o fracasso da diplomacia

Na última semana, Síria pareceu ter descido vários escalões abaixo do inferno. A ofensiva do regime de Bashar al Assad sobre a província de Alepo desatou uma nova onda de deportados. Dezenas de milhares de sírios que fogem dos bombardeios definham em uma zona cinza a metros da fronteira turca. Enquanto isso Estados Unidos, Rússia, Arábia Saudita, Turquia, Irã e outras potências se põem em diversas frentes de batalha e nas mesas de diálogo para ver quem recolhe os dividendos políticos dessa guerra sangrenta, que está a ponto de cumprir seu quinto aniversário.

Claudia CinattiBuenos Aires | @ClaudiaCinatti

sábado 13 de fevereiro de 2016 | 00:00

Como era previsível, a roda de negociações para encontrar uma saída diplomática para o conflito sírio, que vai seria realizada no final de janeiro debaixo das asas das Nações Unidas, fracassou antes de começar. A razões desse fracasso estão inscritas na mesma lógica dessa guerra de muitas faces, na qual, por trás das corjas enfrentadas, dirigem seus interesses as potências imperialistas e regionais.

A situação de estancamento militar, onde os bandos em conflito avançam ou retrocedem, mas nenhum alcança colocar-se, se expressa também no terreno diplomático.

Supostamente em Genebra, com a mediação de Staffan de Mistura, o enviado especial da ONU para a crise Síria, deveriam sentar-se pela primeira vez em uma mesa de negociação o regime de Assad e a “oposição”, junto com seus respectivos patrocinadores internacionais: Rússia e Irã com Assad; Estados Unidos, Arábia Saudita, Turquia e outras potências europeias com o bando “rebelde”.

Os Estados Unidos tinham encarregado a Turquia e a Arábia Saudita que fizeram a lista de convidados para a reunião pelo grupo opositor, com o acordo mínimo de excluir o Estado Islâmico e a frente Al Nusra. Desse elenco, surgiu o chamado “Alto Comissionado para as Negociações”, um conglomerado de forças do lado dos interesses turcos e sauditas, o qual acabou fora o Partido da União Democrática (PYD), o partido curdo cujas milícias conseguiram derrotar o Estado Islâmico (EI) em Kobane.

Se bem que o Estado Unido está em uma aliança tática com as milícias curdas e outras forças contra o EI, o governo de Obama deixou passar a exclusão dos curdos para não pressionar ainda mais suas relações com a Turquia.

O grupo Assad-Putin, seguindo a letra de qualquer manual diplomático que aconselha chegar à mesa de negociação na melhor relação de forças, decidiu lançar uma brutal ofensiva contra a província de Alepo nas vésperas da reunião de Genebra. Dessa maneira, Assad reverteu parte do retrocesso que havia sofrido em mãos de diversas milícias “rebeldes”. Deportou seu bastião para os grupos opositores (apoiados por Arábia Saudita, Turquia e indiretamente Estados Unidos), cortou seus corredores de abastecimento com a Turquia e acabou a um passo de ocupar a cidade de Alepo com seus 400.000 habitantes.

Com a ofensiva sobre Alepo, o grupo Putin-Assad dinamitou a reunião de Genebra, ainda que não a saída negociada, que é por agora a única alternativa possível tanto para os EUA como para a Rússia.

O fracasso das negociações de Genebra pôs em manifesto uma vez mais as linhas de falha da estratégia norte-americana para o conflito sírio. Depois dos fracassos do Iraque e Afeganistão e a crise da Líbia, Obama tem excluído de suas variantes a opção de “troca de regime” para a Síria, substituída por uma política errática de apoiar de maneira indireta alguns grupos “rebeldes”, ainda sim de muita convicção. Desde agosto de 2014, a prioridade dos EUA é derrotar o Estado Islâmico. Nessa política se inscrevem o acordo nuclear com o Irã, a colaboração tática com as milícias curdas do PYD em Rojava e as persistentes negociações com o presidente Putin para conseguir uma saída diplomática na Síria. Ainda que o Secretário do Estado norte-americano, John Kerry, siga insistindo que a condição para qualquer “transição” é a saída de Assad (o que é óbvio também para a Rússia), não está claro em que lugares isso deveria ocorrer e de efeito, em Genebra, Assad irá se sentar com eles à mesa.

Esse giro pragmático na política dos Estados Unidos está fazendo ranger suas alianças tradicionais. O presidente turco, R. Erdogan, fez um discurso enfurecido contra os Estado Unidos, acusando o governo de Obama de apoiar o PKK e seus aliados Curdistão sírio, considerados terroristas pela Turquia. A Arábia Saudita ameaça de enviar tropas para Síria. E o ministro de relações exteriores da França, L. Fabius aproveitou o anúncio de sua retirada para disparar contra a “política ambígua” dos Estados Unidos na Síria.

Os ministros de relações exteriores dos países que intervêm na Síria voltarão a mostrar as caras nesta quarta em Munich, durante a 52 Conferência de Segurança. Antes desse encontro, Kerry esteve negociando com seu par russo para alcançar um cessar fogo na Síria. Mas o governo russo não tem nenhuma apuração e anunciou sua oferta de cessar fogo para o 1 de março. O regime sírio está no meio de uma ofensiva bem-sucedida que ainda pode render-lhe mais frutos para melhorar sua posição antes de uma eventual negociação. Isso põe em questão a possibilidade de retomar as negociações dia 25 de fevereiro, como havia proposto o mediador da ONU, e inclusive pode trocar radicalmente a dinâmica da guerra.

A catástrofe humana na Síria parece não ter alcançado seu teto. Segundo um informe de uma instituição local, reproduzido pelo diário The Guardian, as vítimas fatais da guerra de maneira direta e indireta sobem a 470.000, muito acima dos 250.000 mortos, que calculava a ONU há um ano e meio. Cerca de 11,5% da população do país foi assassinada ou ferida desde março de 2011. A expectativa de vida caiu de 70 para 55,4 anos em 2015. As perdas econômicas são estimadas em 255.000 milhões de dólares. Entorno de 13,8 milhões de sírios perderam sua fonte de subsistência. A pobreza alcança 85% e praticamente a metade da população tem sido deslocada (7 milhões de desalojados internos e 4 milhões de refugiados em outros países), dando lugar à pior crise de refugiados desde a Segunda Guerra Mundial. Ainda que a maioria fuja para os países vizinhos (2,5 milhões só na Turquia), uma maré de dezenas de milhares de desesperados quer chegar à União Europeia, muitos morrem na intenção e os que chegam são tratados como escória pelos estados europeus que têm tomado para si as políticas racistas e xenófobas da extrema direita.

A intervenção das potências imperialistas tradicionais e regionais - começando pelos EUA (e seus aliados) e Rússia - que perseguem seus interesses diante do ciclo vicioso de guerra e diplomacia não faz mais que aumentar os custos dessa catástrofe.




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