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DEBATES GRÉCIA | A greve do setor público na Grécia e o debate de estratégia com a esquerda

Após mais de 17 horas de reunião em Bruxelas durante o último domingo chegou-se a um acordo sobre a dívida grega. Em troca de 53 bilhões de euros nos próximos três anos, o Syriza aceitou a chantagem da Troika eliminando qualquer sombra do já limitado programa eleitoral com que fora eleito, concordando com um programa de ajustes pior que o que foi rechaçado por 62% da população no referendo, sendo comparado com um novo “Tratado de Versalhes”.

André Barbieri São Paulo | @AcierAndy

terça-feira 14 de julho de 2015 | 14:22

Para receber os fundos do “terceiro resgate”, a chantagem imperialista da Alemanha impôs ao governo grego uma profunda reforma trabalhista, com a eliminação de entraves para as empresas realizarem demissões coletivas; deverá dar luz verde à privatização toda a rede de distribuição elétrica estatal (ADMIE), como parte dos 50 bilhões de euros em ativos estatais que deverá privatizar imediatamente.

Este resultado dá um veredito sobre o discurso de Tsipras de que usaria “o mandato do referendo” para negociar em melhores condições. Mais ainda, é produto da própria estratégia do Syriza, que se recusou a desenvolver a mobilização social em função da ilusão de alcançar, pacificamente, um acordo que moderasse a avidez do imperialismo europeu e que fosse “benéfico para os sócios e para a população”.

Para a reacionária “Santa Aliança” liderada pela Alemanha, havia que golpear forte e liquidar toda pretensão de questionar a ordem da Europa, mesmo que feita por partidos da esquerda radical como Syriza, que nunca puseram em questão esta ordem capitalista.

Enfrentar o grotesco imperialismo alemão (e não negociar uma mais “moderada”) dependia de um programa anticapitalista, não apenas antiausteridade. O Syriza é um fenômeno antiausteridade sem anticapitalismo, e essa fórmula terminou num acordo muito pior que o do referendo, com a Alemanha fortalecida nesta “guerra de posições” e a impressão de que todo desafio aos ajustes será derrotado.

A indignação dos trabalhadores com a agressividade neocolonial da Alemanha e com o acordo é enorme. O comitê executivo do ADEDY, a central sindical do funcionalismo público, se reuniu para votar nesta quarta-feira uma paralisação nacional de 24 horas contra o novo memorando, o que pode se converter num ponto de retorno da classe trabalhadora como fator político central na crise.

Queremos fazer um debate de estratégia entre a esquerda mundial sobre este grande fenômeno.

“Não há condições políticas para romper com os ajustes”

Em artigo escrito por Milton Temer, pode-se ler que “não havia condições políticas para Tsipras romper com a zona do euro”. É insólito que este argumento seja dado uma semana depois que 62% da população grega deu um pronunciamento contundente contra os ajustes da Troika, em que os bairros operários e populares de Atenas enviaram uma forte mensagem política onde o NÃO ganhou com esmagadora diferença sobre o SIM.

Inúmeros trabalhadores disseram não estar representados pela aprovação dos ajustes por Tsipras no parlamento grego. “Estamos muito decepcionados, são as mesmas medidas que havia antes do referendo,” afirmou Panayiota, trabalhadora do bairro operário de Exarkheia. “Não é para isso que votamos Não”, assegurou Anna, funcionária bancária. “Desde logo, não sei por que se convocou o referendo, se agora nos trazem medidas de austeridade iguais ou piores que as que rechaçamos,” disse Efi, funcionária de uma agência de viagem. No dia em que Tsipras transformou no parlamento um rotundo Não em um Sim à austeridade, milhares de pessoas se manifestaram na Praça Syntagma contra o primeiro ministro, e iniciaram a campanha virtual #ExplainNoToTsipras (“Expliquemos o que é não ao Tsipras”) e #ThisIsACoup (“Isto é um golpe”).

Apesar da desorganização e desmobilização das bases que o Syriza incentivou nestes seis meses, canalizando o repúdio à Troika às negociações parlamentares, o pronunciamento político de massas no referendo promovia a melhor base para um programa que se propusesse dizer Não à zona do euro, Não ao pagamento da dívida e à austeridade.

Igualmente incompreensível é a afirmação de que “não há recursos para manter salários públicos e pensões”, ainda mais apoiada na leitura de Miriam Leitão. Esta afirmação parece querer justificar as políticas de Tsipras, que aplicou cortes nas pensões e negligenciou o aumento de salários aos setores públicos, o que proporcionou a primeira greve contra o Syriza desde janeiro, protagonizada pelos trabalhadores da saúde.

Estes recursos existem e hoje estão sendo utilizados para o pagamento de uma dívida externa fraudulenta, de 320 bilhões de euros (174% do PIB), que até o FMI teve de admitir que é virtualmente impagável. Tsipras pagou já mais de 8 bilhões de euros de uma dívida da qual os trabalhadores e jovens na Grécia não viram um centavo.

A estratégia do Syriza de negociar melhores termos para seguir pagando esta dívida que enriqueceu os bancos alemães e franceses, e as empresas gregas, às custas da população, facilitou a privatização de boa parte da economia nacional por multinacionais e bancos alemães (a Deutsche Telekom, que havia ficado em 2008 com 20% da companhia telefônica estatal grega, ficou com mais de 40% das ações em 2013. A Fraport AG Frankfurt Airport, companhia de aviação alemã, conseguiu em 2014 a concessão de 14 aeroportos regionais na Grécia, por 40 anos).

Por que desconsiderar como uma medida de autodefesa dos trabalhadores um plano de emergência que começasse pelo não pagamento da dívida, cancelando todas as privatizações e abolindo os impostos à população pobre, para recuperar o que foi perdido em salários e pensões, impondo impostos aos grandes capitais? Por que desconsiderar que diante das ameaças de estrangular as poupanças dos trabalhadores com o controle de capitais, é possível levantar a nacionalização do sistema bancário sob controle dos trabalhadores e pensionistas, junto à expropriação dos bens dos capitalistas que lucravam com a especulação, para reintegrar os trabalhadores demitidos aos seus postos de trabalho?

Ao contrário do que diz Temer nós não defendemos a saída desorganizada da zona do euro, mas em base a um programa anticapitalista preparado desde as bases, podendo dessa forma superar a disjuntiva de ceder à Troika, ou sair da zona do euro e ir em direção à desorganização econômica e social. Parece que na opinião de Temer tudo o que pareça atacar a propriedade privada é um “obstáculo insuperável do quadro sócio-econômico”.

“Ir matando lentamente a austeridade”

O artigo de Marisa Matías, deputada do Bloco de Esquerda de Portugal, faz um esforço ainda maior de mostrar o acordo de austeridade repudiado pelas massas como um “empate” entre a Grécia e a Alemanha.

Há ou não há diferenças entre a proposta de Juncker e a proposta apresentada pelo governo grego? Há e não são pequenas. Ambas contêm austeridade, isso é claro, mas não é novo. Agora, fazer desta nova proposta um episódio de capitulação é, no mínimo, pouco sério”.

Espanta que para a deputada do Bloco de Esquerda, uma das organizações políticas que na Europa reivindica o fim da austeridade, o debate seja de “que tipo” de austeridade que se aplica, dentro do qual uma saída em que o povo não sofra com os ajustes não esteja no horizonte.

O pressuposto de uma negociação é que haja diferenças entre os contratantes. Mas o ponto é que o acordo travado com o Eurogrupo, e que o Syriza tratará de aprovar no parlamento grego, não é a “austeridade moderada” de Tsipras, mas a humilhação imposta pela Alemanha.

Isto configura uma completa capitulação não só ao programa eleitoral já limitado do Syriza, mas também, como mencionamos, um Não por parte do Syriza aos milhões de gregos que repudiaram os ajustes no referendo. Não é “nada sério” ocultar isso.

Lutando por separar o acordo naquilo que é “difícil de engolir” e naquilo que é “mais defensável” pela esquerda, a deputada incorre na lógica de escolher entre a austeridade “possível” e a “intragável”.

A lógica do artigo leva a reduzir a importância de ataques que terão um peso enorme contra a população, como a eliminação do subsídio às pensões mais baixas e da reforma das aposentadorias. Com 2,5 milhões de aposentados, 52% das famílias gregas dependem das pensões para sobreviver, uma vez que o desemprego atinge 27% da população (60% entre os jovens).

Ainda reconhecendo que “a proposta do governo grego aceita as privatizações dos aeroportos (não todos), dos portos, e a transferência dos 10% que restam das telecomunicações das mãos do Estado grego para o Estado alemão”, para a deputada a incapacidade de enxergar a “importância profunda” da “transformação ao nível das maturidades da dívida detida pelo BCE, transformando dívida de curto prazo em dívida de longo prazo” seria má fé.

Surge a pergunta: se este foi o “acordo possível”, o que acham da paralisação nacional contra o acordo? Trata-se de uma política “sectária” dos trabalhadores gregos para desestabilizar o Syriza, que não tinha alternativa? O que opinam sobre a luta de classes contra este acordo?

“É de luta de classes a sério de que se fala”

Nenhuma das duas notas fala sobre a necessidade de organizar a mobilizar a única força social capaz de derrotar a Troika: a classe trabalhadora. De fato, tratam de justificar a negociação e o “combate lento” aos ajustes por fora da luta de classes.

As razões do por que “tiramos o tapete do Syriza” desde que surgiu como fenômeno foi justamente a estratégia reformista de Alexis Tsipras (e da própria Plataforma de Esquerda, que se mantinha crítico ao primeiro ministro, mas na posição de “opositora fiel” sem postular um programa independente) é um obstáculo para organizar o enorme repúdio contra as imposições imperialistas da UE e transformá-lo em mobilização real operária e popular.

Para nós, a esquerda mundial deve tirar as lições políticas destes acontecimentos, em que durante as negociações a burguesia se fortaleceu e os trabalhadores permaneceram desorganizados, tanto pela política paralisante do Partido Comunista Grego, mas também pela passivização social imposta pelo Syriza.

O repúdio aos ajustes vem dos próprios trabalhadores. A paralisação nacional convocada pelos sindicatos do funcionalismo público contra os ajustes de Tsipras pode ser um importante ponto de inflexão, em que poderá entrar em ação novamente a classe trabalhadora e a juventude que desde 2010 protagonizou 32 paralisações gerais, mobilizações e choques com as forças repressivas, iniciando um plano de conjunto para a crise baseado na classe trabalhadora que pode ser tornar um grande exemplo internacional contra os ajustes.

As declarações de oposição ao acordo de Tsipras, por parte de Stathis Kouvelakis e Lafazanis da Plataforma de Esquerda, devem estar a serviço de fortalecer esta jornada de paralisação operária em base a sua ruptura até o final com Tsipras, fazendo um profundo balanço de sua estratégia até aqui.

É urgente encarar estrategicamente a importância de lançar uma campanha internacional de solidariedade aos gregos que se paute pelo cancelamento imediato da dívida e a ruptura das relações com a Troika, lançando medidas anticapitalistas para recuperar a situação social das massas, mas também contra o ajuste que Tsipras tentará aprovar na quarta-feira.




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