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EDITORIAL MRT | A esquerda institucional e a busca de um caminho de subordinação ao PT

Lula continua com altos índices nas pesquisas para a eleição de 2022. É neste cenário que se constroem e desconstroem as mobilizações do calendário definido pelas Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular. A esquerda institucional, como o PSOL, se divide em diferentes táticas, mas subordinadas à política de conciliação de classes do PT - tanto os que ficam como os que saem, no caso, Marcelo Freixo que embarcou no burguês e golpista PSB.

Diana AssunçãoSão Paulo | @dianaassuncaoED

segunda-feira 14 de junho de 2021 | Edição do dia

As últimas pesquisas continuam apontando que Lula venceria Bolsonaro em um eventual segundo turno nas eleições presidenciais de 2022. Este dado é o pano de fundo por trás de todas as movimentações do regime, dos partidos políticos e até mesmo da esquerda institucional. Até alguns meses atrás Lula ainda não estava habilitado a se candidatar, mas depois que o mesmo STF que impulsionou o golpe institucional e sua prisão arbitrária lhe devolveu seus direitos políticos, todas as conjunturas políticas até 2022 passam a estar marcadas por esse fator. Há um objetivo claro por trás disso que é o de criar um certo “consenso nacional” de que para derrotar eleitoralmente Bolsonaro vale tudo.

E para Lula vale mesmo: nas últimas semanas vimos Lula se reunir com José Sarney, Kassab, Fernando Henrique Cardoso e Eduardo Paes, velhos políticos e golpistas que foram os mesmos que protagonizaram o impeachment de Dilma Rousseff em 2016. Mas muitos deles eram base do governo Dilma. Como chegaram lá? Através da política do PT que em seus governos fortaleceu o agronegócio, a bancada evangélica, o judiciário e a Polícia Federal em nome da “governabilidade” quando, na prática, se tratava de um projeto de país bastante consolidado, que incluía empresários, banqueiros e capitalistas lucrando como nunca. Este caminho nos fez chegar até Bolsonaro, e agora Lula e o PT se utilizam do ódio genuíno das massas contra Bolsonaro para trazer de volta esse mesmo projeto, novamente de mãos dadas com a direita e agora com os golpistas.

A força dessa política é tamanha que hoje atravessa as principais correntes da esquerda institucional, como o PSOL que privilegia a atuação nas instituições do regime em detrimento da luta de classes. O fato é que desde as eleições de 2018 o PSOL vem gradativamente perdendo seu “sentido de existência”, uma vez que não defende nenhum programa que seja essencialmente diferente do programa do PT, está em blocos parlamentares permanentes com o PT e atua de forma consciente para encobrir a atuação dos sindicatos dirigidos pelo PT. Essa perda de sentido de existência do PSOL, ou seja, de uma crise mais estratégica de seu projeto, se expressa de distintas maneiras. A mais clara e aberta é a saída de grandes referências do partido dizendo que “agora é preciso derrotar Bolsonaro” (ou seja, o PSOL não serviria para isso) ou “só quero fazer parte do que pode dar certo”, como disse Jean Wyllys. Essas considerações brutais contra o PSOL são respondidas com “respeito” e “compreensão” por parte dos que ficam reafirmando que “estamos todos nas mesmas trincheiras” e que o PSOL “é necessário”, mas sem dizer exatamente para que. Dentre os que ficam, lembremos, está Edmilson Rodrigues, que tem uma reforma da previdência pronta para ser aplicada contra os trabalhadores de Belém que só não foi aplicada porque os salários dos servidores estão abaixo até mesmo de um salário mínimo, e também pela revolta generalizada dos servidores que ameaçaram resistir. Este é o “governo de esquerda” do PSOL e supostamente para isso o partido seria necessário.

Por isso, a ida de Marcelo Freixo para um partido burguês, se aliando a todo tipo de políticos da direita e já se subordinando claramente à candidatura de Lula em 2022, num movimento claramente articulado entre PT e PSB, não significa que os que ficam no PSOL não estejam também, ainda que de diferentes formas, subordinados à estratégia lulista. Uma ala do partido, encabeçada pela Primavera Socialista de Ivan Valente e Juliano Medeiros e pela Revolução Solidária de Guilherme Boulos, já iniciaram a campanha para Lula em 2022 cujo conteúdo é, nas palavras, falar sobre a necessidade de lutar, mas, na prática, é fazer encontros com Lula e outros políticos na construção desta frente ampla. Boulos já iniciou sua própria campanha eleitoral para governador de São Paulo. Ou seja: eleições, eleições e mais eleições. A outra ala do PSOL, encabeçada por Glauber Braga e pelo MES, abarcando correntes como CST, Comuna, entre outras, apresenta a candidatura de Glauber Braga (ex-PSB) como uma “resposta anticapitalista” à esquerda do PT. Entretanto, em seu manifesto não há nenhum ponto de programa que se enfrente com o capitalismo e seja diferente do que o PSOL já defende, não mencionam o golpe institucional, não falam sobre as burocracias sindicais e além disso já anunciam que, no caso de um segundo turno, estão prontos para defender Lula ou “qualquer um contra Bolsonaro”. Estamos falando de um anúncio de voto mais de um ano antes, ou seja, não se trata de uma decisão tática, mas sim de uma política estratégica de como se localizar daqui até as eleições.

Em nota publicada na última semana, Valério Arcary, dirigente da Resistência do PSOL, uma das correntes mais entusiastas da campanha de Lula para 2022, diz que a esquerda estaria dividida em três táticas. Para Valério a esquerda abarca tanto o PT quanto o PCdoB e por isso diz que há uma tática “quietista”, que seria defendida pela maioria do PT e pelo PCdoB. Estes proporiam ficar “quietos” para desgastar Bolsonaro e esperar 2022. A segunda tática seria a da ofensiva permanente dos que acham que seria possível derrubar Bolsonaro agora, estes seriam o MES, PSTU, UP e PCB. E a terceira, seria supostamente a “correta”, defendida pela Resistência e a maioria do PSOL, a esquerda do PT e PCdoB, que seria a defesa da “frente única de esquerda” para derrotar Bolsonaro. A compreensão da realidade em torno da divisão dessas três táticas já diz muito do autor do texto. Trata-se de ver o mundo a partir da ótica da sua própria política colocando em possíveis adversários políticas que inclusive não correspondem ao que fazem. Para Valério, a maioria do PT tem uma política inofensiva, não fazem nada, estão quietos. Ou seja, o fato de estarem impedindo a mobilização dos trabalhadores através de seu peso nos sindicatos não seria nenhum problema, tanto que nem vale menção a isso em seu artigo. Difícil acreditar que conversar com José Sarney se trate de “quietismo”. Por outro lado MES, PSTU, UP e PCB tampouco acham que é possível derrotar o governo Bolsonaro agora. Por isso se subordinam a uma política institucional que é o impeachment que dependeria de uma maioria no Congresso para ser aprovada e significaria a entrada do General Mourão. O que qualquer um que analise já considera que o impeachment agora não vai acontecer.

Mas, por fim, a política que Valério diz ser defendida por ele e a maioria do PSOL de “frente única de esquerda” é a própria política de subordinação à agenda do PT. Primeiro que Valério, interessadamente, mistura o conceito de “frente única operária”, que seria a unidade dos sindicatos e toda a classe trabalhadora para enfrentar os ataques dos governos e do capital, com uma “frente eleitoral”. São duas coisas diferentes e entendê-las não é um detalhe: a primeira, se queremos que se efetive, dependeria de uma forte política de exigência e denúncia contra o papel das direções sindicais hoje no Brasil, que atuam sempre pra controlar e até mesmo descomprimir o descontentamento social que, por vezes, se expressa em mobilizações. A segunda se trata de acordos entre os caciques partidários, frentes, correntes políticas e direções sindicais com objetivo eleitoral e não de luta. E é esta segunda a que de fato é levada a frente por estes setores.

Isso fica evidente com as movimentações do próprio dia 29 de maio e a nova agenda definida pelas Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo. Depois de muitos meses de trégua completa buscando afogar qualquer impulso de mobilização por trás de uma suposta preocupação sanitária com a política do #FicaEmCasa, essas direções convocaram uma mobilização buscando fazer de tudo para que fosse controlada e servisse eleitoralmente para Lula, mesmo que ele não tenha se pronunciado sobre elas. Isso porque o PT trabalha com a ideia de que todo desgaste ao Bolsonaro objetivamente favorece Lula. E isso é verdade na medida em que consigam evitar que toda a insatisfação contra Bolsonaro e os governos leve à ação da classe trabalhadora, junto à juventude e aos que mais estão sofrendo na crise, como um sujeito político independente. Se a esquerda não tem clareza disso para pensar com qual política atua nesses movimentos está, na prática, subordinada a essa política eleitoral ainda que em táticas diferentes.

Depois do dia 29 nós apontamos 5 propostas para seguir a mobilização: 1) unir as demandas da juventude e da classe trabalhadora 2) assembleias de base e Comando Unificado nas Universidades Federais 3) que os sindicatos convoquem uma paralisação nacional 4) lutar por Fora Bolsonaro, Mourão e os militares 5) não permitir que a força das ruas seja utilizada eleitoralmente por Lula e pelo PT. Nenhum desses pontos foi levado adiante por essas direções, já que serviriam para levar até o fim a luta contra o governo e os ataques, e o interesse dessas direções é canalizar tudo para seus objetivos eleitorais. Convocaram uma nova manifestação para 20 dias depois com o objetivo de “descomprimir” a insatisfação que se expressou no dia 29, ou seja, não permitir que se acelerasse e se transformasse em explosões que saíssem do controle. As centrais sindicais, que estão nas direções das Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, convocaram cinicamente um dia de mobilizações no dia 18 em “apoio” ao dia 19. Imaginem que você mesmo convoca um dia de luta e depois convoca outro dia de luta em apoio ao primeiro dia que você tinha convocado? Aqui não se trata de loucura ou de uma confusão, mas de uma política consciente para impedir que se desenvolvam as mobilizações porque os objetivos são puramente eleitorais.

Para tudo isso faz falta uma política abertamente revolucionária que não se subordine à orientação das burocracias e à estratégia eleitoral do PT, como apontamos acima nos 5 pontos que viemos defendendo. Também é preciso dizer que essa atuação do PSOL é somente mais uma expressão da crise estratégica pela qual passa o partido neste momento. Esta se insere na crise de partidos amplos, como ocorreu na Grécia e na Espanha, e que atinge hoje fortemente o Novo Partido Anticapitalista da França, reivindicado por distintas correntes do PSOL. A diferença é que na França havia uma corrente revolucionária no interior do NPA, que se enfrentou abertamente contra as políticas de conciliação de classes de sua direção majoritária que, com o mesmo argumento de enfrentar a extrema-direita, se aliava com todo tipo de política. Esse combate não somente era correto como foi o que conseguiu se fundir com o mais avançado da nova vanguarda operária francesa que emergiu com os processos da luta de classes dos últimos anos na França, mostrando que, assim como o PSOL, o NPA também privilegia uma intervenção que não tem como eixo a atuação na luta de classes. Essa situação resultou na expulsão de quase 300 militantes do NPA, que significa cerca de 30% dos militantes desse partido, expressando uma crise importante, conforme noticiado em distintos veículos de imprensa franceses. Estes militantes agora lançam a batalha pela construção de um partido revolucionário na França. Este é o desafio que nos colocamos também aqui no Brasil.

Veja também: França: quase 300 militantes excluídos do NPA convocam a construir uma nova organização revolucionária

Neste caminho consideramos fundamental aprofundar os debates na esquerda brasileira sobre essas questões estratégicas e ao mesmo tempo dar uma batalha em comum para enfrentar todos os ataques do governo Bolsonaro e do regime do golpe exigindo que as burocracias sindicais e estudantis construam o dia 19 a partir da base e coloquem de pé uma paralisação nacional coordenando também as lutas em curso. Nós do MRT e da Faísca - Anticapitalista e Revolucionária daremos essa batalha em todos os locais de trabalho e estudo no qual atuamos.




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