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50 ANOS DO AI-5 | A luta de uma mulher contra o AI-5: o eterno “Ainda estou aqui”

Eunice Paiva teve a sua vida entrelaçada pela luta contra ditadura e, coincidentemente, morreu quando o AI-5 completou 50 anos, em 13 de dezembro de 2018, aos 86 anos. Em 2015, seu filho Marcelo Rubens Paiva escreveu um livro em sua homenagem, “Ainda Estou Aqui”.

sábado 15 de dezembro de 2018 | Edição do dia

(Eunice Paiva com a foto de seu marido, torturado e morto pela ditadura/ Imagem: Folha)

Entre janeiro e fevereiro de 1971, no auge da repressão instaurada pela ditadura civil-militar, seu marido, Marcelo Rubens Paiva, foi preso, torturado e morto. Na época, ela também ficou 12 dias na cadeia.

O marido que era parlamentar pelo PTB, foi cassado pela ditadura em base ao AI-1. Em 1968, veio o AI-5 e a repressão política subiu de tom. Agora o fechamento do congresso estava autorizado. Os generais poderiam legislar por decretos, baixar outros atos institucionais, declarar estado de sítio, aposentar funcionários públicos e juízes [por “razões políticas”], suspender direitos políticos dos cidadãos por 10 anos, julgar cidadãos comuns – com acusações “políticas” - por tribunais militares, entre um conjunto de arbitrariedades justificadas pela “unidade da pátria”.

("Ainda Estou Aqui", livro escrito por Marcelo Rubens Paiva em 2015, em homenagem a sua mãe, Eunice Paiva/ Imagem: blog do pedro eloi)

Dois anos depois da cassação do mandato de deputado federal de Rubens Paiva, em 1971, a família Paiva é surpreendida em sua própria casa pelos militares. A morte “por decreto”, como afirma Marcelo em “Ainda Estou Aqui”, de 2015, escrito em homenagem a sua mãe, só foi reconhecida em 1995, 25 anos depois, após uma luta interminável dos familiares. Desde então:

“Éramos a família vítima da ditadura”. Apesar de preferirmos a legenda: “Uma das muitas famílias vítimas das muitas ditaduras” (Rubens Paiva, 2015, pag.39)

Eunice se formou em Letras e em Direito, faculdade para o qual se dedicou aos 41 anos com 5 filhos para criar. Ela graduou-se aos 46. Depois, exerceu a profissão de advogada até o Alzheimer chegar a uma escala mais elevada. Foi uma ferrenha defensora dos direitos indígenas, pelo qual se especializou progressivamente com verdadeira paixão denunciando em plena ditadura as atrocidades aos povos originários.

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Em 1983, assinou com Manuela Carneiro da Cunha na Folha de São Paulo um artigo intitulado “Defendam os Pataxós”. Ambas trabalharam na ONG Comissão pró-indio, fundada em 1978. Nesse artigo denunciaram o caráter anti-indígena da própria instituição que deveria cuidar de seus interesses, a FUNAI:

"A Funai está atrelada a um sistema no qual os direitos indígenas são a última das suas preocupações" (Folha, 1983, apud, Rubens Paiva, 2015).

Indígenas foram torturados, presos e mortos na ditadura, como denúncia a comissão da verdade, com mais de 8 mil e trezentos mortos contabilizados. Como afirma seu filho, para Eunice a luta era a mesma.

Anos depois, participou das diretas já e se colocou contra a lei da anistia que perdoou os torturadores. Participou também da constituinte de 88, defendendo os direitos indígenas. Desde 2004, Eunice apresentava o quadro de Alzheimer, em uma luta com a difícil doença:

“Seu orgulho era maior do que seu esquecimento. Jamais sentiria pena de si mesma. Nem queria que sentíssemos pena dela. Jamais pediu ajuda. Recentemente, uma nova fala cheia de significados entrou no seu repertório, especialmente quando um turbilhão de emoções a ataca, como rever uma filha que mora na Europa ou segurar no colo o meu filho, o que mostra uma felicidade e um alerta, caso alguém não tenha reparado: Eu ainda estou aqui. Ainda estou aqui” (Rubens Paiva, 2015, Pag. 262).

Eunice Paiva foi uma lutadora dos direitos humanos e ferrenha opositora da ditadura. O marido preso, torturado e assassinado não foi capaz de retirar sua força de espírito para lutar em defesa dos desaparecidos, torturados e dos povos indígenas, massacrados durante os 21 anos de regime militar. Sua morte 50 anos depois do AI-5 deve servir como um símbolo a juventude e aos trabalhadores que não abaixam a cabeça para a repressão do estado capitalista.

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Nesse contexto em que os militares voltam ao aparelho de estado pela eleição de Bolsonaro é preciso de uma esquerda que se coloque a altura dos desafios que estão colocados, com uma política de independência de classe, e que procure dar as batalhas fundamentais para que a classe trabalhadora passe por cima da burocracia sindical, para na mais ampla frente única de ação, barrar os ataques que estão colocados.




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