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OPINIÃO | A admirável Nova República segundo Janot e Merval Pereira em conjuntura de pagar o pato

O Globo estampou nesta quarta-feira uma capa que o leitor não sabia se era o minuto anterior ao apocalipse ou se era o anúncio da boa nova e da redenção geral. Sua manchete dizia "Partidos se unem contra as prisões". Se referia ao pedido de prisão dos super-poderosos caciques do PMDB. Logo embaixo estampava como PT e PSDB haviam ambos condenado o pedido, claro, quem há de indispor com os fiadores de todos governos. Uma parcela da mídia, ameaça tomar outros vôos, para trocar peças ou boa parte do regime para no lugar dos atuais esquemas de corrupção colocar outros.

Leandro LanfrediRio de Janeiro | @leandrolanfrdi

quarta-feira 8 de junho de 2016 | Edição do dia

O jornal Globo trouxe em sua capa e nas primeiras páginas, através de seu principal articulista, Merval Pereira, pena de imortal da Academia de Brasileira de Letras (distinção que compartilha com Sarney) uma efusiva saudação a novidade histórica do dia de ontem, anunciava com todo direito às trombetas e clarinetes a aurora de um admirável mundo novo, livre de uma casta política corrupta. A euforia de sua pena, a mais ligada ao "partido judiciário", contrastou com o apreensivo comedimento do editorial do jornal, mais ao tom da Folha de São Paulo e do Estado de São Paulo, que escolheu olhar para o lado e não opinar sobre o tema no dia.

Voltemos ao imortal Merval, escritor de colunas sem importância e caricatas em seu direitismo no Globo, e de hum (!) livro em toda sua vida, justamente sobre o julgamento do mensalão. Agora que o "partido judiciário" está alçado a importância crucial nos rumos do país, junto dele subiu a estima e relevância de sua pluma, como porta-voz de ala da elite nacional (treinada e relacionada com o imperialismo) que não pode se expressar diariamente como seu distinto escriba, data vênia.

Escrevendo com a verve de um Sérgio Moro erguido herói nacional (a terminar preso como antigo paladino da ética Demóstones Torres e o hoje amigo de xilindró "Japonês da Federal"?), Merval não poupou vaticínios sobre o que ocorrerá em terras tupiniquins depois do pedido de Janot, diz: "Os partidos, da forma que os conhecemos hoje, não existirão em futuro próximo, pois além de desmoralizados estarão literalmente quebrados depois que, como consequência da Operação Lava-Jato, receberem as multas correspondentes aos crimes que praticaram. A ruptura com o modelo atual de fazer política está prestes a se concretizar. O fim está próximo. É preciso recomeçar do zero, dentro de novos marcos legais que estão sendo implantados, com o apoio da sociedade."

Este prognóstico feito pelo imortal escriba porta-voz na mídia de outros membros da ala "hardcore" mani pulite do partido judiciário independe, segundo ele, do que ocorrer no que tange às prisões. A pecha está lançada e colou. Não há ponto de retorno ao Brasil pré-Lava Jato.

O editorial de seu jornal coloca dúvidas. Nele afirmam que é preciso ver se este pedido de Janot não seria algo que teria passado da correlação de forças, tal como a condução coercitiva de Lula. Colocando em risco tão belo e admirável trabalho de faxina, elogiado pelo mesmo jornal que foi erguido à potência midiática nacional por outra ofensiva saneadora do país, aquela não das plumas editoriais e das togas de hoje, mas dos coturnos e paus-de-arara com porta-aviões ianque estacionado próximo a Santos just in case.

A Folha também expressou dúvidas sobre a ofensiva de Janot em editorial e nas palavras de seus principais articulistas. É lugar comum na mídia recorrer à frase e referência de Júlio César. “Cruzaram o Rubicão”. A fronteira fluvial perante a qual nenhuma tropa romana podia passar sem tornar-se um ditador vitorioso ou um usurpador deposto (e morto). Ao fazer isto César teria dito "Alae Jacta Est" (a sorte está lançada). E justamente Janot e Merval parecem ter cruzado este limiar e se arriscam.

A Folha e seus colunistas se mantém críticos, à margem. O Globo, com um pé no rio, mas com as barbas de molho. O Estado na dúvida, em seus 3 (!) editoriais do dia não menciona estes "fatos transcendentais" louvados no seu correspondente carioca. Tal como o partido da mídia, o partido do judiciário parece estar entrando em atritos. E mais, estão entrando em atrito entre si. Janot e Gilmar Mendes estão em pé-de-guerra sobre os limites de atuação, e sempre prontos a se criticarem.

Os juízes do Paraná, da tão nobre e imaculada "República de Curitiba" compraram briga com o partido da mídia, atacando a secundária “Gazeta do Povo” de suas paragens por divulgar os rendimentos dos nobres mestrados. Todos jornais, e o Estado em editorial (“Juízes com medo da verdade”) criticaram a censura.

Os magistrados de Curitiba, Brasília, com Janot e Moro à frente se acham a encarnação de uma Nova República, liberta dos erros dos reles mortais, atrevem-se até a enquadrar a mídia como os mortais a serem contidos, o que dizer você caro leitor.

O filósofo grego Platão, cerca de 25 séculos atrás advogou, contra os males democráticos, a favor de uma república de filósofos-reis, treinado do berço para pensarem e agirem mais profundamente que os outros. Para Janot, Moro e Merval, pouco importa a Constituição, trata-se de erguer uma nova República, a dos Deuses-Toga. Estes seres especiais são oniscientes (ao menos oni-ouvintes com suas gravações) e onipotentes, afinal fazem e refazem a Constituição como querem.

Porém, no fim das contas, manobras e jogos à parte, mesmo estes Deuses (quem não lembra do juiz carioca que deus voz de prisão por desacato quando sua divindade, literalmente, foi questionada) precisarão voltar ao chão terreno da luta de classes. Será preciso ter um governante e um relato que aponte a alguma hegemonia, e isto não poderá ser arbitrário e tão cheio de conflitos como o teatro de operações de hoje, em que se apoiaria ? Quem seria o primeiro entre os deuses-toga, primus inter pares no latim deles? E, com quais classes sociais baseadas em quais relações de produção se apoiariam? Com TV e classe média acomodada é possível hegemonia?

Cada ala do judiciário e da mídia joga seu pescoço na empreitada. Sua sorte está lançada. E não são os únicos a terem cruzado o Rubicão.

Todo golpe institucional em meio à crise orgânica do Estado capitalista, com todas e ao mesmo tempo nenhuma ala oferecendo uma saída plausível à crise, e pior que possa servir para organizar uma nova hegemonia.

Bate-se cabeça entre atacar Temer, fortalecer Temer, seguir a Lava Jato, travá-la. A classe média “in Moro we Trust” a tomar a Paulista em domingos pretéritos se contentará com um fim da Lava Jato sem happy end?

Podem os Deuses-Toga contentaram-se com o já conquistado? Ou a pausa é arriscada, periga que a “classe política” feche um acordo colocando suas cabeças à prêmio?

A FIESP para não pagar o pato de ter investido dinheiro e reputação no golpe, reúne-se com Temer para lhe brindar apoio. Mas poderá aguentar até quando um governo que anuncia ataques mas pouco oferece, fora limitada privatização da Petrobras?

Os tucanos, cruzaram o Rubicão, não somente com o golpe, mas assumindo lugares nas hostes dos bárbaros PMBDistas. Se o governo atacar muito os tucanos podem arriscar sua popularidade junto, se não ajudarem o mesmo a atacar podem perder seu posto perante o imperialismo (tão fartamente documentado em Wikileaks) de responsáveis soldados pagos, condottieri modernos dos príncipes de Wall Street.
Cruzado o Rubicão, todos arriscam-se a pagar o pato do presente e do futuro.

Quem se dá bem em todo este jogo dos riscos dos que se aventuraram mais no golpe são os atores quietos, sem com isto darem um passo mínimo a um relance de nova hegemonia no lugar da lulista.

O soturno governador paulista, o tucano Alckmin, que manteve-se de fora de agarrar o botim presidencial com a mesma euforia de Serra ou Aécio, e no caso de fracasso se oferece como alternativa imaculada (com a óbvia ajuda dos Deuses-Toga que poupam os tucanos paulistas sempre). Se fortalece como alternativa eleitoral Marina, uma alternativa, de uma presidente vacilante, indecisa, e com partido débil, uma continuidade de crises, no entanto.

E, claro, outro ator que se beneficia dos conflitos da frente que cruzou o Rubicão, Dilma. Na confusão geral das alas golpistas aumentam suas chances de retomar os rumos do poder, por vacância de alternativas. E sem ela mesma ser alternativa para nenhuma ala.

Na confusão, todos se prestam a pagar o pato, e todos se apressam a fazer os outros pagarem o pato.

E nós, trabalhadores, não podemos assistir ao circo passivos, pois, jogos à parte, somos nós o principal pato.

Temer foi erguido ao poder para desferir ataques que Dilma já planejara. A reforma da previdência a nos roubar o direito de aposentadoria, e agora o começo da privatização fatiada da Petrobras são medidas planejadas sob o governo do PT. As demissões correm solto. Os sindicatos controlados pelo PT fazem ocasionais atos simbólicos contra Temer e seus ataques. Não será assim que se freará a mão dos golpistas que só continuam com mais raiva o que Dilma e Lula iniciaram.

É preciso fazer o direto oposto do que opinam as alas da mídia e do judiciário, desses “Deuses-Toga” que querem uma política sem povo e sem contradição que não suas entortadas da Constituição, que eles determinem a seu bel-prazer para erguer novos esquemas de corrupção e poder no lugar dos atuais.

É preciso também fazer diferente do que querem as alas da conciliação da luta de classes como é desde sempre Lula e o PT.

Não pode haver paz com Rede Globo, com a FIESP, Febraban, com Bolsonaro, com os latifundiários, com os tucanos e aqueles que defendem programas similares a todos estes, como é o caso do PT de Lula e Dilma.

A política, que não seja a de uma casta de privilegiados, de toga, propriedade, ministério ou parlamento, só pode ser a de nós, “de baixo”, lutando por um programa em defesa da educação, saúde não pagando a dívida pública aos banqueiros e garantindo esses direitos; lutando por emprego e salário arrancando dos lucros patronais. Lutando para erguer as lutas parciais de cada escola, universidade, local de trabalho a uma luta para trazer abaixo o golpista Temer e no bojo desta luta impor uma nova Constituinte como caminho de uma resposta de fundo a todo este podre regime, que não tem como sair das sombras desta caverna de corrupção e ataques a nossos direitos, por algum caminho que não seja um que vá a raiz dos privilégios de todos eles, o capitalismo e suas formas históricas em nosso país.




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