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DESDE ATENAS: Entrevista a Nikos Tsibidas | A experiência de dois anos de luta na televisão pública ERT

Alejandra RíosLondres | @ale_jericho

sexta-feira 7 de agosto de 2015 | 00:43

Fotos: LID / Josefina L. Martínez

Em 11 de junho de 2013, como parte das medidas de austeridade, o governo grego do primeiro ministro Antonis Samaras fechou a rede estatal de rádio e televisão ERT. Não houve debate nem votação no parlamento, do dia para noite todo o pessoal foi despedido por decreto do governo.

Em resposta ao fechamento, os trabalhadores decidiram ocupar o edifício e durante dois anos funcionaram como uma emissora pública autoadministrada, sob o nome “ERT Aberta”. Apesar de ser completamente boicotada pelo governo e desalojada de seus estúdios pela Polícia, puderam continuar transmitindo desde vários lugares, e puseram de pé uma plataforma para os trabalhadores que lutam contra a austeridade.

Sua luta e compromisso com um serviço público de transmissão plural foi recompensado quando o atual governo se viu obrigado a reabrir a ERT em 11 de junho de 2015, dois anos depois do dia de seu fechamento. Atualmente, a ERT está em perigo e seus trabalhadores enfrentam a perda de postos de trabalho.

Visitamos o edifício central da ERT em Atenas, para conversar com Nikos Tsibidas, o porta-voz durante a ocupação, que nos contou sobre sua luta.

Quanta gente trabalha na ERT?

Quando o governo anterior fechou a ERT em junho de 2013, havia 3 mil trabalhadores mas atualmente tem 2 mil. Algumas pessoas não quiseram voltar a trabalhar depois de dois anos, alguns se aposentaram e outros se foram do país. Lamentavelmente alguns ex-colegas morreram, a metade deles se suicidaram porque haviam perdido o trabalho.

Poderia nos contar sobre a luta da ERT?

A luta atravessou dois períodos. O primeiro foi entre junho e agosto de 2013, durante o qual, apesar das diferenças de estratégia em nossas próprias filas, mantivemos uma frente única contra o governo. A intenção da gerência era nos dividir.

O segundo período começou em agosto de 2013 quando o governo disse que queria que o pessoal trabalhasse em um novo canal administrado pela emissora privada Nerit. A proposta dividiu os trabalhadores: cerca de 600 se foram para trabalhar com o governo, o resto ficou e continuou transmitindo os canais originais desde aqui, desde este edifício em Atenas, e desde outra estação de TV em Tessalônica.

Em novembro de 2013, a Polícia entrou no edifício. Este edifício era nosso principal lugar de produção, todos os aspectos técnicos dos programas se faziam aqui. Foi um duro golpe para nós perdê-lo. Éramos mais ou menos 50 fazendo guarda no edifício quando chegaram policiais armados e entraram às 5:30 da madrugada. Não pudemos oferecer resistência, mas algumas horas depois nos reagrupamos e alugamos um lugar bem em frente. Instalamos uma rádio e enviamos alguns companheiros à outra estação de TV em Tessalônica para mantê-la no ar. Reforçamos as guardas e desta forma pudemos manter a transmissão de 19 estações. Também organizamos boletins de notícias desde a rua fora do edifício da ERT.

Como se mantinham? Recebiam um salário?

Nos mantivemos graças aos fundos de luta, organizados pelo Sindicato de Jornalistas e o Sindicato de Técnicos, e com comida, gasolina e outras coisas doadas por gente solidária.

Na Grécia, o seguro de desemprego é de entre 400 e 500 euros ao mês, só dura um ano, por isso o sustento da família e dos amigos foi crucial.

Como organizaram a ocupação?

Durante a luta havia cerca de 600 pessoas envolvidas na auto-organização. Depois da primeira divisão de agosto de 2013 mudamos completamente a forma de trabalhar, implementamos uma estrutura e organização mais horizontais. A experiência de dois anos demonstrou que em alguns lugares funcionava muito bem, em outros, relativamente. O modelo funcionava bem nas cidades mais pequenas onde as estações de rádio estavam baseadas na comunidade. A gente ali organizava assembleias muito rápido, eram mais dinâmicas, e as comunidades tinham comunicação direta com os trabalhadores. Em cidades grandes como Atenas ou Tessalônica o modelo não foi tão exitoso.

Quando começamos a organizar a “ERT Aberta” estava claro que se uma pessoa a cargo de um departamento específico era respeitada pelos trabalhadores e se mantinha leal à luta, seria eleita como “chefe” ou “coordenador” durante a auto-organização.

Como se tomavam as decisões?

Não havia hierarquias, não havia patrões, e todas as decisões estratégicas se tomava em assembleia. Este não foi um projeto simples.

Tentamos desenvolver um sistema híbrido para conseguir que as coisas se levem a cabo. Como os boletins de notícias são produzidos com tempos muito apertados, era necessário escolher uma pessoa para que estivesse responsável, que estivesse autorizada a tomar decisões. Ninguém interferiria durante a preparação das notícias, mas as diferenças se discutiriam depois da transmissão. Conseguir isto em uma escala macro não é fácil.

Esta nova forma de organização afetou a forma como davam as notícias?

Sim, foi uma quebra na forma em que havíamos trabalhado durante os últimos 25 anos. Estamos tratando de manter esta forma de trabalho, não só porque o processo de fazer as notícias era diferente, ou porque nos libertamos da autocensura e nos sentíamos livres para informar sobre qualquer tema, senão porque o principal fator que mudou a forma de dar as notícias foi o aporte da sociedade. As pessoas que se foram da ERT não queriam abrir o canal à sociedade. Mas os cidadãos são os melhores jornalistas, como o demonstrou a forma em que as comunidades participaram na criação de programas de rádio.

Divulgávamos as notícias de forma diferente da dos meios de imprensa massivos. Falávamos de greves, das marchas, do caos nas ruas, etc. Falávamos sobre a gente sem emprego, sobre as crianças que não tinham comida e desmaiavam na escola, sobre não poder pagar a conta de luz.

Os canais comerciais dizem que os gregos são vagabundos, que nós geramos a crise, que o país deve ser reformado, que temos que ser pacientes, e que as greves e as marchas afastam os turistas. Nós usamos um enfoque diferente e as pessoas começaram a nos escutar. Inclusive quando o governo ordenou a suspensão do serviço de satélite (estávamos alugando o espaço de empresas privadas fora da Grécia para poder transmitir via satélite) tínhamos uma audiência de meio milhão de pessoas por dia. Isto era porque falávamos sobre a vida cotidiana das pessoas, sobre os cortes e as demissões que sofriam. Tivemos que tomar partido, por isso o Estado foi tão duro conosco.

Fizemos um monte sacrifícios e conseguimos manter todos nossos edifícios menos este. A ERT tinha 115 transmissores nas montanhas e controlamos 50 deles. Éramos como uma guerrilha da imprensa, viajando pelas montanhas de moto no meio da noite. Se tivessem nos pegado, poderiam ter nos acusado.

Como foi a situação durante as eleições?

A estação não apoiava o Syriza, não dizíamos “Vote no Syriza” ou “Vote na esquerda”. Criticávamos o governo e convidávamos todos os partidos aos debates eleitorais, exceto os neonazistas do Aurora Dourada. Convidamos os políticos do governo anterior, os comunistas e os verdes.

E durante o referendo?

Como podem imaginar, a maioria de nós como indivíduos votávamos “Oxi” (Não) no referendo. Todos os meios de imprensa massivos votavam pelo “Sim”, diziam que podiam acontecer todos os desastres imagináveis se ganhasse o “Não”. Mas apesar do voto majoritário pelo “Não”, o sistema político mostrou claramente uns dias depois que não podia servir ao país. Não digo que 60 % tenha votado por abandonar o Euro, mas uma grande proporção – em minha opinião, a metade – estava preparada para qualquer coisa. O que precisavam era alguém que lhes dissesse que, apesar de que fosse um caminho difícil, havia um plano. Mas isto foi um golpe, foi um pequeno centro de poder que decidiu o futuro do país.

Poderia nos dar alguns exemplos da solidariedade da ERT com outras lutas de trabalhadores?

Apoiamos a luta contra a privatização da água em Tessalônica. Cobrimos em Creta a luta contra os resíduos nucleares. Demos espaços de rádio e TV aos professores para que fizessem seus próprios programas. Claro, apoiamos a luta dos trabalhadores da fábrica Vio.me sob controle operário em Tessalônica, com quem temos uma relação muito próxima. Fomos os primeiros a informar do assassinato do rapper Pavlos Fyssas pelas mãos dos fascistas, que era um ativista político, e que era um assassinato político. Apoiamos a greve de fome do preso anarquista Nikos Romanos por seu direito a estudar na prisão.

Quais são seus principais desafios hoje?

Há muita pressão sobre nós porque somos uma emissora pública. Nossos principais desafios são manter nossa integridade, trabalhar sem patrões, informar sem censura, e manter a estação aberta à participação da comunidade.

A implementação do terceiro memorando provavelmente colocará em risco os postos de trabalho. A Troika busca fechar a ERT e o governo tentará reduzir o pessoal. Esta luta não terminou. Escreveremos um novo capítulo.




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