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A dança de autoritarismos: os generais no governo Bolsonaro

Thiago Flamé

A dança de autoritarismos: os generais no governo Bolsonaro

Thiago Flamé

Depois da forte desavença pública entre Olavo de Carvalho e os generais do governo ficou evidente para todos que entre o núcleo duro bolsonarista do governo e os generais existem fortes diferenças. Depois de 6 meses do início do governo, nos perguntamos: o que pretendem os generais de Bolsonaro?

Os dois generais mais abertamente golpistas, Hamilton Mourão e Augusto Heleno, integraram abertamente a chapa bolsonarista – lembremos que já durante a campanha Mourão defendia abertamente a tese da possibilidade de autogolpe por parte de executivo. Villas Bôas se manteve mais reservado, porém em sua última entrevista como comandante do exército colocou abertamente suas críticas ao que chamou de messianismo de Bolsonaro. Mourão e Heleno, sem apoiar integralmente o bolsonarismo, esperavam exercer uma forte tutela militar sobre o governo do capitão.

A aposta de Villas Bôas, ao lado de boa parte do bonapartismo judiciário da Lava Jato e de parte do STF e da Globo, era exercer a mesma tutela sobre um possível governo Alckmin. Não obstante, agora Villas Bôas integra o governo Bolsonaro num cargo subordinado ao general Heleno no Gabinete de Segurança Institucional (GSI, que unificou o comando dos serviços de inteligência federais) e generais alinhados a ele ocupam cargos importantes, como o Ministério da Defesa e a Secretaria de Segurança Pública.

Convergências e divergências na cúpula do exército

Villas Bôas e Mourão falavam das “aproximações sucessivas” que poderiam, no limite, levar a uma intervenção dos militares para evitar uma possível vitória eleitoral de Lula com as diferenças de ritmos que descrevemos na época. Uns queriam apoiar as investidas bonapartistas da Lava Jato e atuar como segundo violino do bonapartismo institucional, enquanto outros estavam mais propensos a uma atuação mais direta dos militares. Uma terceira ala que foi a mais atuante no governo Temer e que foi a grande defensora da intervenção no Rio de Janeiro contra a posição de Villas Bôas, Etchegoyen e Santos Cruz que se recolheram no período eleitoral, voltam à cena agora. A vitória eleitoral de Bolsonaro reembaralhou as cartas das disputas entre os generais.

Um ponto em comum de todos os generais e do alto comando das forças armadas é a desconfiança em relação a Bolsonaro, que só se intensificou nesses primeiros meses de governo. Nenhum dos generais aceita o comando do indisciplinado capitão Bolsonaro e veem com desconfiança o apoio que este angaria na baixa e média oficialidade, que numa situação de maior polarização social poderia se tornar um desafio a autoridade do alto comando sobre as tropas. As divergências anteriores se diluíram agora num objetivo comum: conter e disciplinar Bolsonaro para impedir um projeto – fujimorista, de fechamento do Congresso – que soa aventureiro aos pragmáticos generais.

A questão é que ao se colocarem no centro do governo para exercer essa tutela militar, o cenário temido por Villas Bôas, de que a atuação política aumente as divergências entre a cúpula militar, começa a se dar. Com um objetivo tático em comum, de evitar o que chamamos de “bonapartismo imperial de Bolsonaro”, as divergências alcançam terrenos mais profundos. Se revelaram com força na ocasião da intervenção disfarçada de ajuda humanitária à Venezuela, na qual o governo Bolsonaro atuou alinhado ao governo Trump. Santos Cruz assumiu uma oposição dura contra a participação do Brasil nessa ação, enquanto Heleno (acompanhado pelo vice-presidente Mourão) uma oposição mais moderada. Coube a Fernando Azevedo a defesa da ação. O que não é nenhuma surpresa, já que Villas Bôas que o indicou para a pasta da defesa assinou em 2015 na Otan, como comandante do Exército, um protocolo de “apoio logístico a ações humanitárias” na selva amazônica. Realizado em 2017, foi o primeiro exercício comum com tropas americanas em território nacional depois da Segunda Guerra Mundial.

Se nenhum general apoia a subordinação incondicional do Brasil ao governo Trump como Bolsonaro, no entanto, a cúpula militar se divide entre os que querem um salto na aproximação com os EUA e os que pretendem uma aproximação mais superficial mantendo alguma equidistância entre EUA e China. Essas diferenças de política exterior também se expressam em formas diferentes de contenção dos planos imperiais de Bolsonaro.

Partindo do objetivo tático em comum de reforçar a posição dos militares no interior do governo, Mourão busca uma aliança mais ampla com Maia e o Congresso nacional, enquanto Villas Bôas segue apoiando a Lava Jato e o bonapartismo dessa ala do judiciário como forma de contenção do Bolsonaro. Uma terceira conduta parece ser a de Heleno, que aposta na sua influência como conselheiro do presidente para exercer uma tutela pessoal. Essas diferentes formas de moderação de Bolsonaro expressam também a distância relativa que cada ala militar tem com o presidente e seu projeto. Mourão aparece como o mais opositor, Villas Bôas e a Lava Jato buscam reforçar o poder do executivo, os métodos mais coercitivos contra o Congresso e o poder dos militares dentro do governo e da lava jato dentro do judiciário. Heleno é o mais próximo de Bolsonaro, mas também se alinha com os demais para manter algum poder direto sobre o presidente.

A ofensiva de Olavo de Carvalho contra os generais – começando por Mourão, atingindo depois Santos Cruz e Villas Bôas e ameaçando chegar até Heleno – junto com a medida de Toffoli contra os procuradores e a Lava Jato, que chegou a executar um mandado judicial na casa de um general da reserva, fez o sentimento de casta falar mais alto na caserna e, frente ao perigo de perder o controle da situação, os generais se blocaram em torno de um objetivo tático em comum: defender sua predominância no interior do governo. O resultado foi que saíram vitoriosos dessa refrega e reforçaram seu poder no Executivo, com Santos Cruz assumindo o papel de potencial interventor nas universidades. Em troca, apoiaram via Clube Militar do qual Mourão foi presidente e no qual tem grande influência o ato do dia 26, que fez reequilibrar a balança entre Bolsonaro e os poderes Legislativo e Judiciário.

A dança dos autoritarismos

O cenário anterior à manifestação do dia 26, em Bolsonaro aparecia cada vez mais isolado, abrindo várias frentes de conflito simultâneas com o Congresso, com a Lava Jato e o STF, com as alas militares e com o movimento estudantil, modificou-se a favor do presidente – na medida em que deixa em suspenso suas pretensões imperiais. Nesse marco, se recompôs relativamente junto com a unidade conjuntural dos militares, o bloco com predominância no governo entre o bolsonarismo e a ala ideológica, e a Lava Jato e as alas militares. Isso se expressa no ostracismo de Mourão, em uma nova ofensiva da Lava Jato, dessa vez contra os bancos, no apoio do clube militar ao ato do dia 26 e nos novos poderes assumidos por Santos Cruz.
O que empurra esses setores a um bloco comum, apesar das divergências, é que se apoiam os três na mesma base reacionária, especialmente das pequenas e médias cidades dominadas pelo agronegócio que se expandiram com força durante o lulismo. É como dizia Gramsci, desenvolvendo o conceito de crise orgânica:

"ao analisarr essa ordem de acontecimentos, habitualmente não se dá o devido lugar ao elemento burocrático, civil e militar e, além disso, não se tem presente que nessas análises não devem caber apenas os elementos militares e burocráticos em ato, mas as camadas sociais que, nos complexos estatais dados, a burocracia é geralmente recrutada". (Antonio Gramsci, Cadernos do cárcere, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001)

E, como dissemos, essa burocracia, judicial e militar, é recrutada sobretudo nas cidades de médio porte do interior com grande peso do complexo do agronegócio.
Gramsci segue a análise discutindo como “o processo se acelera”, quando existe uma convergência entre os interesses dessas camadas sociais e da classe dominante. E que, quando isso acontece, se demonstra a “força militar” dessa camada que pode impor à classe alta sua própria solução, senão de conteúdo, de “forma”. Esse processo se deu no Brasil e convergiu na eleição de Bolsonaro, que agora busca uma série de medidas para fortalecer sua influência sobre essa camada social (em que se incluiu a burocracia ativa, civil e militar, mas sobretudo a base social onde ela é recrutada), inclusive militarmente, ampliando a possibilidade do porte de armas.

Essa seria a forma própria de essa camada impor a agenda de ataques contra os trabalhadores e o povo. Uma saída que não é compartilhada pelo alto comando, pelos generais e pelas finanças, que preferem a constituição de um regime autoritário em que seja o Executivo (como querem os militares, mas sem uma predominância do poder pessoal do presidente), ou a justiça (como quer a Lava Jato), sejam as instituições bonapartistas e autoritárias que comandem o país, mas mantendo um véu constitucional, uma máscara democrática para seu bonapartismo.
Essa disputa se torna mais instável e complexa, porque os objetivos que uniam os interesses dessa camada social com o das altas finanças se diluíram depois da derrota eleitoral do PT, e uma parte dos ataques exigidos pelo mercado financeiro (a reforma da previdência ou a privatização dos bancos públicos) entra em conflito com seus interesses.

No momento, estão todos empenhados em consolidar uma trégua nas disputas intestinas que levaram uma crise importante ao governo e um pacto entre os três poderes capaz de permitir a aprovação da reforma da previdência, mas as diferenças sobre que tipo e que grau de autoritarismo deve prevalecer no novo regime político que está sendo construído, as disputas entre os poderes e as frações burguesas pelo seu papel no futuro sistema político e as fortes divergências de política externa seguem atuando. Se a juventude surgiu no dia 15M como um novo ator nas disputas dos rumos do país, uma ação contundente do movimento de massas no dia 14 de junho que coloque também o movimento operário em cena poderia reabrir essas disputas e fazer naufragar o pacto pelas reformas, abrindo a possibilidade de uma guinada a esquerda na situação reacionária que vivemos.


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Thiago Flamé

São Paulo
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