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ARTE | A memória dos movimentos culturais de esquerda

terça-feira 29 de agosto de 2017 | Edição do dia

Definitivamente os herdeiros da História da literatura e da arte(e do conhecimento de um modo geral) não podem ser os egoístas que sentam sobre os livros. Não pode ser aquela clássica meia dúzia de esnobes que amesquinham a cultura. Voltando ao tema das relações entre cultura e movimento dos trabalhadores, o cultivo da memória das iniciativas culturais da esquerda no Brasil e no mundo, deve ser concebido enquanto elemento presente na organização política da classe trabalhadora. Seja há cem anos, seja hoje, existem experiências culturais que confirmam esta necessidade.

Notamos, todos os dias, um tratorista mal intencionado: ele, que está a mando daqueles que matam sua fome e lhe dão alguns agrados, atropela a memória das iniciativas culturais ligadas à esquerda. Passando as rodas sobre obras e relatos que testemunham os setores mais avançados do pensamento, o condutor do trator contribui para que a cultura não entre em confronto com o sistema mas integre-se aos propósitos econômicos e políticos do capitalismo. Este tratorista é o intelectual pequeno burguês, sempre pronto a despolitizar as letras e as artes. Mas o tratorista em questão, que faz questão de ser autoridade, não resiste às torrentes da história: por maiores que sejam as forças conservadoras no atual momento(e a extrema direita mais uma vez sai da toca...), as contradições que regem a realidade fazem com que trabalhadores e minorias sejam personagens combativos, altamente pertinentes, no enredo do mundo contemporâneo.

Da mesma maneira em que nos EUA muitos não querem louvar generais racistas dos tempos da Guerra da Secessão(1861-65), da mesma maneira em que na Alemanha existem aqueles que denunciam sempre os horrores dos tempos do Terceiro Reich, no Brasil existem aqueles que cientes de um passado autoritário recente, ou seja, o Estado Novo(1937-45) e a ditadura militar(1964-85), batalham por uma cultura progressista. É importante dizer mais uma vez que enquanto alguns brasileiros sofrem da hedionda nostalgia do autoritarismo, militantes de esquerda buscam no passado as imagens revolucionárias que se comunicam com o presente. Colocar à luz do dia toda criatividade artística de homens e mulheres de esquerda que foi calada pela barbárie, significa no contexto artístico revisitar obras e autores que mesmo mortos ainda falam de punhos cerrados com os vivos. Esta prova de vida manifesta em verso, prosa, tinta, filme e canto, confirma-se a partir do interesse crescente que alguns jovens possuem por escritores e artistas de esquerda do século passado: não raramente, aparece uma garota ou um rapaz perguntando, com uma curiosidade faiscante, sobre obras como o romance Parque Industrial , de Patrícia Galvão.

O motor daquele trator tende a fundir quando removemos os entulhos que sufocam a cultura revolucionária; e tudo indica que ainda temos muito trabalho pela frente(inclusive no Brasil). Exemplos não faltam: muito recentemente estudiosos realizaram importantes pesquisas e passaram a dedicar interesse pela obra literária e teatral dos anarquistas no Brasil do início do século passado: é de encher os olhos quando nos deparamos com um conjunto de contos e peças de teatro feitas por e para trabalhadores. Após deparar-se com esta produção(e as limitações estéticas que ela possui, mas isto não vem ao caso agora), um historiador não poderá dividir os períodos da História da literatura brasileira da mesma maneira. A literatura dos militantes anarquistas da primeira metade do século passado, envolve um capítulo a ser considerado.

Outro exemplo? As relações entre surrealistas e trotskistas no Brasil: enquanto que alguns insistem em afirmar que no Brasil o Surrealismo não existiu, registros sobre a atuação cultural de militantes trotskistas como Mário Pedrosa, Lívio Xavier e o visitante revolucionário Benjamin Péret, apontam(como alguns autores demonstram) para uma outra interpretação. Mais exemplos? Existem muitos romancistas representativos da chamada literatura proletária dos anos 30/40, que estão no esquecimento, sendo que suas obras não estão a disposição do público. Por fim, experiências mais recentes como o CPC(Centro Popular de Cultura) que foi fechado/calado pelo Golpe de 64 e os debates estéticos subterrâneos dos anos 70, ainda estão à espera de estudos que atinjam a juventude e os trabalhadores.

Não podemos cair no embalo do otimismo e achar que existe um interesse de massa por questões envolvendo a história da cultura da esquerda no Brasil e no mundo. Mas se existem militantes, se existem quadros políticos, então precisamos resgatar exemplos históricos que alimentarão a arte revolucionária de amanhã.


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